Síndrome do impostor: condição assombra 70% dos profissionais
Saiba como identificar e tratar o problema que gera insegurança e autossabotagem no ambiente de trabalho
atualizado
Compartilhar notícia
Preces antes de dormir, oferendas para Iemanjá, obra do acaso ou simplesmente sorte. Há pessoas que creditem suas conquistas profissionais a tudo, menos ao próprio mérito. Misturada com sentimentos de medo e práticas de autossabotagem, essa sensação de que os resultados atingidos são desproporcionais ao trabalho realizado é tão comum no ambiente corporativo que ganhou um nome: síndrome do impostor.
Segundo a psicóloga Gail Matthews, da Universidade Dominicana da Califórnia, nos Estados Unidos, a condição está ligada à alta competitividade do mercado e atinge 70% dos profissionais. Entre eles, personalidades aclamadas pelo bom desempenho no ofício, como Kate Winslet. “Eu acordava de manhã, antes de ir para uma gravação, e pensava: ‘não posso fazer isso. Eu sou uma fraude’”, contou a vencedora do Oscar de Melhor Atriz à revista Interview.
Assim como a artista, indivíduos que são assombrados pela síndrome não se sentem à altura do cargo que ocupam, mesmo que recebam feedbacks positivos.
“Nesse caso, a reação deles nada tem a ver com modéstia. Está relacionada à uma dolorosa sensação de não pertencimento, a uma autopercepção distorcida da realidade”, explica a especialista em avaliação psicológica e neuropsicológica do Hospital das Clínicas Elaine Di Sarno.
De acordo com a estudiosa, o quadro costuma ter origem na infância. “Pais que alternam críticas e elogios com muita fluidez podem gerar insegurança nos filhos e aumentar o risco de pensamentos fraudulentos no futuro. Pressões sociais, crenças limitantes e competição exacerbada na escola também são capazes de aflorar o fenômeno”, adiciona.
Os sintomas, no entanto, surgem anos mais tarde, em momentos cruciais da carreira. As almejadas promoções, por exemplo, podem se tornar verdadeiros tormentos. “A pessoa pensa que a conquista é boa demais para ser verdade. Para comprovar o ponto de vista, pratica ações de autossabotagem, como postergar tarefas e descumprir compromisso de trabalho”, afirma o psiquiatra Fábio Aurélio Leite.
Além de afetar o rendimento no emprego, a condição pode provocar sintomas físicos, como insônia, ansiedade, dores gastrointestinais e depressão. “O primeiro passo para tratar a desordem é externalizar o problema e, claro, procurar ajuda profissional”, frisa o médico.
O estudante de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB) João Vitor Martins, de 22 anos, mal entrou para mercado de trabalho e já sofre em demasia com as pressões do meio. “Fui efetivado na empresa em que estagiava antes mesmo de me graduar. Ao invés de celebrar, questionei e invalidei a minha conquista”, desabafa.
O rapaz revela que o sentimento de viver uma farsa terminou em isolamento. “Vivi meses de muitos conflitos internos. Acreditava não ser merecedor do cargo e, por isso, me isolei para evitar exposição e possíveis julgamentos. O comportamento chamou atenção de amigos e familiares, que me incentivaram a buscar ajuda”, relembra. Hoje, após sessões de terapia e o conhecimento da síndrome, ele diz ter aprendido a se apropriar das conquistas.
Apesar de afetar homens, a condição é mais incidente em mulheres. A doutoranda em política social e mestra em história pela UnB Marjorie Chaves encara o fato como decorrência do machismo.
“Por séculos, as mulheres foram privadas de direitos básicos e restringidas ao afazeres domésticos. Não à toa, muitas delas ainda se sentem deslocadas no ambiente de trabalho, majoritariamente dominado por homens.”
Marjorie Chaves
É o caso da analista de marketing digital (e escritora nas horas vagas) Marcella Fernanda Salles, 27 anos. “Nós, mulheres, precisamos, além de tudo, lidar com o machismo no trabalho. A sociedade é patriarcal e o mercado nos engole. Temos que provar que somos boas em dobro. A nossa pressão e insegurança é bem maior do que dos colegas do sexo masculino”, exclama.
A jovem diz que chegou a perder oportunidades promissoras por não acreditar no próprio potencial. “Aliviei essa terrível sensação de incapacidade com terapia e o hobby da escrita, meu maior e mais intenso processo de autoconhecimento e cura”, compartilha.
Marcella chegou a escrever um texto inspirador sobre a síndrome nas redes sociais e recebeu dezenas de elogios. “Gratidão por esse texto”, comentou uma seguidora. “É isso! Precisamos muito falar sobre o tema”, destacou outra.
Na vida pessoal
O psiquiatra Fábio Aurélio Leite revela que a síndrome do impostor está presente em áreas que não apenas a profissional.
“O quadro tem a ver com competitividade, ou seja, pode afetar os estudos e até mesmo as relações afetivas“, destaca.
“Há quem sinta medo de ser ‘desmascarado’ pelo namorado, por exemplo. O indivíduo acredita que, a qualquer momento, o parceiro descobrirá que ele não é tudo isso e terminará o relacionamento. O indicado, nesse caso, é agendar consultas médicas preferencialmente na companhia do parceiro”, finaliza.