O novo morar: pandemia faz dobrar a procura por casas e imóveis com varanda
Com o distanciamento social, brasileiros reavaliam prioridades e trocam de endereço em busca de espaços de lazer e convivência
atualizado
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Mais da metade da população mundial vive, atualmente, em cidades ou áreas densamente povoadas. O que bilhões de pessoas ao redor do mundo chamam de lar, em grandes centros urbanos, são pequenos espaços separados por tijolos, concreto e aço.
A verticalização urbana, diretamente ligada à urbanização, era um fenômeno em ascensão global e considerada um caminho sem volta por especialistas. Até o surgimento do novo coronavírus. Em um cenário sem precedentes, uma crise de saúde urbana dessa magnitude veio para abalar estruturas. Mais que um refúgio após um longo dia de trabalho, o lar ganhou a obrigação de ser escritório, escola, espaço de convivência primordial, restaurante para os fãs das aventuras gourmet e até um bar, aos que não dispensam um happy hour.
Como resultado de um novo sentido para a palavra “morar”, enquanto muitos sentiram o impacto negativo do distanciamento social, o setor imobiliário ficou especialmente aquecido. A busca por mais conforto e espaço fez dobrar a busca por imóveis maiores durante a pandemia.
Sacada ou quintal, por exemplo, passaram a despertar olhares mais interessados dos compradores. De acordo com um levantamento da Imovelweb, a procura por imóveis com varanda cresceu 128% se compararmos maio de 2020 com o mesmo período do ano passado.
Para algumas famílias, esse espaço a mais já é suficiente, enquanto para outras, não, especialmente aquelas que têm crianças em casa. Por isso, a busca por casas com quintal também aumentou de maneira expressiva: 96%, se compararmos maio de 2020 com o mesmo período de 2019.
Outras perspectivas
A busca por mais qualidade de vida e espaço em casa levou Thiago Figueiredo a trocar a privacidade de morar sozinho em uma quitinete de 40m2 por uma casa no Lago Norte, na companhia de dois amigos. Acostumado a trabalhar em home office mesmo antes da instituição do distanciamento, o brasiliense sentiu a diferença de não poder usufruir de outras atividades de lazer em função da pandemia.
Na hora de escolher o novo endereço, ao checklist, foram incorporadas outras prioridades. “Estávamos em busca de um local com área verde, principalmente. A ideia era poder aproveitar o dia e o sol sem correr o risco que é sair de casa, nem precisar usar máscara”, relembra Thiago.
O aumento na qualidade de vida foi tanto que ele não se vê voltando a morar em um pequeno apartamento. “Viver com amigos também tem seus momentos difíceis, e o custo de vida aumentou bastante”, pondera. Contudo, comparado aos benefícios, “vale a pena”, de acordo com o desenvolvedor de software.
Durante as pausas, o espaço livre se resumiu em atividades prazerosas em grupo. “Utilizamos a área verde diariamente, damos um mergulho na piscina, tomamos sol ou praticamos esportes. Isso, inclusive, aumenta nossa saúde e imunidade”, completa. Com mais espaço, Thiago conseguiu realizar o desejo antigo de adotar um cãozinho.
Alta demanda
Nos três primeiros trimestres de 2020, o setor imobiliário já havia superado o desempenho de 2019, considerado o mais favorável para a área desde a crise econômica iniciada em 2014.
De acordo com a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (ADEMI-DF), os empreendimentos do futuro contemplarão as necessidades criadas pela crise sanitária, ajustando a divisão e oferecendo mais espaço interno nas unidades residenciais, revendo, também, a disponibilidade de áreas para uso comum dos empreendimentos verticais.
Além da ressignificação do papel da moradia, aspectos econômicos como a baixa taxa de juros estão por trás do impulso no mercado imobiliário. De acordo com Marcelo Ramos, especialista no setor e diretor de marketing do DFImóveis, a demanda por um espaço maior é generalizada.
“Quem está em um apartamento de dois quartos quer um de três, assim como quem tem um de três quer até uma cobertura. As pessoas redefiniram prioridades e passaram a investir mais na moradia”, afirma o especialista.
Futuro do design
No universo da arquitetura, a tendência veio para ficar, não só no que tange ao tamanho das moradias. Espaços com janelas maiores e conexão com o mundo externo, assim como mais áreas de lazer e convivência residenciais e elementos naturais, prometem continuar a ser prioridade no design pós-pandemia.
“Após a mudança para um ambiente maior, e certamente com mais aberturas para o mundo lá fora, de alguma forma nos sentimos mais conectados com ele”, diz Elise Pereira Ignacio, do Feel Arquitetura, escritório que faz parte da comunidade Archademy.
Enquanto o mundo fora dos portões e muros das casas deixou de representar a segurança habitual, a humanidade precisou encontrar outras maneiras de se conectar à natureza e aos espaços externos, se apegando às varandas, quintais e janelas.
“Existe toda uma misticidade em espaços vazios a serem preenchidos com possibilidades. Essa oportunidade nos empolga e dá uma nova perspectiva sobre o que aquilo pode se tornar. Acreditamos até que o vazio com expectativas faça mais parte do nosso conforto e do nosso dia a dia do que muitas pessoas podem ver. O espaço livre é nobre, mesmo dentro de casa”, acredita Elise.
Novas possibilidades
Há cerca de dois anos, a mudança para uma casa maior já estava nos planos da família de Maithe Marques, que mora com os pais e o irmão. O projeto era tirar do papel o desejo de construir a casa dos sonhos da família, que foi construída aos poucos, sob o olhar atento dos proprietários.
Com o advento da pandemia, no mês de março, eles resolveram dar um ‘empurrãozinho’ para a obra terminar logo.
“Éramos quatro pessoas e mais dois cachorros, o tempo todo, dentro de um apartamento. Começou a ficar sufocante”, compartilha Maithe. Com a aposentadoria do pai, a mudança da Asa Norte para um condomínio em Sobradinho fez muito bem para eles.
“Parece bobeira mas, nesses tempos, percebemos mais os detalhes, sobre como o contato com a natureza é revigorante. Faz toda a diferença ter um quintal, um jardim e um local para espairecer”, completa.
Um espaço maior também deu agregou liberdade às atribuições do home office. Além disso, a família encontrou maneiras de colocar em prática hobbies e ter mais tranquilidade nas atividades do dia a dia.
“Agora, temos um jardim com várias mudas de plantas frutíferas. A minha mãe, que nunca levou jeito com plantas, está apaixonada por essa possibilidade de enfeitar, dar mais beleza e vida ao nosso ambiente”, alegra-se Maithe.