Mulheres enfrentam machismo e investem em carreiras científicas
No Dia Internacional das Meninas e Mulheres nas Ciências, elas falam sobre as dificuldade de permanecerem nas carreiras que escolheram
atualizado
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Jaleco, óculos, luvas, tubos de ensaios, computadores e muita tecnologia. Essa é a descrição do local de trabalho de apenas 30% das mulheres, mais especificamente aquelas que decidiram se dedicar ao mundo das ciências exatas. Em todo o mundo, de acordo com dados divulgados pela Unesco, os homens são mais de 70% nos ramos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
As mulheres levaram anos para ocupar espaços significativos nessas áreas, conhecidas por perpetuar estereótipos masculinos. Mas, agora, estão longe de parar, embora as razões para esse afastamento sejam remotas, desde a Grécia antiga, quando apenas homens podiam discutir política e votar.
“Muitas meninas sequer cogitam fazer um curso de tecnologia ou computação, por exemplo. A maioria já cresce com uma afirmativa ao seu redor de que essas áreas são para homens, pessoas ‘nerds‘ e que não existe espaço para feminilidade”, conta a professora Aletéia Patricia, fundadora do projeto Meninas.Comp, da Universidade de Brasília.
O projeto teve início em 2010 e, a princípio, era voltado para meninas do Ensino Médio, mas logo foi ampliado. “Percebemos que as meninas mais velhas já tinham essa recusa com o curso antes mesmo de conhecê-lo, o que nos fez entender que precisávamos agir em idades antes disso, para evitar o preconceito”, disse, ao Metrópoles.
Referências femininas
O projeto da professora Aletéia engloba, também, a participação de estudantes da UnB do Ensino Superior. “Nesse caso, o intuito é mostrar para as alunas mais novas que elas têm referência reais a serem seguidas e que sonhar em ingressar nessas áreas é possível.”
Apesar de representarem uma menor parcela no mundo científico, mulheres fizeram grandes descobertas que mudaram o rumo da humanidade. Um exemplo é a atriz Hedy Lamarr, que descobriu a “base” para a criação do wi-fi e do envio de torpedos SMS; ou a PhD Shirley Jackson, que desenvolveu estudos essenciais para tecnologias como o fax portátil ou o telefone com tela touch.
Recentemente, durante a pandemia da Covid-19, duas mulheres foram as responsáveis por conseguir sequenciar o genoma do Sars-CoV-2 no Brasil: as cientistas Jaqueline de Jesus e Ester Sabino. Em Brasília, a química e professora Sarah Brum coordenou um estudo que transforma cigarros em combustível – a pesquisa ainda contou com a participação de duas alunas da Universidade de Brasília (UnB).
Lugar de mulher é na ciência
Histórias como essas se transformam em motivação para meninas que têm o sonho de ingressar em carreiras cientificas, mesmo quando não têm o apoio dos pais, cena que se repete na maioria dos lares. A professora da UnB, em entrevista ao Metrópoles, relembra o caso de uma aluna que chegou a ser expulsa de casa pelo pai:
“Ela queria fazer o curso de computação e o pai queria que ela fizesse enfermagem. Por um tempo, essa aluna fingia que ia para a faculdade de enfermagem enquanto estava no pré-vestibular para o curso que ela tinha o sonho de fazer. Quando ela conseguiu a aprovação e foi contar aos pais, não foi recebida com uma boa surpresa. Ele a expulsou de casa e ela precisou ficar um tempo morando com a avó”.
Outro caso contado pela professora foi de uma aluna que ouviu uma piada machista de um professor:
“Ele tinha passado um exercício para a classe e essa aluna foi a primeira a terminar, a única garota da turma. Para motivar os demais a finalizarem a mesma atividade, ele diz: ‘Vamos, gente! Até ela que é mulher terminou primeiro’… Infelizmente, são situações comuns”, lamenta Aletéia.
O Metrópoles já havia publicado anteriormente como as mulheres são coagidas em áreas ocupadas majoritariamente por homens. O mesmo é relatado por Luiza Ferreira, estudante do 10º semestre de geologia na UnB. Em um curso ocupados por alunos que, em sua maioria são homens, ela conta que o tratamento é diferente com as minorias.
“Somos frequentemente mais questionadas que eles e precisamos provar que sabemos mais que o colega”.
Alheia a esse comportamento, a jovem foca apenas no próprio desenvolvimento. “Nos destacamos mais, querendo ou não. Apesar de ser mais árduo, por sermos mulheres, desempenhamos um trabalho melhor [devido à diferente cobrança]”, relatou Ferreira.
A carreira científica
A professora e pesquisadora Sarah Brum argumenta sobre um outro ponto para as mulheres que decidem se dedicar a cursos das ciências exatas: a permanência. “Já existem muitos estímulos para elas entrarem nesses cursos, até podemos ver uma equidade nos primeiros semestres. O problema é que a maioria das meninas não terminam ou sequer seguem carreira nessas áreas”, conta.
“As mulheres desenvolvem muito mais tarefas diariamente do que os homens. Além do trabalho e pesquisas, ainda temos as tarefas domésticas”, conta.
Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Estatísticas e Geografia (IBGE), as mulheres gastam ou investem, em comparação com os homens, mais do que o dobro do tempo em atividades ligadas a fazeres domésticos, educação dos filhos e cuidados com as pessoas.
“Quando somos mães, temos menos tempo dedicado ao trabalho e aos estudos, enquanto eles continuam publicando pesquisas. A impressão é de que eles são mais ‘dedicados’, mas não é bem assim”.
Esse afastamento também influencia no momento da contratação dessas mulheres. Como já dissemos aqui, apenas 30% trabalham nessas áreas. “Em editais para mestrado e doutorado acontece o mesmo: se existe um candidato com mais pesquisas publicadas do que seu concorrente, fica óbvia a escolha. Mas muitos não entendem de onde esse ‘déficit’ vem”, finaliza.