Desirée Feldmann: a artista que tem colorido Brasília com colagens
Entre painéis, murais e ilustrações cheios de cores, ela tem encantado os brasilienses
atualizado
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Brasília tem ganhado novas cores pelas mãos de uma geração jovem e moderna de artistas que estão conquistando a cidade. Desirée Feldmann, 29 anos, é uma delas. Natural de Santa Cruz do Sul, município a 155 km de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a designer gráfica enxergou uma fonte de inspiração nas ruas floridas e arborizadas da capital federal.
Basta entrar em seu perfil do Instagram para encontrar uma timeline repleta de flores, borboletas e outros elementos da natureza entrelaçados com figuras humanas, em especial mulheres, com um toque surreal.
É justamente esse laço orgânico que encanta a artista. “Brasília é uma cidade-parque. Seus moradores têm contato direto com a natureza e isso certamente influencia muito na qualidade de vida das pessoas. Por outro lado, o planejamento de sua arquitetura e o tombamento limitam, em parte, as intervenções urbanas”, aponta.
Formada em design de moda, a artista visual percebe uma evolução em seu trabalho, desde as estampas até grandes áreas urbanas. “Busquei novas frentes de trabalho para explorar outras possibilidades e hoje atuo como freelancer”.
Sobre seu processo de criação, Desirée confirma que se dedica à pesquisa. “Eu gosto de usar as flores como referência de força, desse movimento que sai de dentro para fora”, explica. “A colagem é um trabalho sensível, feito em camadas, que costuma adicionar profundidade à obra. É uma coisa que eu gosto e preciso fazer. Minha válvula de escape”, revela.
Seu maior trabalho está no The Brain, coworking, na quadra 503 Sul. O painel de 10 metros conta a história da W3 de uma maneira contemporânea. A artista relembra o passado da avenida, muito importante para a história de Brasília, mas também aposta em referências atuais.
Por não ser brasiliense, ela resgatou a história da região em conversas com pessoas que moraram na Asa Sul e têm essa referência do comércio local, além de fazer pesquisas no Arquivo Público do Distrito Federal.
Outro lugar que ganhou um painel da artista foi a lojinha de produtos naturais anexa ao restaurante Flor de Lótus, da 102 Norte. A parede branca e sem graça deu espaço a imagens do Eixo Monumental e de quadras do Plano Piloto com grandes flores coloridas.
“Eu queria dar cor ao Flor de Lótus. A loja estava sem vida e o trabalho da Desirée tinha tudo a ver com a proposta do restaurante dos meus pais, que tem quase três décadas de Brasília”, disse a empresária Mariana Lavor, proprietária da loja.
Sua primeira intervenção urbana individual foi um coração de flores feito com a técnica de lambe lambe, na passagem subterrânea entre as quadras 103 e 203 Norte. A intenção era deixar o escuro lugar mais acolhedor e não há quem passe por lá que não se surpreenda ao sair do túnel.
“As pessoas não esperam ver um coração com flores nesse espaço; estão acostumadas com grafites e pichações. No dia em que eu fiz, em um domingo de manhã, uma senhora me abordou, falou que era moradora da quadra e confessou que tinha medo de caminhar por ali. Ao ver o que estava fazendo, ela ficou sem reação e simplesmente agradeceu porque ‘a partir de hoje, não teria mais medo'”, conta.
Desapego absoluto
No dia da entrevista ao Metrópoles, Desirée ficou surpresa ao se deparar com o centro do painel de flores pichado. A primeira reação foi de decepção, mas logo ela enxergou a situação pelo aspecto positivo. “Toda forma de intervenção artística é válida”, afirmou. “É chato, mas respeito. A rua está em constante transformação”.
A chegada a Brasília ocorreu em 2016. De lá para cá, ela se dedica a estudar o mercado e se especializar. Neste período, conheceu vários artistas locais como Camila Siren, a grafiteira que colore algumas paredes da W3 Sul, paradas de ônibus da EPTG e outros espaços públicos com arte.
Foi Siren, inclusive, que motivou e convenceu Desirée a levar seu olhar para a rua. A primeira experiência em conjunto da dupla foi em um mural na 103 Sul. “Foi desafiador e muito bom tê-la comigo. Me senti acolhida e respeitada pelas artistas de Brasília”, diz.
Mulheres nas artes
A arte feminina tem ganhado espaço no mercado, mas ainda não angariou o devido reconhecimento. Desirée avalia que, muitas vezes, as mulheres não são levadas à sério pelos empresários. “É comum acharem que não se trata de um trabalho sério, mas sim um hobby”, critica.
Essa percepção começou a mudar para ela após ganhar visibilidade com uma das colagens mais reconhecidas da atualidade, a Frida Florida. Sua ilustração passou a estampar posters, almofadas e capas de cadernos, cases de celular, além de frequentemente ser copiada ilegalmente.
Ela também assina toda a identidade visual de dois eventos brasilienses: as edições de 2019 do Carnaval no Parque e da Festa Surreal.
Pantone
Em 2017, Desirée publicou nas redes uma série de ilustrações com colagens feitas com os cartões da Pantone – empresa que é referência mundial em controle e especificação de cores. Anualmente, a marca divulga a cor que será tendência no ano seguinte. O projeto reuniu 101 publicações, entre abril e novembro de 2018.
Para a surpresa de Desirée , em março deste ano, a multinacional entrou em contato pedindo autorização para compartilhar as imagens – um sonho da maioria dos artistas gráficos. A ficha demorou algumas horas para cair. “Eu fiquei em choque. Tive que me acalmar porque fiquei muito nervosa”, recorda.
Homenagem à Marielle Franco
Outro grande momento profissional de Desirée foi no dia em que completou um ano do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol). Ela compartilhou nas redes sociais uma colagem com a foto da vereadora e uma flor crescendo a partir de seu rosto com a legenda “somos todos sementes”. A arte viralizou.
“Nós estamos em um momento político muito intenso, porém, o que mais me inspirou foi o sentimento de força que uma mulher pode trazer e impactar tantas pessoas”.
E os próximos passos? Ela não descarta novas ações nas ruas e parcerias. Brasília agradece.