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Mulheres de diferentes gerações projetam Brasília para o mundo

O Metrópoles entrevistou personagens com forte relação com a capital e que se dedicam à apresentá-la nacional e internacionalmente

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Tania Fontenele, historiadora
1 de 1 Tania Fontenele, historiadora - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Ao longo da história da capital federal, narrativas que colocam os homens como únicos agentes do processo de criação e de construção da cidade foram predominantes. Mas, embora não tenham ostentado o mesmo protagonismo, as mulheres tiveram um papel igualmente importante na memória de Brasília.

Atualmente, elas inauguram um momento de resistência à dominância masculina em vários segmentos, incluindo grandes mostras e acervos que projetam a capital modernista para o mundo. O rol de mulheres artistas inclui nomes que, curiosamente, tiveram intenso contato com essa problemática, o que as permitiu conhecer de perto a lacuna preenchida por seus trabalhos na história.

Pesquisa sobre o movimento modernista

Uma delas é Danielle Athayde, curadora da Exposição Brasília – Da Utopia à Realidade, que já passou por 11 capitais, dentre elas Paris, Berlim, Moscou e Londres. A mostra desembarca em Roma no dia 7 de fevereiro.

Fruto de uma intensa pesquisa realizada por Danielle durante o mestrado em gestão cultural, no Instituto Ortega y Gasset, em Madri, a mostra examina as ideias, personagens e os percursos históricos que levaram à criação de Brasília em 1960 e a transformaram em síntese do pensamento modernista.

Danielle Athayde/Divulgação
A curadora observou que, apesar de terem grande importância na história de Brasília, muitas mulheres não tiveram seu protagonismo reconhecido

“Queria apresentar um projeto final de curso que falasse sobre Brasília e a saga da criação e construção de uma cidade em três anos e 10 meses. Partindo, é claro, da perspectiva de que não era uma cidade qualquer, era um projeto arrojado, moderno, sem nada igual no mundo. Única ganhadora do título da Unesco de Patrimônio Cultural da Humanidade com apenas 27 anos, e não séculos”, ressalta Danielle.

Apesar de não ser, necessariamente, o foco de seu trabalho, a investigação também se deparou com a invisibilidade feminina.

“Quando iniciei a pesquisa, não levei em consideração a falta de documentação que pudesse identificar mulheres protagonistas na construção da cidade, mas, ao longo do estudo, isso foi ficando mais evidente. No entanto, essas mulheres sempre estiveram presentes e merecem ser lembradas”

Danielle Athayde
Danielle Athayde/Divulgação
Brasiliense decidiu estudar os personagens e percursos da capital durante o mestrado em gestão cultural, no Instituto Ortega y Gasset. Resultado virou exposição

A curadora destaca Sarah Kubitschek. Para além do papel desempenhado na promoção da assistência social do país, ela teve a ideia de construir a Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 308 sul.

Ela lembra, também, Marianne Peretti, única mulher na equipe de Oscar Niemeyer, autora dos vitrais da Catedral, além de importantes obras monumentais espalhadas pelos edifícios da cidade; e Maria Martins, conhecida como a Frida Kahlo brasileira e responsável pela escultura Rito do Ritmo que embeleza os jardins do Palácio da Alvorada.

Um dos maiores destaques de Brasília – Da Utopia à Realidade, porém, foi o acervo construído por Dona Izolete Pereira (1933-2010), pioneira, funcionária pública e colecionadora de obras de arte. Foi ela que deu início à Coleção Brasília, que reúne cinco décadas de gravuras, esculturas, maquetes, objetos históricos e documentos oficiais da época da construção de Brasília, cedidos para exibição na mostra.

A satisfação de integrar uma das primeiras gerações de mulheres a apresentar a capital para mundo, assim como a contribuição de outras figuras importantes, é evidente na fala da curadora.

“Encaro o fato de ser uma mulher e levar o nome de Brasília para o mundo inspirador. É uma missão de vida”, classifica.

Memórias femininas

Filha de pioneiros, a historiadora e pesquisadora Tania Fontenele, de 44 anos, debruçou seus estudos sobre a invisibilidade feminina nos anais da capital há mais de 10 anos.

A motivação surgiu após constatar que grande parte das pessoas ainda vivas e que edificaram Brasília estavam em idade avançada. Muitas não teriam a oportunidade de relatar suas histórias.

