Professor com doença rara busca apoio para pedalar até Belém
Sandro Rodrigues de Oliveira vai pedalar 2.236 quilômetros e passará por 21 cidades para chegar ao destino final. A viagem começa neste sábado (2/7) e ele procura pessoas que possam ajudá-lo durante o percurso com estadia, alimentação ou dinheiro
atualizado
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“A vida é do jeito que você quiser que seja. É possível alcançar tudo que se almeja, porque é você que direciona para onde o leme da vida vai te levar. Quem está no comando do meu leme sou eu.”
A frase sai da boca de um homem de 45 anos, aparentemente saudável e apaixonado pela vida. Depois de descobrir que tem uma doença rara, Sandro Rodrigues de Oliveira mudou radicalmente sua rotina e encontrou no ciclismo uma forma de sentir-se mais saudável e feliz.Passou a enxergar nos desafios oportunidades de se superar. A partir deste sábado (2/7) ele partirá rumo à sua maior conquista. Vai pedalar 2.236 quilômetros e passará por 21 cidades, de Goiânia a Belém. Ele procura pessoas que possam ajudá-lo durante o percurso com hospedagem, alimentação ou dinheiro.
Essa história, porém, começou muito antes do dia previsto para a viagem, em 2005, quando Sandro era executivo da multinacional Mapfre Seguros e trabalhava como professor universitário do curso de administração, em Goiânia. A rotina era puxada, mas ainda encontrava tempo para jogar futebol e dar aulas na igreja que frequenta.
O único fator capaz de frear tanta proatividade era sua saúde. “Eu ficava muito doente, gripado, não sabia o que era ser saudável. Se de manhã eu acordava resfriado, à noite já era uma pneumonia. Estava quase morrendo, quando os diretores da empresa em que eu trabalhava fretaram um avião e me levaram para São Paulo, onde me consultei com o maior imunologista da América Latina, Dr. Dewton de Moraes Vasconcelos”, relembra.
O diagnóstico foi certeiro e o pegou desprevenido ao ouvir um termo até então desconhecido: Imunodeficiência Comum Variável – uma doença rara que afeta igualmente homens e mulheres de qualquer idade, mas que geralmente se manifesta até os 30 anos. É tão incomum que em todo o estado de Goiás só existem oito pessoas diagnosticadas.
A síndrome faz com que o organismo produza concentrações muito baixas de anticorpos, deixando o doente desprotegido. Existem poucos profissionais capacitados para lidar com a doença no Brasil. O equipamento que faz o diagnóstico está disponível apenas em duas capitais do país, Belo Horizonte e São Paulo.
Não sabem a causa da minha doença ainda. Na minha família ninguém tem. Com a falta do diagnóstico, muitas pessoas morrem sem saber que tiveram a síndrome. Eu estava sempre tomando antibiótico e, quando fizeram a análise, viram que eu já havia contraído mais de 50 pneumonias.
Sandro Rodrigues de Oliveira
Os problemas não acabaram com a descoberta da doença, muito pelo contrário, estavam apenas começando. O tratamento indicado é chamado de “terapia de imunoglobulina” e consiste em “substituir” esses anticorpos no corpo do paciente. Infelizmente não é uma cura, mas é preciso fazê-lo regularmente, pelo resto da vida, para fortalecer o sistema imunológico.
“Todos os meses, preciso tomar imunoglobulina humana. Hoje em dia, esse medicamento custa R$ 20 mil a dose única de 700 ml. No começo, precisava ir para São Paulo receber o tratamento e a Mapfre arcava com os custos. Precisei entrar com uma ação no Ministério Público para o governo pagar pelo tratamento. As pessoas precisam correr atrás dos seus direitos”, conta Sandro.
Até a questão política mundial já interferiu na disponibilidade da imunoglobulina. O medicamento era fornecido apenas pela Áustria e a Suécia. Quando os Estados Unidos entraram em guerra com o Iraque, o presidente americano à época, George Bush, autorizou a compra de todo o estoque disponível no Brasil para aplicar nos soldados americanos (tentando aumentar a imunidade dos alistados, evitando que ficassem doentes).
