Transexuais lutam para serem reconhecidas como mulheres
Já ouviu falar em transfeminismo? Ainda se confunde com conceito de identidade de gênero? A gente te ajuda a entender
atualizado
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Diante do espelho, ela não se enxergava no que via. Daniela Nunes é transexual. Nasceu em corpo biologicamente masculino, mas nunca se identificou com esse gênero e luta para ser reconhecida como mulher.
Para ela, o simples fato de sobreviver é desafio no Brasil. O país é o que mais mata travestis e transexuais no mundo, segundo a ONG Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero.
“Meu maior sonho sempre foi me tornar definitivamente uma mulher. Hoje, uma das minhas batalhas é pelo direito de ser vista assim”, diz Daniela.
Desde os 5 anos, Daniela se sentia diferente dos meninos da sua idade. Ela não compartilhava com eles os mesmos interesses. Aos 12, deixou os cabelos e as unhas crescerem, em busca do estereótipo feminino imposto pela sociedade.
Quando completou 19 anos, iniciou o uso de hormônios e, com 21, conseguiu próteses mamárias e formalizou o nome civil. A estudante de serviço social é a primeira pessoa trans a frequentar a faculdade onde ela estuda.
“Eu sou uma mulher. Além da transfobia, sofro com machismo, assédio e risco de estupro. Eu carrego todos os estigmas do gênero feminino”, pontuou.
Há discussões, inclusive dentro dos vários setores do movimento feminista, sobre a participação de mulheres trans na luta pelos direitos das mulheres. Bianca Moura é coordenadora da Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Distrito Federal e Entorno (ANAV Trans DF). A ONG é uma filial da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Para ela, é preciso dar visibilidade também para as transexuais nos debates sobre direitos relacionados ao gênero feminino. “Tudo que uma mulher vivencia, como o preconceito, é triplicado para mulheres trans. O atual boom de transexualidade que o Brasil vive não é questão de revolta e, sim, da luta pelo direito de sermos quem somos”, diz.
Feminismo para todas
Mulheres transexuais podem encontrar barreiras para adentrarem no movimento feminista, que é diverso e tem várias vertentes. Maria Léo, uma das integrantes do coletivo Corpolítica – grupo de extensão da UnB que discute temas voltados a pessoas LGBT -, fala sobre o transfeminismo, que tem ganhando visibilidade ao longo dos anos.
“As mulheres trans têm uma estrutura corporal diferente e sofrem por serem percebidas enquanto ‘mulheres que têm um pênis’. São um corpo estranho na sociedade. Por isso não são vistas à luz do dia e a maioria está na prostituição”, diz. Para ela, é possível criar estratégias políticas de aliança entre as lutas de mulheres em geral.
Maria reforça que há uma pluralidade em ser mulher: “Mesmo que as demandas sejam distintas em algumas ocasiões, é preciso sermos escutadas pelas outras mulheres. Todas sofremos preconceitos, assédios e estupros, por exemplo”.
Identidade de gênero
Uma das vertentes do feminismo, a radical, conhecida como “radfem”, não acredita que o gênero se reduza ao corpo e às normas sociais impostas a ele. Por isso, rejeita a inclusão de mulheres trans em sua ideologia.
“Teoricamente, o feminismo radical tende a pensar numa sociedade que não seja binária, segundo o biológico. A sexualidade deve ser encarada como função do humano, não como algo que determina uma identidade”, explicou a professora da UnB Tania Navarro, doutora em história e estudos feministas e editora da revista feminista on-line Labrrys, études féministes/estudos feministas.
Ela explica que, para a vertente, o sexo é uma construção social que cria uma hierarquia. “As trans não se encaixam nesta perspectiva, já que almejam se integrar a um sistema binário rejeitado pelo feminismo radical. Querem ser ‘verdadeiros/as’ mulheres ou homens, quando na verdade essas categorias são definidas dentro dos parâmetros patriarcais”, completou.A feminista e seguidora da vertente radical Lívia Andrade considera que o gênero é a base de todo o mal da sociedade. “Somos incompreendidas e muitas vezes perseguidas porque não acreditamos em identidade de gênero. Mas isso não tem nada a ver com ser transfóbico”, explica.
Para ela, o movimento trans ativista reforça estereótipos. “A feminilidade das trans é baseada no que a sociedade impõe. Ser mulher é muito mais do que isso. Mas, não descarto a luta delas e reconheço que têm grandes preconceitos a serem enfrentados”, pontuou.