Artesão Juão de Fibra transforma o capim do Cerrado em obra de arte
O artista carrega o artesanato com em seu DNA e, ao se mudar para o DF ainda criança, descobriu o potencial do capim colonião
atualizado
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“Eu, quando me vi artesão, já era artesão”. É com essa frase simples e ao mesmo tempo cheia de significados que João Gomes, mais conhecido como Juão de Fibra, tenta explicar sua relação com o ofício. Hoje, com 50 anos de idade, o cearense diz ter dedicado quase quatro décadas à técnica do trançado, ensinada pela mãe, também artesã autodidata. Ao chegar em Brasília, ainda criança, agregou o conhecimento à matéria-prima que projetou seu potente trabalho, inclusive de criação: o capim colonião.
“Já naquele tempo, a natureza me chamava atenção. Eu via o Cerrado como possibilidade, eu punha o olho em uma pedra e já enxergava uma tartaruga, via uma folha e imaginava uma flor”, lembra Juão.
Apesar de dominar técnicas que permitem o uso de várias fibras brasileiras como o capim dourado e a palmeira de buriti, foi na fibra de colonião, originária da África e abundante no Planalto Central, que ele se encontrou na profissão. Tornou-se mestre artesão, passou a ensinar comunidades a incrementarem sua renda com o artesanato e fez os produtos que saem do pequeno ateliê em Novo Gama (Go), no Entorno do DF, serem conhecidos no país todo. Uma trajetória que o faz ser muito grato às cidades que o acolheram.
“Minha carreira começou entre o Gama e Brasília, digo que sou filho dos dois lugares. Essa questão de estar na divisa fez com que eu me tornasse um estudioso do artesanato do DF e do Goiás”, diz Juão.
Entre as peças marcadas pelo design autêntico do artesão estão cestos, objetos de decoração e biojóias que contrapõem a rusticidade do capim com formas orgânicas e elegantes. Todos criados por ele e produzidos com ajuda da esposa, Jauzida, e do filho mais novo, Walisson.
“Não costumo desenhar no dia a dia, só quando alguém me demanda uma coleção. Geralmente, faço de cabeça. Quando eu toco na fibra é uma alquimia, como se já soubesse como vai ficar o produto final. Acredito muito em forças superiores, sabe? Deus, a natureza… pego na fibra e já sei se no que ela vai se tranformar — se em uma escultura, um cajado ou um colar”, conta Juão, destacando sua relação orgânica com o artesanato.
“Capim tem papel social”
Articulado, o mestre fez com que o seu trabalho se tornasse conhecido por apreciadores do artesanato em todo o Brasil. Além de participar de várias exposições e feiras, ganhou um livro sobre sua história, teve sua peças utilizadas em ambientações sofisticadas como o CASACOR e estampou revistas como a Casa Vogue.
Ele também figurou também entre os melhores artesãos do Brasil no catálogo elaborado pelo Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro e foi homenageado na maior feira de artesanato da América Latina, a Fenearte.
Porém, mais que se tornar famoso ou aumentar a renda da família, ele usa o espaço para defender a preservação do capim colonião e sua memória. “O capim é tem um impacto social e ambiental, além de gerar renda para a comunidade”, defende o artesão.
“E é um material que vem sendo destruído pela ação do fogo e pela negligência do poder público, que poda precocemente. Por isso, luto muito para que a importância do capim do cerrado e do meu trabalho, que é um patrimônio da cidade, seja preservado”, complementa.
Apesar do reconhecimento, Juão diz continuar enfrentando dificuldades financeiras, assim como grande parte dos brasileiros. A pandemia do novo coronavírus tem feito as vendas caírem. Ainda assim, ele acredita ter muito o que comemorar, uma vez que se livrou de estigmas típicos da atividade artesanal, muitas vezes não compreendida como uma profissão.
“Geralmente, o artesão vende o almoço para comprar a janta, essa é a realidade do país. Quando comecei, o cliente era quem dava o preço e não porque entendia de qualidade, mas porque ele queria dar cinco reais e eu precisava de cinco reais. Hoje, não”, explica.
Sonhos
Juão já viajou pelo país para mostrar seu trabalho, estampou revistas e recebeu homenagens. Alguns sonhos ainda não realizados motivam o artesão a permanecer firme e forte no ofício. Entre eles, o de conhecer a apresentadora Fátima Bernardes.
“Eu tinha o sonho de ir no Jô e acabou não acontecendo. Depois, me apaixonei por ela. Até já fui apresentado à ela pelo Túlio [Gadelha, namorado de Fátima], dei um presente e entreguei meu cartão. Estou sempre tentando falar com ela nas redes sociais. Um dia, quero ir no programa e falar sobre o capim colonião lá também”, revela.
Conteúdo e carisma para encantar a apresentadora e os telespectadores, ele tem de sobra. “Não tenho dinheiro, mas fui agraciado com a capacidade de gerar cultura e carrego o artesanato no meu DNA”, finaliza.