Isso fez com que a medicação ficasse em falta por seis meses no país, o que quase custou a vida do executivo. A situação foi resolvida quando o então ministro da Saúde, José Serra, quebrou a patente austríaca e começou a fabricar o tratamento em pequena escala no Brasil. Atualmente, outros países também produzem imunoglobulina.
Dando a volta por cima
Todos os meses, quando precisa tomar a medicação, Sandro fica internado de seis a oito horas no hospital, acompanhado por uma enfermeira, para monitorar os batimentos cardíacos. Como o remédio é muito forte, ele já teve três inícios de infarto.
O professor conhece quase todas as pessoas de Goiás que têm a mesma doença, mas elas levam uma vida sedentária. “O médico diz para a gente viver o mais quieto possível, o único que é ativo sou eu. Não escutei a orientação médica. Superei todas as expectativas e acredito muito que isso aconteceu graças à minha capacidade mental de eliminar os problemas. Os doutores dizem que é Deus mesmo”, conta.
Os médicos chegaram a estimar que ele viveria até, no máximo, 2015, mas antes disso estaria impedido de levar uma vida saudável e praticar esportes. Depois do diagnóstico, resolveu que aproveitaria a vida. Mudou a alimentação, a forma de pensar e pediu demissão da multinacional para se dedicar à carreira de professor. Está fazendo mestrado em administração internacional e aos finais de semana dá aula de escola bíblica na Igreja Batista Papillon.
Começou a praticar rafting e trekking. Um dia fazendo trekking, caiu do bote, arrebentou o joelho e precisou fazer cirurgia. Preocupado com o tempo que levaria para voltar aos esportes, perguntou para o médico o que deveria fazer para acelerar a recuperação e ouviu que a melhor fisioterapia era o ciclismo.
“Peguei tanto gosto pelo ciclismo! Pedalar virou uma paixão e ganhou destaque entre os esportes que eu praticava. E desde 2010 estou planejando viajar de Goiânia a Belém de bicicleta”, diz.
A primeira etapa do “Projeto de Norte a Sul com o professor Sandro Rodrigues” começa no sábado (2/7) e, quando concluído, terá rodado todo o Brasil. O professor não tem nada fechado, não sabe onde vai dormir nem o que comerá. Ele já tem o roteiro das cidades (confira na galeria abaixo) pelas quais passará, mas não tem os dias exatos, pois pode ficar cansado ou um pneu furar e atrasar os planos.
Levará um alforje (bolsinha de bike) com barraca, suplementação, três mudas de roupas, ferramentas para a bicicleta, máquina fotográfica, celular e colchão EVA. O plano é concluir o trajeto em 25 dias.
Sem a verba necessária para fechar hotéis, ele conta com o apoio de desconhecidos. Já conseguiu com um apoiador a passagem de avião para voltar.
“Alguns amigos do meu grupo de pedal, Seriema Pedal, também queriam ir. Mas tempo, dinheiro, são sempre empecilhos e são pra mim, também. Aproveitei que a faculdade em que leciono está de férias para poder realizar esse sonho e enfrentar essa”, diz.
Casado há 17 anos e pai de duas filhas, Júlia, 13 anos, e Cecília, 8, Sandro tem todo o apoio da família para prosseguir com o projeto. A mulher, Marluz, é uma das suas maiores incentivadoras. Eles se conhecem desde os oito anos, começaram a namorar com 14 e, entre idas e vindas, ficaram juntos para valer com 22. Ela sabe que o esporte faz bem para a saúde do marido.
“O amor pelo esporte funciona como endorfina. Sou motivado a desafios, quanto mais difícil, melhor pra mim. Li uma vez a frase do atleta Lance Armstrong, que diz: ‘O sofrimento é passageiro, mas a desistência é para sempre’. Então, eu não desisto nunca.”
A viagem pode ser acompanhada pelo Facebook do Sandro e os interessados em ajudar de qualquer forma podem entrar em contato com ele pelo telefone (62) 98115-5142.