O vai e volta do natural: conheça a história da depilação íntima
A tendência mudou durante as últimas décadas e um movimento recente promete alterar ainda mais como as mulheres lidam com o assunto
atualizado
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É difícil achar uma mulher que nunca tenha se depilado pelo menos uma vez na vida. Por pressões sociais, elas continuam compondo a maior parte da clientela de clínicas estéticas, mesmo com mais homens aderindo à prática. A história da depilação feminina, especialmente a íntima, não é recente e os primeiros métodos de remoção de pelos foram criados no Egito e na Grécia Antiga.
“A depilação com cera começou no Egito Antigo. As mulheres usavam argila, sândalo e mel para retirar os pelos”, conta a empresária da clínica Posé, Ana Clara Vajas. Na Grécia e no Império Romano, a moda era uma ferramenta com vários propósitos, chamada estrígil, que removia sujeira e conseguia tirar os fios quando utilizada com óleos.
Durante a Idade Média, todo tipo de remoção de pelos foi socialmente proibido por ser considerado algo pecaminoso e associado à bruxaria. A partir dessa época, o aceitável era manter o corpo ao natural e isso não era malvisto. O cenário mudou nos anos 1920, com a ascensão dos editoriais de moda e a oportunidade de solidificar um mercado novo: o da depilação.
As axilas eram o foco no começo, mas, nos anos 1940, as pernas femininas receberam a mesma atenção. Enquanto a depilação geral ganhava força, o movimento hippie da década de 1960 também se popularizava. A proposta era, mais uma vez, ter o corpo natural e com pelos. A técnica a laser e com luz pulsada ganhou adeptos em 1990 e, atualmente, a clientela pode escolher entre vários métodos.
“Os aparelhos de luz intensa e pulsada possuem filtros que variam com o comprimento de onda. A seleção deles determina a profundidade de penetração”, explica o biomédico esteta José Henrique sobre o método de depilação com o qual trabalha.
A operadora de laser para remoção de pelos Patrícia Harumi trabalha com a técnica gás laser, cujas luzes conseguem atender mais tons de pele. Nas clínicas em que atende, a maioria das clientes é mulher e, assim como no salão de Ana Clara, a virilha está entre os três locais mais depilados por elas.
A dissertação de mestrado de Maria Luiza Prudente de Oliveira Sangiorgi, da Universidade de São Paulo (USP), intitulada “A preferência de homens e mulheres em relação à depilação genital feminina e implicações clínicas da depilação da genitália”, descobriu que ambos os gêneros preferem o órgão sexual feminino completamente depilado. “A tendência estética, a crença na melhoria da higiene genital e a preferência masculina parecem influenciar essa prática”, afirma o estudo.
O vai e volta sobre a depilação feminina continua e, ao mesmo tempo que a maioria das mulheres segue frequentando salões religiosamente, existe um movimento contrário, impulsionado pelo feminismo e por famosas – como Miley Cyrus, Rihanna e personalidades influentes nas redes sociais –, para manter os pelos no corpo.Sob o pretexto de mais limpeza e saúde, as mulheres são coagidas a depilar a vagina, mas o ginecologista e obstetra Élvio Floresti Junior discorda da prática. “Humanos fazem isso, porém não há necessidade, é um modismo da época. As mucosas vaginal e anal são muito sensíveis, então devemos evitar o uso de produtos agressivos na região”, defende. “Hoje em dia, usamos roupas, então os pelos não têm mais a mesma função de antes. Mesmo assim, não é preciso removê-los”.
Para a doutora em Gênero e Desenvolvimento Izabel Solyszko, a existência de um único padrão de beleza impacta negativamente a autoestima feminina e dificulta a aceitação do próprio corpo. “Essa norma é controladora, porque ocupa o tempo e a energia das mulheres com o que é imposto socialmente”, afirma.
“Não me depilar ainda é um processo recente. Às vezes, me vejo feia, em outros momentos me acho normal. Quando me sinto bonita, acredito ser invencível, pois estou bem no meu estado natural”, conta a estudante de cinema Beatriz Santiago, 20 anos. No início de 2018, a jovem decidiu deixar os pelos crescerem. O carinho dos amigos e do namorado foram cruciais para Beatriz se aceitar sem depilação.
Enquanto o discurso e o debate sobre o poder feminino continuam, a doutora acredita que não é possível as mulheres escolherem livremente sobre depilação e outras questões estéticas. “Toda imposição de um ideal de beleza é opressor, porque constrói uma noção única, elimina a pluralidade e a diversidade do ser humano e da natureza”, comenta.
“Familiares distantes e conhecidos são bastante grossos e agressivos quanto à minha escolha, mas é só não ter problema em responder ‘na lata’ ou ignorar. É sempre bom tentar mudar padrões e normalizar isso na sua vida cotidiana”, indica. “Existe uma reação fortíssima quando alguém sai do esperado socialmente. As mulheres não são consideradas pessoas com direito para decidir sobre a vida e o corpo”, explica Izabel.