Transar sem vontade? Entenda situações que configuram violência sexual
Ao Metrópoles, mulher vítima de violência sexual do próprio namorado conta seu relato e alerta para vítimas silenciosas
atualizado
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“Todo mundo pensa que a violência sexual vem de alguém distante. Eu mesma tinha esse pensamento”, relata Débora*. No Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, nesta segunda-feira (10/10), o Metrópoles traz o relato de uma vítima e alerta para as agressões cotidianas as quais muitas são submetidas, algumas vezes sem perceber.
Assim como 79,6% das mulheres vítimas de violência sexual no Brasil, Débora* conhecia seu abusador: era o próprio namorado. Muitas mulheres não imaginam que, em muitos casos, o perigo está mais próximo do que se imagina.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 8 em cada 10 casos de violência sexual registrados no último ano tinham como autor do crime um conhecido da vítima — parente, colega ou até mesmo o parceiro íntimo. Somente em 2021, o levantamento mostrou um aumento de 4,2% de casos de estupro e estupro de vulnerável no país, em relação ao ano anterior.
Parceiro também abusa
“Precisamos falar da violência sexual quando ela vem de um companheiro”, salienta Débora*. Abusos cometidos por namorados, maridos ou companheiro amoroso deixam muitas mulheres quanto à situação em que estão imersas.
“Ainda que o casal esteja ficando ou namorando, que seja marido e mulher, se eles vão ter uma relação sexual e em determinado momento a mulher diz que não quer continuar e esse homem, mediante uma grave ameaça ou violência, continua com o ato, isso é configurado como estupro”, salienta a advogada Jessica Marques.
A situação também pode aparecer em outras circunstâncias. Em 2017, veio à tona o caso de um youtuber que contou em um vídeo, com outros três amigos, como havia estuprado a ex-namorada enquanto ela dormia. Esse é outra ocorrência comum para elas em uma relação amorosa.
“Se a mulher está desacordada mas por ventura ela acorda e permite a relação sexual não há crime. Se ela está desacordada e não consegue impedir que essa relação aconteça ou que ela não consiga se expressar se quer ter a relação, também está configurado o delito de estupro de vulnerável”, ressalta a profissional do Kolbe Advogados Associados.
A advogada, especialista em Direito Penal, ressalta ainda que a existência de uma relação amorosa não impune casos de estupro. “Se houver uma fraude ou impossibilidade da mulher/homem em manifestar a sua vontade, ou se houver algum ato de violência e ameaça para o acontecimento dessa relação sexual, em todos esses casos, pode haver a configuração do crime de estupro”, explica.
Veja o relato de Débora* na íntegra:
“Acho que todo mundo pensa que a violência sexual vem de alguém distante, eu mesma tinha esse pensamento.
Tudo aconteceu muito rápido, e eu custei a assimilar tudo aquilo. A violência veio do meu namorado na época, quando tudo aconteceu eu me senti culpada por não ter falado nada, ao mesmo tempo o sentimento de “não foi nada porque ele era meu namorado.
No início ele era uma pessoa fantástica e mostrava me amar demais. Confesso que cheguei a achar esse amor um pouco estranho, mas relevei porque ele nunca tinha feito nada comigo.
Ele queria casar logo sempre estava por perto, era como se fosse ele um segurança. A confusão na minha mente me fez, muitas vezes, ficar calada e não pedir ajuda. O medo e essa confusão na minha mente me trouxeram danos que só o tempo vai curar…
A gente precisa falar da violência sexual quando ela vem de um companheiro. Se não tem consentimento, ‘tá’ errado!
Quando eu tomei coragem para contar para alguém, simplesmente ouvi um: ‘Você só não estava no clima, não é culpa dele… Quem nunca transou sem vontade?’.
Depois disso nunca mais quis tocar no assunto, mas esse silêncio me causou danos. A ansiedade e o medo estavam comigo todos os dias. Eu comecei a criar bloqueios meu atual marido, tinha medo medo de andar na rua.
Foi então que eu me abri com ele [o marido] e mesmo com aquele medo de ser julgada mais uma vez, eu contei tudo. Mas ele me ouviu e rapidamente procurei ajuda médica.
Só depois de tudo eu percebi o que ele fazia, quando olhei para a situação de fora… Eu tinha vários presentes mas todos era depois de uma briga… Percebi que ele era abusivo, mas de uma maneira tão sútil que mal dava para perceber.
Às vezes, eu pensava que era melhor continuar vivendo aquilo por medo de sair do relacionamento.
Hoje consigo entender que a culpa não foi minha e que ele me violou. A gente tenta colocar na cabeça que aquilo ali foi algo normal, mas não foi.
Eu não estava “sem vontade”, foi algo totalmente contra a minha vontade. E a gente não pode ter vergonha de falar disso. Às vezes, se você não tiver ninguém para falar, procure um médico!
*Nome fictício a pedido da entrevistada