“Todo ano, no aniversário da capital, era a mesma coisa. Falava-se em JK, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, mas as mulheres não eram mencionadas nunca, exceto quando associadas ao marido. Decidi contar de novo a história, a partir da perspectiva do feminino”

Tania Fontenele
7 imagens
O resultado da pesquisa virou filme e exposição
As obras simbolizam uma geração de mulheres vitoriosas
E que tiveram papel fundamental, mas durante muito tempo não reconhecido, nos anais de Brasília
Além de imagens, a exposição contempla vários objetos. Entre eles, equipamentos de secretariado, como a máquina de escrever da época
No acervo, também há revistas antigas que pertenceram
à mãe da cineasta,
dona Maria Inês Fontenele Mourão
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Tania dedicou 10 anos de pesquisa para investigar o protagonismo das candangas

Tania Fontenele/Divulgação
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O resultado da pesquisa virou filme e exposição

Tania Fontenele/Divulgação
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As obras simbolizam uma geração de mulheres vitoriosas

Tania Fontenele/Divulgação
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E que tiveram papel fundamental, mas durante muito tempo não reconhecido, nos anais de Brasília

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Além de imagens, a exposição contempla vários objetos. Entre eles, equipamentos de secretariado, como a máquina de escrever da época

Tania Fontenele/Divulgação
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No acervo, também há revistas antigas que pertenceram à mãe da cineasta, dona Maria Inês Fontenele Mourão

Tania Fontenele/Divulgação
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Hoje, Tania continua os estudos e soma esforços para que seu acervo tenha um espaço permanente

Tania Fontenele/Divulgação

Na tentativa de mudar esse cenário, Tania ouviu histórias de 50 mulheres de vários estados, classes sociais  e profissões, como lavadeiras, professoras, cozinheiras, caminhoneiras, prostitutas e engenheiras.

O material foi sintetizado no documentário Poeira e Batom, elaborado especialmente para o aniversário de 50 anos de Brasília e exibido em vários festivais nacionais e internacionais. “Foi um marco para essas mulheres. Muitas me disseram que a vida delas tinha mudado, pelo resgate de autoestima”, acrescenta a brasiliense.

Hugo Barreto/Metrópoles
Historiadora brasiliense quer espaço permanente para preservação da memória do protagonismo feminino na capital

Com um resultado tão positivo, ela resolveu abrir uma exposição com fotos e objetos doados pelas mulheres mencionadas na produção. Um acervo precioso e que, provavelmente, não seria conhecido pelo público caso o assunto demorasse mais a ser abordado. Para se ter uma ideia, cerca de 10 das 50 mulheres entrevistadas faleceram neste intervalo de 11 anos entre o início das pesquisas e 2020.

Apaixonada pelo trabalho que desenvolveu,  a cineasta se dedica agora a um doutorado, sobre o mesmo tema, além de uma nova exposição para os 60 anos da cidade. “Quero continuar registrando nossa história. Me sinto uma privilegiada por fazê-lo.”

Paixão por Brasília

Mercedes Urquiza nasceu na Argentina, país onde seu tataravô, General Urquiza, foi presidente. Porém, ao visitar a capital sonhada por Dom Bosco pela primeira vez, em 1957, se apaixonou e trocou o país natal pelo Brasil.

O trajeto da capital argentina para Brasília foi feito de jipe, por 48 dias. Assim que chegou, Mercedes decidiu ficar e participar da construção da nova capital.

Com apenas 18 anos, ela deixou a vida de luxos para morar na Cidade Livre, hoje o Núcleo Bandeirante, “em um barraco de madeira, sem água e sem luz”, como destaca Mercedes, para  trabalhar como corretora da Novacap e revendedora de materiais de construção.

Por ser uma das poucas habitantes a falar inglês, recebeu um convite para ser intérprete do fotógrafo sueco Ake Borglund, que visitou o Planalto Central pela National Geographic na década de 1960. Em agradecimento, ele cedeu várias imagens da construção da cidade.

Mercedes Urquiza/Divulgação
Mercedes trouxe a família para a cidade que a acolheu em 1957. “No meu coração, fica a gratidão por tudo que vivi aqui e por poder contar essas experiências para as outras pessoas”, comenta

Com o presente, Mercedes montou uma exposição fotográfica que já rodou mais de 60 países. “O barco viaja a cada seis meses e passa por cerca de 20 destinos. Cada vez que eles saiam do solo, levavam uma coleção diferente de fotos. São quase 500”, explicou.

Ela também lançou um livro, para contar as experiências vividas. “São tantas histórias que decidi escrever esse complemento, onde conto várias aventuras que vivi por aqui”.

Aos 80 anos, 63 deles vividos na capital, ela comemora não só a participação na construção da cidade, mas a família que construiu em terras tupiniquins.

“Assim como para JK, Brasília mudou o meu destino. Vir para cá de carro e ver tudo no começo foi uma experiência única. Brinco que tenho três filhas: duas nasceram de mim e a outra, ajudei a construir e a tornar conhecida por muita gente, como a cidade merece.”

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