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Pela paz, fé e Allah: conheça as brasilienses praticantes do Islã

A religião, que cresce em adeptos, ainda é vítima de preconceito e discriminação. Contamos a rotina dos fiéis na Mesquita de Taguatinga

atualizado

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Igo Estrela/Especial para o Metrópoles
Quem são as jovens muçulmanas de Brasília?
1 de 1 Quem são as jovens muçulmanas de Brasília? - Foto: Igo Estrela/Especial para o Metrópoles

O Islã não é uma religião completamente entendida (e aceita) pelos brasileiros. Acostumada com os preceitos do cristianismo, que é maioria absoluta no país, nossa população ainda estranha ou acha curioso quando uma mulher coberta da cabeça aos pés passa na rua.

Entende-se tão pouco, que quase ninguém conhece o Ramadan, um mês essencial para os muçulmanos, encerrado nessa última quinta-feira (14/6). Durante o período, ninguém come, bebe, fuma ou faz sexo enquanto o sol estiver no céu. À noite, tudo volta ao normal. É uma época de renovação da fé, em meio à disciplina e generosidade, e de atenção extra aos pilares da religião.

Enquanto muita gente ainda relaciona preconceituosamente o Islã ao terrorismo, a religião vem crescendo no Brasil. Além do número de refugiados muçulmanos ter aumentado, há muitos brasileiros se convertendo à doutrina. Segundo dados do Censo 2010 do IBGE, são 35 mil muçulmanos em terras brasileiras. De acordo com a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), o número passa de um milhão de fiéis.

No Distrito Federal, atualmente, existem duas mesquitas. A Alwalidein, localizada em Taguatinga, e a do Centro Islâmico de Brasília, na 912 Norte.

Entre os novos convertidos, estão muitas mulheres. Por ser uma religião patriarcal, há muito preconceito sobre a situação delas, mas o Islã é uma escolha. Os fiéis explicam, inclusive, que não há um esforço de converter as pessoas. Segundo a filosofia, Deus escolhe o momento e “reverte” o fiel em muçulmano.

As brasileiras do Islã
A professora Sílvia Faria, 44 anos, é uma dessas mulheres. Interessada pela causa palestina, ela se envolveu em grupos de discussão na Internet e conheceu o marido, um egípcio 10 anos mais novo. Os dois conversaram on-line por quatro anos até se casarem. Três anos depois, a docente se converteu ao Islã. Atualmente, frequenta o templo de Taguatinga.

Depois do 11 de setembro, apesar da situação, tive curiosidade de saber mais sobre essa religião. É uma crença que fala sempre de paz, de caridade, bom comportamento, bondade

Sílvia Faria, professora

Há uma confusão recorrente sobre o Islã ser também uma cultura e, por isso, de implementação complicada em terras brasileiras. Além da proibição da carne de porco – ela sente falta de bistecas – e do álcool, Sílvia conta que pouca coisa mudou em sua vida. A convivência com o marido muçulmano facilitou a transição: “Começa com a alimentação, depois questões de vestimenta, de convivência. Não senti uma diferença muito grande”.

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Sílvia Faria: professora se converteu ao Islã após o 11 de setembro

 

Um dos maiores desafios é o uso do véu. “As pessoas olham como se nós fôssemos oprimidas pela peça ou que utilizamos por obrigação do marido ou do pai. Mas não, é só um pedaço de pano. Trata-se de uma doutrina religiosa e uma noção de identidade. Segundo o profeta, as mulheres deviam se cobrir para todos saberem de seu pertencimento à nação muçulmana. Além disso, há uma questão de modéstia. Nossa Senhora, por exemplo, está sempre com os cabelos cobertos, essa era a vestimenta”, explica.

Sílvia já sofreu preconceito na rua: alguém a mandou voltar para o país dela. Como professora, prefere não usar o véu para trabalhar. Ela diz que Islã é facilidade, não dificuldade, e se a peça atrapalha no serviço (até porque muitas mulheres perdem emprego por conta do costume), existe a opção de deixar de usá-la.

Para a professora, o Islã pode ser visto como uma religião feminista. Sílvia conta que a mártir pioneira era uma mulher, a primeira esposa de Maomé. Quinze anos mais velha, tomou a iniciativa de pedir o profeta em casamento (ela se converteu à religião e, no início, a patrocinou). “Uma das principais escolas de estudo da época foi financiada por uma mulher muçulmana. Nós temos um papel importante no desenvolvimento dessa prática espiritual”, explica.

Enquanto muitas das mulheres muçulmanas brasileiras são casadas com estrangeiros, outras encontraram a religião por conta própria. É o caso da chefe de confeitaria Sarah Amina, 40. De família católica, quando menina ela só queria mesmo era saber de samba.

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Apaixonada pela dança, foi ao Rio de Janeiro aprender mais sobre o ritmo. Atuou como passista de carnaval por alguns anos. Casou-se. Divorciou. Passou a frequentar uma igreja evangélica, mas sempre teve dificuldade com a parte “em nome do senhor Jesus” no final das orações. “Aquilo ficava na minha cabeça. Por que eu não poderia falar direto com Deus?”, questionava.

Por intermédio de amigas paquistanesas, Sarah conheceu o Islã. Ficou curiosa, buscou saber mais e, há três anos, aceitou a nova religião.

