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Palavras também ferem. Leitora relata 15 anos em uma relação abusiva

Shirley Pascoal viveu um relacionamento emocionalmente violento com o namorado e relata como percebeu que não era amor.

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Um relacionamento violento não precisa, necessariamente, deixar marcas visíveis. Muitas agressões são silenciosas. Disfarçam-se de preocupação ou de ciúmes. Um simples “vai sair com essa roupa?” já seria o suficiente para acender um alerta vermelho.

Por vários motivos, não é tão fácil quanto parece perceber quando se está em uma relação tóxica — ou se livrar dela. A leitora Shirley Pascoal compartilha sua experiência de vida. Ela demorou 15 anos para entender que estava em relacionamento abusivo e quer ajudar outras mulheres com o seu relato.

“Meu nome é Shirley Pascoal e vivi um relacionamento equivocado com meu primeiro namorado que, para preservar seu nome, será chamado aqui de V. Oliveira. Não, eu não fui abusada de uma forma expressiva e visível. A forma de abuso a que me refiro era muito mais sutil, mas que despertou em mim um complexo de inferioridade muito perigoso que me levou a ter uma dependência emocional durante quase 15 anos.

Nos conhecemos aos 14 anos. Obviamente eu não tinha muita cabeça, mas quem pode dizer que tem algum juízo na pré-adolescência? De qualquer forma, ele não era o menino que eu pensava em namorar, aliás, para ser bem sincera, tudo que eu menos queria nessa época era namorar. Paqueras no colégio e eventuais beijos na boca faziam muito mais a minha cabeça de adolescente que estava se descobrindo de uma forma puramente infantil e inocente.

Mesmo ele sendo um desses meninos que eu costumava ficar, ele dizia que o que sentia por mim era muito mais forte. Resolvi tentar e começamos a namorar, mas eu não tinha maturidade para embarcar em um relacionamento. Acabei traindo-o, eventualmente, e ao descobrir ele veio à minha casa para conversar comigo, dizendo que gostava muito de mim e que eu, na realidade, gostava muito dele.

Ele me perdoou e disse para nós esquecermos. Passamos os três primeiros anos muito felizes juntos e nos descobrindo. Nossa primeira vez foi muito especial, mas, com o tempo, algo foi parecendo fora de encaixe. A forma como transávamos não parecia ser algo correto. Não me sentia amada, não me sentia bem, me sentia usada e muito insatisfeita. Eu sabia que algo estava errado, mas não sabia dizer o que era, afinal, eu imaginava “e se fosse apenas uma interpretação minha?”. Ele parecia muito satisfeito no final, então, eu acreditava que era algo bom. Mas não era.

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Comecei a comprar itens para apimentar a relação com ele. Cinta liga, strip-tease, óleos aromáticos e coisas do tipo não pareciam funcionar e a relação continuava seguindo seu rumo desse jeito meio irregular. Aceitei. Passados alguns anos, ele começou a ficar cada vez mais grosseiro e indiferente. As vezes brincava com alguma amiga e ele logo chamava a minha atenção dizendo: “nem parece que é moça de família” ou “é assim que você espera que eu me case com você?”. Pequenas frases que me doíam profundamente e aumentavam as minhas inseguranças.

Mas, no meio disso tudo, o que mais me surpreendia eram os altos e baixos. Ele me enchia de presentes, me levava ao cinema e dizia que me amava muito, no entanto, depois de alguns minutos, eram outras declarações dolorosas à minha dignidade. Eu chorava constantemente e ele apenas falava: “Por que você chora tanto? Você só sabe chorar?”. Ele não entendia que dentro de mim tinha uma ferida aberta sobre a qual eu não tinha coragem de falar ou de me expressar por medo de ser cesurada.

Quando completamos 13 anos de namoro, ele ainda discutia comigo sobre as traições que ocorreram quando começamos a namorar (lembrando que o episódio aconteceu quando éramos adolescentes), dizendo que eu não tinha “vergonha na cara” e era “a mesma vulgarzinha infiel que ele conheceu”. Foi o fim para mim. Arranjei um emprego e comecei a me dedicar ao trabalho, enquanto ele usava o tempo livre jogando vídeo game com os amigos. Chegou ao ponto do Counter Strike ser mais importante do que nossos momentos juntos e eu senti dentro de mim que a relação já estava fracassada.

As minhas esperanças se desfizeram ainda mais. Mesmo apegada à ideia de um possível casamento, passei a imaginar como seria a minha vida com uma pessoa que me deixava insegura, complexada e infeliz. Eu nem tinha ficado noiva e já imaginava se poderia viver em função de um casamento que tinha mais chances de me fazer infeliz do que de me trazer satisfação.

Parei para pensar e a resposta foi não. Refleti que nós, mulheres, somos levadas a pensar que nossa maior profissão no mundo é nos casar, quando na realidade o universo nos convida a viver coisas mais excitantes. Eu ainda quero me casar, mas não sou definida por esse desejo. Quero ter filhos, mas entendi que trazê-los para um lar infeliz é tolice.

Quando terminei percebi que tinha acumulado 14 anos de namoro, mas apenas três anos realmente valeram a pena. Espero que essa carta sirva de alento para quem ainda acredita que amor verdadeiro precisa te ferir ocasionalmente ou até mesmo dizer que você não é boa o bastante. Não existem buquês, viagens, idas ao cinema ou medo de se sentir sozinha que apague abusos.

Ah, só para constar, estou namorando com outra pessoa há dois anos. Com ele tive de me redescobrir como mulher, especialmente na área sexual. Descobri que o prazer não deve ser unilateral e muito menos durar 3 ou 4 minutos. Sei que pode soar como ignorância minha, mas essa era a minha referência: eu estava ali para satisfazer e não para me sentir satisfeita.

É muito bom poder descobrir quem você é de verdade. Só espero que você não leve o tempo que eu levei para que outras pessoas percebam isso.”

Se você está sofrendo algum tipo de abuso, seja ele emocional ou físico, ou qualquer violação à sua integridade e dignidade: denuncie ligando para 180.

Quer compartilhar algum relato? Vale qualquer experiência que tenha mudado a sua vida. Envie para: olivia.meireles@metropoles.com. 

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