O que pensam os estudantes da UnB na linha de frente da Covid-19
Um ano após serem censurados por ministro, universitários brasilienses conduzem ações contra o coronavírus e reforçam importância da ciência
atualizado
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Em abril de 2019, uma fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub, gerou indignação entre estudantes brasileiros. Para justificar cortes em recursos para as faculdades federais, o porta-voz referiu-se às instituições como “balbúrdia”. Segundo o dicionário Aurélio, a palavra significa confusão, algazarra, tumulto ou uma situação de difícil resolução.
A afirmação ganhou repercussão internacional, provocou reações nas redes sociais e mostra-se cada vez mais equivocada. Um ano após o episódio, o Brasil enfrenta uma das crises mais desafiadoras de sua história. E se há esperanças de superá-la com estratégias próprias, elas certamente passam pelas universidades.
“O jogo virou” e estudantes da Universidade de Brasília têm desempenhado um papel importante em pesquisas e ações relacionadas ao coronavírus e seus efeitos na sociedade.
O estudante do último semestre de Engenharia Mecânica Thiago Yuji Hirano, de 27 anos, é um dos alunos à frente do combate à Covid-19 na Unb. Há pouco mais de um mês, quando a situação da Itália se agravou, ele se uniu a colegas de outros cursos para pensar em como poderiam ajudar.
Máscaras para as unidades de saúde
Dono de uma startup de prototipagem, ele procurou o amigo Pedro Morais, médico do Hospital Universitário (HUB), e começou a pesquisar sobre os principais problemas enfrentados nos locais onde o coronavírus já havia se espalhado.
Descobriram que, se não agissem depressa, e talvez por conta própria, equipamentos de proteção individual (EPI), válvulas de respiradores e outros itens importantes para a atuação de profissionais de saúde e para a recuperação dos pacientes se esgotariam logo nos primeiros dias da pandemia.
“Começamos a fabricar e doar face shields para quem estava no front. O Pedro [Morais] criou o grupo Brasília Maior que a Covid-19 (BMC) e o movimento viralizou. Recebemos muito apoio. Hoje, o pessoal que está na linha de frente, nos hospitais de Brasília, com certeza tem o nosso equipamento”, destaca.
A campanha ganhou adesão nas redes sociais e chamou atenção de empresas, autônomos e até mesmo da Secretaria de Saúde, o que permitiu ampliar o escopo de trabalho dos jovens.
“Estamos consertando ventiladores quebrados, fabricando válvulas e também fizemos uma cuba de proteção para os médicos. Além disso, um grupo de costureiras está nos ajudando a produzir máscaras de pano”, elencou.
Com o apoio, o BMC conseguiu aumentar, e muito, a produção. Ao todo, o grupo contabiliza cerca de 9 mil máscaras doadas. A motivação, mesmo diante dos ataques sofridos, continua sendo ajudar ao próximo.
“Quando percebemos o que estava acontecendo, sabíamos que precisaríamos de gente de fora dos hospitais para ajudar. Tenho um primo que é médico, um espelho para mim. Ele me motivou bastante. Todos que fazem parte desse grupo central de voluntários são muito engajados, movidos pela vontade de contribuir. Não estão ali para ficar três horas ajudando. É dedicação total desde o começo”, conta.
Na avaliação do jovem estudante, o preconceito em relação à pesquisa acadêmica é um dos entraves para que o Brasil se destaque no combate à doença. “Sinto que estamos muito atrás em relação a outros países. Se tivessemos ferramentas para fazer isso localmente, certamente poderíamos produzir aqui, em vez de importar tudo que precisamos”, conclui o jovem.
Sequenciamento genético
Quem também resiste a ataques e obstáculos para pesquisar soluções para pandemia é o tocantinense Ikaro Andrade (foto em destaque), primeiro lugar no programa de doutorado em biologia microbiana na UnB.
O cientista, de 23 anos, está na equipe responsável por sequenciar geneticamente os casos do novo coronavírus no Distrito Federal, estudo que vem sendo feito em todo o Brasil e ajuda a entender o comportamento da epidemia.
“É com o sequenciamento que vamos entender com o que estamos lidando, quais os agentes causadores da doença, que fármacos e vacinas serão eficientes”, resume.
Longe da família, que mora em Gurupi (TO), ele contava com uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para manter -se em Brasília e continuar o trabalho, mas descobriu há poucos dias que ela não seria liberada. A notícia do jovem “que teve a bolsa de estudos suspensa enquanto estudava o coronavírus” ganhou repercussão até mesmo internacionalmente.
O que fazemos não é balbúrdia
Ainda sem saber como fará para continuar o doutorado, Ikaro decidiu continuar contribuindo com os experimentos relacionados à Covid-19. E pretende manter a rotina intensa, que inclui até mesmo idas ao laboratório aos fins de semana.
“Vou continuar trabalhando o máximo que posso, não pretendo jogar a toalha. Sei a importância do meu trabalho e tenho a meta de me tornar professor universitário”, diz.
Apesar da motivação, ele se diz triste com os ataques sofridos pelos universitários. De cortes a falas como a do ministro da Educação.
“Procuro chegar cedo, tenho uma rotina de dedicação, e saio tarde da UnB. Assim como a maioria dos estudantes, não estou ali fazendo balbúrdia, estou lutando pelo meu aprimoramento profissional para contribuir de alguma forma com a sociedade em que vivo. Esse rótulo equivocado me deixa triste como profissional”, desabafa.
“Não vejo bagunça e algazarra na UnB. Vejo colegas vindo de outras cidades, enfrentando quatro horas de condução por dia, e que precisa ser pontual para não perder o ônibus e ficar vulnerável até tarde da noite na faculdade”, completa.
Ele espera que, a partir dos recentes acontecimentos, o esforço científico possa ser reconhecido com adjetivos que, de fato, reflitam sua importância. “Que as pessoas que têm preconceito com os estudantes possam reconsiderar suas posições, porque não temos como progredir se nos retiram a base científica. E tem muito suor nosso nessa causa”, conclui.