Este é Gilberto Amaral, o colunista social mais antigo do Brasil
Aos 84 anos, o pioneiro de Brasília ainda está em atividade e revela ao Metrópoles detalhes sobre a convivência com os poderosos do país
atualizado
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Gilberto Amaral é um ícone de Brasília. Mineiro, com carreira no rádio e na televisão, chegou à cidade dias antes da inauguração para ajudar na “epopeia” da mudança da capital. Como colunista, circulou nos eventos mais prestigiados do DF e se tornou amigo de vários presidentes da República – teve Juscelino Kubitschek como padrinho de casamento, estabeleceu amizade com Costa e Silva, passou feriados na fazenda de Collor e conheceu todos os mandatários da nação desde 1959.
Ele esteve presente em alguns dos momentos determinantes para a história do país e do mundo. Conviveu com os militares, conheceu Rússia e Japão a trabalho e teve até um bate-papo com a rainha da Inglaterra, quando ela visitou em Brasília e recebeu jornalistas para o tradicional beija mão..
Aos 84 anos, segue ativo com três programas na televisão, colunas sociais em dois veículos impressos e um blog. É considerado o mais antigos colunistas em atividade do país.
Gilberto nasceu em São Sebastião do Paraíso (MG). Segundo de quatro filhos, ele conta que, em 1939, o pai abriu uma rádio na cidade. Ainda criança, começou a redigir, por livre e espontânea vontade, sua primeira coluna. “Catava milho” na máquina de escrever e contava onde tinha baile e quais casais iam se formando. No final do dia, pregava a folha no quadro de um clube – as pessoas faziam fila para ler a chamada “coluna mural”. Ao mesmo tempo, ajudava o pai na emissora.
Dono de uma memória afiada, recorda vividamente de datas e nomes completos. Morou em Ribeirão Preto (SP) e em Poços de Caldas (MG), onde ignorou completamente a escola para trabalhar na rádio. Chegou a receber uma carta do pai, preocupado com o futuro do filho rebelde: “Nós te embalamos com tanto carinho e amor. Será que você vai ser uma negação?”.
Enviado a Belo Horizonte (MG) pela família com uma proibição expressa de trabalhar em rádios, discretamente realizou um teste para ser locutor na Inconfidência. Dono de um vozeirão grave, não conseguiu a vaga, porém, chamou atenção de Celso Siffert – responsável, à época, pelo marketing da loja B Moreira e de um programa de variedades.
Gilberto lia as notícias até ser interrompido por Rubem Tomich, o Repórter Esso. Era um trabalho de prestígio – o Variedades B Moreira, antes, tinha apresentação de César Ladeira, narrador mais importante do período.
Jantares dançantes
Sempre muito interessado em estar próximo aos burburinhos, o locutor passou a frequentar o jantar dançante do Iate Clube da capital mineira (aproveitava para dar uma palhinha no microfone cantando Eu Sou o Samba, de Zé Keti). Em uma edição, durante show de Cauby Peixoto, subiu ao palco e chamou o amigo Fernandinho Melo Viana, exímio dançarino de rock, para animar o público.
Na plateia estava Benjamin Levi, diretor da mobiliadora Casas Levi que, naquela ocasião, lançava um programa na televisão. Ao ver aquele homem, enxergou um apresentador. Gilberto comandou o Boliche Mobin, no qual os participante disputavam prêmios. “Tomei conta da atração. Comecei também a fazer a crônica social na TV Itacolomi”, rememora.
Após uma discussão com a direção da emissora, Gilberto decidiu voltar a São Sebastião do Paraíso. Nem teve tempo de se readaptar à rotina da cidade interiorana: recebeu uma ligação de Celso Siffert com um convite para voltar à televisão e animar um programa chamado Chute em Gol B Moreira.
Respondi que a televisão não me aceitava, mas ele disse que iria aceitar sim. Cheguei lá e não me acolheram. O Oswaldo Chateaubriand, irmão do Assis, tinha um filho moderno, jovem e fumador de cachimbo administrando a emissora. Pedi uma audiência e fui conversar. Ele acabou permitindo o programa
Gilberto Amaral
Grande amor
Com a influência adquirida na TV, Gilberto se juntou aos colunistas Wilson Frade e Mario Fontana na organização do Miss Minas Gerais. Enquanto discutiam os pormenores da premiação (regada a uísque e cerveja no bar Elite, um dos mais frequentados de Belo Horizonte), viram passar duas moças na rua. Uma delas era Mara. Convidada para ser Miss Iate, ela começaria a namorá-lo.
