Em projeto, ex-fotógrafo de guerra no Afeganistão distribui afeto pelo DF
O projeto criado por Bruno Domingos distribuiu mais de 6 mil refeições neste ano
atualizado
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Bruno Domingos, de 43 anos, se despediu da correria do dia a dia de fotógrafo para trás há três anos e meio. De lá para cá, o foco em sua jornada deixou de ser os cliques e tornou-se a solidariedade ao próximo, com a oferta de pratos preparados por ele a pessoas em situação de vulnerabilidade. À frente do projeto Marmitinhas do Amor, ele se conecta semanalmente com pessoas que vivem nas ruas de Brasília, onde reside desde 2015.
A iniciativa surgiu despretensiosamente e, segundo o carioca, não foi criada para arrancar aplausos. Ele encara a ação de uma forma muito natural, como quem sabe que fazer o bem não é um diferencial, mas obrigação de quem se sente na vontade de retribuir. “Sei que faz diferença na minha vida pela carga positiva de ajudar o próximo, mas não posso maximizar e nem minimizar isso”, explica. “No final, você recebe tanto carinho que quem acaba sendo ajudado é você.”
Antes de se aventurar na iniciativa, ele consagrou-se na área fotográfica e participou de diversos eventos históricos. Foram 20 anos registrando imagens e acontecimentos mundo afora, como correspondente de guerra no Afeganistão e na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, e nas Olimpíadas de Londres, em 2012, além de ter testemunhado conflitos em comunidades cariocas.
Desde que partiu para o lado humanitário, sua vida deu mudou por completo. A distribuição começou em outubro do ano passado. Ele produzia cerca de 40 pratos por dia, ou mais, a depender do tempo e matéria-prima disponível. Até março deste ano, havia doado 500 refeições. Nos 80 dias seguintes, com a crise gerada pela pandemia de coronavírus, o volume saltou para 6 mil. Os pontos mais visitados pela costumam ser o centro de Brasília, sobretudo o trecho entre a Universidade de Brasília (UnB) e o edifício da Procuradoria Geral da República.
“Meus amigos próximos e outras pessoas de Brasília me ajudaram a entregar e a produzir. Foi virando uma bola de neve, crescendo muito. Tinha semana que sequer precisava cozinhar, porque tinham outros chefs querendo participar”, relembra, sobre o sucesso da iniciativa voluntária.
Nas primeiras vezes, o preparo das refeições ocorria na pequena cozinha da casa do ex-fotógrafo. Saudosista, ele recorda que era complicado, mas divertido, elaborar dezenas de refeições em um ambiente com cerca de 4m². Para custear os ingredientes, Bruno tira do próprio bolso e conta com o apoio material e financeiro de muitos amigos, como a chef Carol Borges.
“A minha ideia nunca foi doar qualquer coisa, eu cozinho como se fosse para mim. É muito mais do que um prato de comida, é respeito”, pontua.
Nos últimos meses, a distribuição foi reduzida drasticamente por conta de empecilhos relacionados à tempo e capacidade de produção. Mas, a partir de janeiro de 2021, o plano de Bruno é voltar com gás total. Além disso, mesmo com a operação devagar, ele não parou de ser solidário. No restaurante que comanda em Brasília, uma promoção diferente chamou atenção: durante a semana da Black Friday, ele ofertou um prato a pessoas em situação de rua para cada refeição que era comprada.
Recepção
Segundo Bruno Domingos, a maioria das pessoas não quer apenas se alimentar, mas ser notada. Muitos relatam que se sentem praticamente invisíveis ao mundo. “São pessoas que vivem à margem, como se não fizessem parte da sociedade. Todo mundo é digno de comer o que gosta, ser tratado com respeito. Precisamos dar a mão para a outro. Amanhã, pode ser que quem precise seja você”, complementa.
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No front
O cozinheiro e filantropo é acostumado a grandes desafios. Em 2009, partiu em direção ao confronto entre estadunidenses e afegãos, apenas 15 dias antes do primeiro casamento.
Antes do matrimônio, bem perto da viagem, ele comprou um livro de culinária para poder agradar a primeira esposa e testar os dotes com os alimentos. Foi o primeiro passo dado na área que, hoje, não apenas é o seu sustento, como tira milhares de pessoas da fome.
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Mensagem
Determinado a ser feliz, Bruno conta que seguir os próprios sonhos é o maior ato de coragem que alguém pode ter. Embora nem sempre seja fácil, superar o próprio medo é o único caminho para uma felicidade plena. Ele mesmo precisou compreender essa filosofia e colocá-la em prática quando, há quatro anos, perdeu a mulher, Alana, para um tumor raríssimo e que apenas 15 pessoas no mundo já tiveram.
A antiga companheira foi quem a motivou a mudar-se para o Distrito Federal, onde vinha ocasionalmente participar de competições esportivas. “Sempre digo que vim para casar, cuidar e enterrar. Faz parte, não me pergunto o por quê, só agradeço. Não dá para ver o copo vazio”, afirma. Apesar da dor de perder uma pessoa tão querida, Bruno seguiu na capital brasileira e, atualmente, é uma dose de afeto aos mais necessitados.
Para ele, é preciso saber olhar o lado positivo das situações. “Fomos trancafiados para sermos livre, no final das contas, e pensar no que realmente temos que valorizar, como a família e os amigos”, salienta.
Assim como na fotografia, o ex fotógrafo de guerra aposta no viés autoral para criar as refeições, tanto as que partilha no estabelecimento sob seu comando quanto as que doa. “Cozinhar é uma forma de amar”, finaliza.