Por que a Geração Z prioriza as relações físicas em vez das afetivas?
Imediatismo, autocentralidade, foco no trabalho e “trauma” fazem com que as pessoas invistam mais em sexo do que em amor
atualizado
Compartilhar notícia
A expressão fast sex, slow love (rápido para transar, devagar para amar, em tradução livre) tem ganhado destaque no universo dos relacionamentos. O conceito se refere a um comportamento da Geração Z de se dedicar mais às relações físicas (sexo) do que às afetivas (namoro ou casamento). Isso mostra que as pessoas estão se dedicando mais a uma fase pré-compromisso e demorando para se envolver em relação séria.
O psicólogo Vitor Barros afirma que a visão de que a relação física é mais importante do que a intimidade afetiva é muito característica do momento que a sociedade vive. “Estamos em um período de imediatismo e constante busca por respostas mais rápidas. Temos visto a descoberta de uma sexualidade mais aflorada e as redes sociais facilitam muito isso, ajudando na exposição do corpo sem filtros moralistas. Além disso, estamos nos tornando uma sociedade cada vez mais individualizada”, explica.
De acordo com o especialista, estudos mostram que a principal mudança das antigas gerações para a atual engloba o conhecimento mais acessível e o empoderamento de correr atrás dos próprios sonhos. “Desde pequenos, somos incentivados a buscar os próprios interesses e levamos isso para dentro das relações amorosas. Também carregamos um grande aprendizado das frustrações amorosas da geração anterior, com alto índice de divórcios”, exemplifica.
E apostar no fast sex, slow love não necessariamente se traduz em sexo abundante e maravilhoso. Vitor esclarece que muitas vezes é possível, principalmente para as mulheres, ter uma vida sexual ativa sem sentir prazer. “O ato sexual em si tem sido visto por muitos como uma forma de liberar endorfina. Mas travas emocionais podem interferir diretamente e criar dificuldades no sexo. Nem sempre estamos manifestando nossa forma de amar quando estamos pelados”, afirma.
Ele acrescenta que do ponto de vista da comunidade psicológica é perceptível a existência de uma frustração muito grande em se relacionar com outras pessoas, de forma geral, porque elas não estão conseguindo se conectar. “Por isso, buscam uma compensação de outra forma. E isso não depende de orientação sexual”, ressalta.
Comparações nas redes sociais
O psicólogo percebe que as novas tecnologias contribuíram de forma prejudicial para que os fatores acima se desenvolvessem. “Chegamos em um ponto em que as pessoas espelham seus relacionamentos nas fotos que os outros postam, que geralmente retratam apenas os momentos felizes, e acham que precisam ser assim também”, analisa.
Vitor também identifica que as redes sociais criaram uma “preguiça social” para a aproximação. “Por que eu vou até um barzinho ou festa ler os sinais das pessoas para saber se elas têm interesse, se eu tenho um aplicativo que eu só clico, começo a conversar e combino de transar?”, ilustra o pensamento atual.
Psicóloga especialista em sexualidade, Aline Moraes percebe que a tecnologia pode favorecer relações, mas também distanciar. “Ali, as pessoas podem se esconder e criar personagens. Mas é um meio fácil de contato com o mundo e, geralmente, as pessoas querem aceitação de todos, o que facilita mostrar apenas alguns recortes da vida”, aponta.
A sexóloga Luísa Miranda aponta que a tecnologia trouxe novas possibilidades de interações, com vantagens e desvantagens. “Os sites e apps de relacionamentos estão lotados de esperançosos em busca de um possível romance, porém, o sexo tem sido aquele pontapé inicial. Após esse primeiro passo, as outras possibilidades se tornam mais viáveis, como a ‘amizade com benefícios’, uma das consequências desse novo modelo de relacionamento”, explica.
Contrário daquele modelo romântico, esse comportamento tem como objetivo poupar tempo e energia com frustrações amorosas, afirma. “Quando não estamos tão envolvidos afetivamente conseguimos avaliar a situação com mais racionalidade. Além disso, as autodescobertas, facilitadas pela internet, trazem novas possibilidades em relação às práticas sexuais, o que afeta diretamente a nossa relação com nós mesmos e com os outros”, esclarece.
Luísa pondera que a qualidade sexual é para muitas pessoas o termômetro de um bom relacionamento. “Justamente porque no sexo somos uma versão de nós mesmo que não somos em nenhum outro contexto. Se aquela versão do outro soa interessante é o sinal de que outras coisas podem ser exploradas e conversadas. Caso não, vida que segue”.
Amar é um risco
O grande medo das pessoas quando o assunto é relacionamentos é se dedicar e não ser valorizado, segundo o psicólogo Vitor Barros . “Esse processo leva embora algo de quem se expõe. Mas estar em um relacionamento é um investimento e nesse contexto há sempre o risco de perda. Precisamos aprender a investir no se relacionar e isso envolve um autoconhecimento”, indica.
Aline Moraes acredita que o afastamento afetivo é uma forma de autoproteção. “As pessoas estão tendo mais cuidado consigo mesmas, porém, o medo de amar não pode se tornar tão grande a ponto de as pessoas se fecharem para isso, pois também pode ser prejudicial. Tudo o que é em excesso não é tão saudável assim”, opina.
A psicanalista Cristiane Maluf Martin percebe que as pessoas não quererem assumir vínculos e preferem o sexo rápido pelo prazer imediato. “Dá menos trabalho em relação ao ato da conquista, mas essa inversão de atitudes pode trazer sequelas graves para todas as pessoas envolvidas. Mesmo obtendo um prazer imediato, a sensação de vazio após o ato consumado pode gerar muitas vezes até um estresse pós-traumático, entre outras doenças emocionais. Esse tipo de relacionamento que é só o prazer pelo prazer gera desgaste e frustração”, aponta.
Aline complementa que pessoas com medo de se relacionar podem ter alguma ferida que precisa ser cicatrizada. “Você pode escolher não amar para não se machucar, mas também não tem a chance de amar e ser amado, viver a experiência do amor”, completa. Já Vitor recomenda que cada um analise o que lhe foi ensinado sobre o ato de amar, para depois discutir relacionamentos. “A sociedade desaprendeu a amar e ser amada”, conclui.