Depois de noivos, Gilberto deixou Belo Horizonte para se casar com Mara, no dia 15 de agosto. A moça, filha do então deputado federal Manoel França Campos, inseriu Gilberto no mundo do poder. Acompanhando o sogro em uma entrevista, o casal conheceu o presidente Juscelino Kubitschek, que foi convidado para ser padrinho de casamento dos “pombinhos”.
“Ele agradeceu e aceitou. No dia 15 de agosto, compareceu à celebração e pretendia me dar um cartório de presente. No entanto, após repercussão ruim, resolveu me ajudar a encontrar emprego”, explica. “Não existirá outro Juscelino. Deus criou o mundo, Dom Bosco escolheu onde seria Brasília e Juscelino construiu a cidade”, fala cheio de orgulho.
Na volta da lua de mel, coincidentemente, Gilberto conheceu Assis Chateaubriand. Recém-nomeado como conferente de valores da Casa da Moeda, porém, decidiu mudar de área. Foi atrás do velho amigo e padrinho de casamento Mário Pires, diretor das Empresas Incorporadas da União, responsável pela Rádio Nacional, pedir oportunidade na emissora. Conseguiu. Era o locutor comercial das novelas e foi até convidado a substituir Heron Domingues, o mais famoso Repórter Esso. “Foi o êxito da minha carreira”, atesta.
A vinda para Brasília
A passagem pela rádio durou pouco. Recebeu uma proposta de Felinto Epitácio Maia (avô do atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia), seu chefe na Casa da Moeda. Ele o convidou a vir para a capital em construção. Em 27 de março de 1960, partiu rumo à futura Brasília. “A vida vai na valsa”, disse, ao citar um de seus mantras.
“Eu não sabia o que era Brasília. O Israel Pinheiro esteve na casa do meu sogro, mostrou o mapa da cidade e nem tomei conhecimento. Vim para cá trabalhar no GTB [Grupo de Trabalho de Brasília, que virou Codebras]. Cheguei com um terninho tropical inglês e gravata, mas aqui não havia nada. Só uma poeira insuportável”, relata. Foi chefe de recepção e relações públicas do órgão. À frente de 20 pessoas, tornou-se responsável por receber a primeira leva de funcionários da nova capital, cerca de 10 mil pessoas.
Depois de três anos longe de colunas sociais, rádio e televisão, Gilberto conseguiu voltar à Rádio Nacional, à época instalada em Brasília. O programa ia bem até o golpe de 1964 – ou “revolução”, nas palavras do colunista. Durante uma transmissão, um funcionário avisou que o diretor Édimo do Vale gostaria de conversar.
“Ele disse que precisaria de mim durante a noite para entrevistar alguns deputados defensores do governo Jango Goulart. O Repórter Esso lá no Rio dava uma notícia, nós, do Repórter Nacional, inventávamos uma outra desmentindo. A revolução já estava ganha, e a gente criando uma disputa em andamento”, recorda.
Depois da Cadeia da Legalidade – movimento comandando por Leonel Brizola que utilizou as rádios do governo para convocar o povo a lutar contra a insurgência dos militares –, e o apresentador Gilberto foi investigado junto com Darcy Ribeiro, o ex-arcebispo de Brasília dom José Newton e o então consultor geral da República, Waldir Pires.
Encaminhado para depor, foi recebido por amigos militares que jogavam futebol semanalmente. A pena mínima, na época, era de 15 anos de prisão, mas o processo terminou arquivado no Tribunal Militar de Juiz de Fora (MG). Enquanto respondia à ação, esteve em um uma festa no antigo Clube do Exército, localizado próximo ao Brasília Palace. Lá, por intermédio do general Arnaldo Calderari, conheceu o presidente Costa e Silva. “O homem virou meu fã”, atesta.
