Tradição das benzedeiras é resgatada no Distrito Federal
A Escola de Benzedeiras funciona na Asa Norte para resolver casos de espinhela caída e olho gordo, entre outras dores do corpo e da alma
atualizado
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O cheiro de erva fresca toma conta do ar e anuncia a chegada da benzedeira. Maria Bezerra tem uma folha de arruda posicionada atrás da orelha direita. A planta mágica serve para espantar mau-olhado e purificar o ambiente.
Alecrim, erva cidreira e guiné (ou tipi) completam a seleção de raminhos verdes carregados por Maria num cesto. Tudo foi colhido no quintal da casa dela, na Asa Norte, e será usado no ritual de bênção, tradicional nos interiores do Brasil e resgatado nos centros urbanos, como Brasília, recentemente.
Espinhela caída (forte dor estomacal, nas costas e pernas, além de um cansaço anormal)? Olho gordo? Tristeza? Benze que melhora. Para asma e bronquite, há simpatias e rezas. Fora uma infinidade de chás que prometem acalmar os mais diversos males.
Maria faz parte de um movimento nacional que trouxe de volta a crença na cura por meio da bênção e viaja pelo país para resgatar esse costume. Visita vilarejos, pequenas cidades e bairros afastados, onde geralmente estão as mulheres que carregam essa sabedoria. “Minha avó, Vitória, era uma delas até virar evangélica. Tenho muitas memórias de infância dela benzendo as pessoas da cidade”, lembra Maria.
Em Brasília, Maria Bezerra criou a Escola de Benzedeiras, que funciona a cada 15 dias, às sextas-feiras, das 16h às 18h, no Centro de Saúde nº 13, na 115 Norte. O encontro mais recente foi em 28 de julho.
Por volta das 16h, o público começa a chegar. Qualquer um que queira se benzer ou aprender como se faz pode participar. Crianças e idosos, homens e mulheres, gente que mora perto ou veio de longe, todos agrupam-se formando um círculo debaixo de uma mangueira, no quintal do centro de saúde. Naquela tarde, eram cerca de 25 pessoas.
Benzer é resgatar a intuição, o poder interior. A voz que todo ser humano escuta, mas não raramente insiste em ignorar. “No passado as mulheres estavam muito mais conectadas com a natureza e por meio dela cuidavam e tratavam de doenças e moléstias que não encontravam resposta médica. Muitas foram chamadas de bruxas por essa sensibilidade e ‘escuta’ da natureza para tratar as pessoas”, lembra Maria.
No centro da roda, ervas milagrosas e cartas do “Oráculo do Pão”, com mensagens sobre união, humildade e gratidão. De pé, todos dão as mãos e cada um se apresenta: “Eu sou Ana, filha de Maria e neta de Joana”. É o “chamamento dos ancestrais”. Em seguida, Maria, que comanda o trabalho, lê os nomes de pessoas que pediram bênção a distância, pelo e-mail benzedeiras.brasilia@gmail.com. “É gente que não pode vir, mas mandou seu nome por e-mail para receber a oração”, explica.
É hora de começar a benzeção. Outras três mulheres ajudam Maria nessa função — homens, apesar de não serem vetados, costumam demonstrar menos interesse na atividade. A pessoa que recebe a prece fica com os braços rentes ao corpo e as mãos abertas.
A benzedeira pergunta os motivos que a levaram até ali. Escuta como resposta as razões mais diversas. Há quem queira se livrar de pensamentos ruins, outros sentem dores físicas e há aqueles que apenas desejam proteção. Estabelecidos os pedidos, a benzedeira pega um raminho verde e começa o ritual. Nas mãos dela, as folhas percorrem o corpo de quem pede proteção. Enquanto isso, evoca-se a Virgem Maria, o Espírito Santo e outros nomes sagrados.
“Muitas benzedeiras são católicas ou espíritas, mas a prática não segue ou se vincula a qualquer religião. Na verdade, elas se valem da religião para não serem associadas à charlatanice, pois muitos tentam desqualificar o ritual”, explica Maria.
Um abraço, às vezes demorado, sela o fim da sessão. Em seguida, a pessoa que pede proteção retira uma carta do círculo feito no chão e lê a mensagem que vai ao encontro do que se sente naquele momento.
O trabalho iniciado por Maria na Escola de Benzedeiras começa a render frutos. As rezadeiras multiplicam-se. A servidora pública Adélia Carvalho começou o aprendizado nessa área há seis meses. “O resgate do saber ancestral é muito interessante. Não se ensina o ritual, é uma troca de saberes. Mais importante que pedir é aprender a agradecer”, relata.
Uma vez uma amiga me disse: ‘Toda mãe pode ser uma benzedeira’. Isso pelo amor incondicional que ela carrega. É a porta para desejar e fazer o bem ao outro
Maria Bezerra
Sandra Torres, moradora da Asa Norte, amparava pelo braço a mãe, Antonia Carneiro, que caminhava com dificuldade. “A gente é mineira e acredita na proteção. Fiquei muito feliz e surpresa ao saber que tinha algo assim em Brasília”, diz Sandra.
Sabrina Negri diz já ter sido curada por benzedeiras mais de uma vez, na infância. Foram as lembranças de quando era criança, o encanto diante de mulheres com poder de cura, que a levaram ao Centro de Saúde 13 naquele dia. “Tenho uma identificação muito grande com essa parte da cultura popular, por isso trouxe minhas filhas para elas conhecerem”, afirma.
Antes de ir embora, há um momento para agradecer. Por um minuto, de mãos dadas, todos escutam o barulho do vento. Maria traz para o centro da roda a água que estava o tempo todo numa moringa. Estranhos dividem o mesmo copo, que passa de mão em mão. Um gole por boca. Em terra de benzedeira, vírus e bactéria não têm vez.