Queria usar o véu de toda maneira. Trabalhava com comércio e fiquei preocupada com a reação das pessoas, até que minha filha disse: se quer usar, use. Ela foi a primeira a me dar apoio. Não deixo de portá-lo em lugar nenhum. Meus patrões, quando me contratam, precisam aceitar minha opção religiosa, minha identidade de muçulmana

Sarah Amina, 40 anos

O impacto do uso diário do véu foi tão grande, que Sarah está trocando as fotos de todos os seus documentos por imagens na qual aparece com o manto. “Estou feliz”, exalta. Essa felicidade atingiu a filha de Sarah. Gabrielle, 13, converteu-se – é preciso dizer algumas palavras para aceitar a religião e ela o fez há poucas semanas.

Na escola, Gabrielle usa um lenço sobre os cabelos e uma bata para tampar os braços. “As pessoas me respeitam, me elogiam. Muitas se assustaram quando comecei a usar o véu, mas expliquei e eles me entenderam. Alguns, infelizmente, ainda jogam piadinhas, me chamam de terrorista”, lamenta.

Porém, essas dificuldades não interferem em sua decisão. A cada dia tem mais certeza de ter feito a decisão correta e já internalizou: o importante não é a opinião dos outros, e sim ter a própria consciência limpa. “Amo a minha religião, sou feliz por poder ser muçulmana”, completa.

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Gabrielle, 13 anos, converteu-se recentemente ao Islã

 

Por dentro da mesquita
Do lado de fora, a Mesquita de Taguatinga não parece o que nós, ocidentais, pensamos de um templo muçulmano. É uma casa normal na QNE 32, com um detalhe diferente: uma escultura de lua brilha acima da fachada e palavras escritas em árabe adornam a parte da frente da construção.

Ao entrar, há várias estantes para depositar os calçados e algumas torneiras com banquinhos destinadas à higiene dos fiéis: a prática da oração demanda estar bem limpo e cheiroso. Fui avisada com antecedência de que precisava me vestir com roupas compridas (nada de calça jeans ou roupas que marquem o corpo) e usar um lenço sobre os cabelos.

Aí as coisas se dividem. Em frente, está uma grande sala com altar. À esquerda, uma escada que leva ao mezanino, à área das mulheres. Lá, os homens não podem entrar, é um território exclusivo. Elas explicam: a reza muçulmana envolve movimentos com os joelhos e testa no chão, posição que deixa o bumbum para cima.

Esse é um dos motivos pelos quais os homens não são permitidos, para não constranger ninguém. No local reservado, as mulheres também ficam mais confortáveis: conversam e cuidam das crianças, que podem entrar nos dois ambientes sem problema.

Chegamos à Mesquita na hora da quebra do Ramadã, às 18h. Muitos fiéis se juntam para comer. Na área reservada às mulheres, as moças traziam um prato grande de salada, arroz com carne cozida e legumes em marmitas. Mais à vontade, algumas delas tiram o véu que cobre os cabelos.

Todas as mulheres que entram cumprimentam umas às outras com a expressão em árabe “Salaam Aleikum” (Que a paz esteja convosco, em português). Muitas delas são estrangeiras, algumas refugiadas. Uma das mais simpáticas, vestida com a burca preta, retira o pano do rosto e me cumprimenta. Chama-se Sofia e veio da África do Sul. Está aprendendo português agora e carrega junto três crianças: uma adolescente, vestida como ela, uma pequenininha com dois anos, e outro, um pouquinho mais velho.

As crianças correm para todos os lados, sobem e descem a escada, até que uma cai e machuca a boca. Gabrielle sobe com a pequena nos braços e a entrega à mãe. Ela chora muito e, em seguida, é levada para o banheiro para limpar todo o sangue. Quase todas as mulheres vão atrás a fim de ajudar e dar algum conforto à menina. Em outro canto, estão as adolescentes, que tiram selfies juntas.

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Na ligação, o seguidor do Islã adora a Deus e cria uma conexão com Ele
Já na súplica, encaixam-se os pedidos
As mesquitas contam com vários exemplares do Alcorão, que é sempre em árabe, com um significado em cada língua
São muitas as crianças que participam das orações com as famílias
Na entrada da mesquita, é preciso fazer uma limpeza antes de se conectar com Deus
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O que os muçulmanos fazem é chamado comumente de oração, mas, na verdade, a tradução do árabe divide a reza em súplica e ligação

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Na ligação, o seguidor do Islã adora a Deus e cria uma conexão com Ele

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Já na súplica, encaixam-se os pedidos

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As mesquitas contam com vários exemplares do Alcorão, que é sempre em árabe, com um significado em cada língua

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São muitas as crianças que participam das orações com as famílias

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Na entrada da mesquita, é preciso fazer uma limpeza antes de se conectar com Deus

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Sarah e Gabrielle moram em frente à mesquita

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A religião
Fundamentada em Allah (palavra árabe para “Deus”) e no profeta Maomé, a fé islâmica segue o Alcorão (livro sagrado) e nasceu no Oriente Médio. Para os muçulmanos, como são conhecidos os seguidores do Islã, Maomé teria sido o último profeta de Deus, mas não o único deles – Moisés, Abraão e Jesus Cristo também são reconhecidos.

A maioria dos adeptos está no Sul da Ásia. A Indonésia é o país com maior quantidade de muçulmanos no mundo, sendo o lar de 14% dos seguidores da doutrina. O Islã é uma das religiões que mais crescem no planeta – 23% da população mundial é muçulmana. No Brasil, grande parte dos seguidores vive no Paraná e no Rio Grande do Sul.

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