Flerte com o poder
Gilberto Amaral e o presidente tornaram-se grandes amigos. Costa e Silva costumava pedir a sua opinião sobre a política do país. Uma vez, depois de um jantar no Palácio da Alvorada, o mandatário sentou de costas para o piano, com um copo de uísque em mãos, e perguntou como estavam as coisas. O jornalista fez vários elogios e ousou dar uma sugestão controversa.
A reforma da Constituição estava sendo feita e Gilberto sugeriu a inclusão da reeleição dos futuros presidente no documento. “Ele meteu os cotovelos no piano e perguntou o que eu sabia sobre comandar a República. O Costa e Silva não desejava ficar mais tempo no Planalto, pois não tinha liberdade para fazer nada”, menciona.
Parte dessa desilusão com o poder, segundo Amaral, era consequência do endurecimento do regime por meio do Ato Institucional nº 5. A partir da medida, foram fechados o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas de todos os estados, com exceção de São Paulo; o presidente e os governadores passaram a assumir as funções legislativas; a censura prévia de música, cinema, teatro, televisão e imprensa institucionalizou-se; e o presidente ganhou o poder de demitir qualquer funcionário público, incluindo políticos eleitos e juízes.
Durante o governo Costa e Silva, Gilberto teve oportunidade de conhecer a rainha Elizabeth. Em visita a Brasília, os repórteres se enfileiraram para beijar a mão da monarca britânica. Os jornalistas, acanhados, andaram para trás e logo ficaram encurralados no local onde ocorria a recepção. Elizabeth reparou no rapaz à frente da linha e puxou assunto com ele. Gilberto, por sua vez, sem saber o que falar, inventou uma frase sobre a filha dele, Bernadete, e finalizou com um “God Save the Queen” (Deus Salve a Rainha, em português).
Recorda-se com saudade da época na qual todos vestiam casacas e pegavam emprestados distintivos e medalhas. Quem nunca tinha comido caviar enchia a boca, outros cuspiam os caroços de uva no chão. “Agora não existe nada disso. O charme de Brasília acabou.” O presidente seguinte, Emílio Garrastazu Médici, já havia sido escolhido, pela cúpula militar, para ocupar o Planalto, e Gilberto Marinho, então presidente do Senado, se desentendeu com Costa e Silva.
Marinho, homem de “estopim curto”, andava com um terço no bolso do paletó e um revólver no da calça. No dia da despedida de Médici do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), Gilberto levou seu xará e promoveu a paz entre Marinho e Costa e Silva. “Ele disse: Gilberto, me dê a honra e sente-se na minha mesa. Eu respondi: ‘Claro, presidente’. Mas não era comigo, ele falava com Gilberto Marinho.”
A proximidade entre Gilberto e Costa e Silva se estendia às famílias. Iolanda, esposa do general, confidenciou ao amigo jornalista que o marido abandonou o tratamento de um derrame.
O Costa e Silva tentou reabrir o Congresso Nacional no dia 7 de setembro de 1968. Mas não conseguiu assinar o decreto, por conta do problema de saúde. A mão direita estava imobilizada. Tentou assinar o documento com a esquerda. Não conseguiu, jogou a caneta no chão e começou a chorar. Ele fingia tomar o medicamento e colocava tudo dentro de um buraco no colchão
Gilberto Amaral
Médici gostava muito das gravatas de Gilberto, sempre diferentonas e chamativas. Quando o militar se tornou presidente, a casa do colunista ficou lotada, pois todos sabiam da amizade com o general. Para ele, o linha dura foi o líder mais amável do regime.
Depois, veio Figueiredo, e Gilberto o acompanhou em viagem ao Marrocos. Logo após a visita, o presidente precisou passar por um procedimento em Cleveland para tratar do coração – assim que voltou, os dois conversaram e o ocupante do Planalto confessou temer a morte. Preocupado, pediu aos amigos um curioso protocolo no enterro: gostaria de ter, dentro do caixão, dois pacotes de cigarro e duas costeletas de porco. Nada de flores.
Fim da ditadura militar
No final do governo militar, Tancredo Neves foi eleito indiretamente como o primeiro presidente pós-ditadura. A posse seria em uma sexta-feira. Na segunda, Gilberto compareceu a um jantar oferecido pelo Jornal do Brasil e encontrou o futuro chefe do Executivo: “E a saúde, está boa?”. Tancredo, com o característico jeitão político, respondeu que o presidente da República estava sempre bem. No entanto, três dias depois, entrou na sala de cirurgia.
Ainda na semana da nomeação, o colunista encontrou o médico Pinheiro da Rocha, um dos responsáveis pela cirurgia. O especialista decretou: “Esse homem não toma posse”. Cumprindo o que acreditava ser um dever de ofício, Gilberto contou ex-ministro da Casa Civil Leitão de Abreu sobre a saúde de Tancredo. Figueiredo, até então o presidente empossado, não gostava do maranhense e se recusava a passar a faixa.
“Eu estava jantando na Academia de Tênis com o alto comando do Exército quando chegou a notícia [da morte de Tancredo]. O Aloysio Faria de Carvalho, que foi um grande presidente da CEB, chegou com a Constituição debaixo do braço. O general Leônidas Pires, nomeado para o Ministério do Exército, abriu texto legal e leu um trecho inexistente, inventado na hora, confirmando que Sarney deveria tomar posse”, confidencia.
O jornalista e Sarney são muito amigos. O político maranhense teve o aval dos militares à 1h daquele dia. O General Leônidas ligou e sacramentou: “O senhor tomará posse. Boa noite, presidente”.
Governo democrático
Durante o mandato de Sarney, Gilberto participou como repórter de uma viagem à Rússia para acompanhar o líder político. Esteve no Kremlin para conhecer o presidente Nikita Khrushchev.
Gilberto também foi muito próximo de Fernando Collor de Mello. Desfrutava da confiança do ex-presidente como poucos jornalistas. Chegou a acompanhá-lo durante viagem ao Japão. E por alguns anos virou tradição passar o feriado de 21 de abril com a família do então chefe do Executivo em Araxá (MG). A proximidade com o Palácio do Planalto continuou na gestão de FHC.
Atento aos bastidores, notou uma rixa entre Fernando Henrique Cardoso e José Sarney: os dois disputavam quem recebia mais aplausos durante o evento.
Ele também foi apresentado a Lula durante uma festa. Destaca que o petista é muito “sabido”. Antes mesmo de se conhecerem formalmente, o ex-metalúrgico disse: “Tchau, Gilberto!”, após um evento na capital. Só que até então não haviam sido apresentados. Dilma entrou para o rol de presidentes colegas: o encontro ocorreu em um jantar oferecido por Michel Temer no Palácio do Jaburu.
Gilberto foi amigo de Temer – o uso do passado é enfatizado pelo colunista. Eles se conheceram durante a gestão do medebista na Presidência da Câmara dos Deputados. Em Gramado (RS), quando o atual presidente ainda era vice, os dois estiveram em um jantar e não ficaram na mesma mesa. “Fui questionado por outros frequentadores do local sobre o motivo de cumprimentá-lo. Falei que ele era o vice-presidente e que merecia respeito. Passei a convidá-lo a jantares e falava diariamente com ele sobre vários assuntos”. Diálogo interrompido às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff. “Depois que assumiu o governo, [Michel Temer] não falou mais comigo”, justifica.
A política de hoje
Embora tenha se mantido toda a vida próximo ao poder e perto de políticos, nunca quis ser um deles. Mas se é para debater, ele tem opinião formada. Apesar de saber como as coisas funcionam, não entende a cassação de Dilma. Acha que o impeachment deveria ter sido estendido ao vice-presidente: “Nunca vi retirar quem quer que seja do cargo e deixar os direitos políticos”.
Amaral acredita que a “revolução de 1964” foi o que salvou o Brasil. Entretanto, não enxerga solução para a crise atual.
“Não vejo nenhum futuro. É uma incógnita. Precisa de uma lavagem na Câmara e Senado”, opina. Desiludido, acha inviável mudar o país só nas urnas, por conta das opções oferecidas. “Jânio Quadros era um tarado mental e sexual, mesmo assim o povo votou nele. As pessoas não sabem votar”, pontua.
Aposentadoria
“Estou desgastado, com muito desgosto do que vejo hoje neste país”, diz, com a mão apoiada na testa, o colunista social mais antigo do Brasil. Mas, mesmo aos 84, Gilberto Amaral se mantém ativo e trabalhando: “Jornalismo é uma cachaça, difícil de largar”.