Mudança na Lei Maria da Penha pode acelerar proteção a vítimas
A Lei Maria da Penha já ajudou milhares de mulheres a saírem do contexto de violência; conheça pessoas que encontram afago na Justiça
atualizado
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Desde que foi criada, em 2006, a Lei 11.340, também conhecida como Maria da Penha, já foi acionada milhares de vezes. Em vigor há mais de 16 anos, a legislação auxilia vítimas de violência doméstica e familiar a encontrarem justiça e segurança em meio à insegurança vivida no próprio relacionamento e/ou dentro de casa.
Na última semana, a Lei teve uma importante mudança aprovada pela Câmara dos Deputados. “A recente alteração traz mais um mecanismo de eficiência e rapidez no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher”, defende a advogada Jéssica Marques, do Kolbe Advogados Associados.
A especialista em direito penal explica que a alteração — que ainda precisa da aprovação do presidente Lula para ser sancionada — , possibilita o deferimento de medidas protetivas, “ainda que não exista registro de boletim de ocorrência, inquérito policial ou ação penal deflagrada”.
“A alteração mais importante diz respeito à aplicação da lei, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida”, pontua.
Na intenção de mostrar a importância da Lei Maria da Penha, que já passou por diversas mudanças para proteger cada vez mais mulheres, o Metrópoles conversou com duas vítimas de violência doméstica que já recorreram à legislação para desmistificar o tabu sobre o regulamento.
“Só busque ajuda!”
No caso da jornalista Leticia Fagundes, a Lei Maria da Penha salvou sua vida e a de seu filho. Em uma relação de dois anos que passou por todas as fases do abuso, a moradora de Porto Alegre só buscou ajuda quando a violência se transformou em agressão física.
“A gente demora a procurar ajuda porque somos educadas a tolerar certas atitudes e a sermos compreensivas demais. A gente releva muito. Eu relevei a violência psicológica, a patrimonial e as chantagens emocionais”, explica.
Foi na Justiça que Letícia encontrou o respaldo para viver bem e se distanciar do seu abusador. “A violência física foi o estopim para eu buscar ajuda. Fui até uma delegacia, fiz o boletim de ocorrência e afirmei que gostaria de entrar com um processo contra ele e assim foi feito”, relata.
“Foi muito difícil para mim porque eu amava ele, não tem como desgostar de alguém de repente. Eu tive que aprender, na marra”, conta Leticia.
O caso aconteceu em 2009 e, à época, a lei não tinha passado por tantos avanços como agora. Fagundes, no entanto, ressalta que a rapidez e o cuidado dos agentes que a atenderam foram um divisor de águas para que ela não desistisse da denúncia.
“Já faz tanto tempo e mesmo assim fui bem recebida. Tudo ocorreu da forma como tinha que ser. Naquele momento em que a gente está tão sensível e abalada, qualquer coisa pode nos fazer desistir”, comenta.
A medida protetiva para manter o agressor longe de Leticia veio uma semana depois do registro de boletim de ocorrência — tempo que poderia ser suficiente para colocar a vida dela em risco, lacunas que a atual mudança proposta pela senadora Simone Tebet prevê exterminar.
Para Leticia, no entanto, procurar ajuda é primordial para interromper qualquer ciclo violento. “Não importa quem seja o abusador ou o que ele fez, não pense duas vezes antes de procurar ajuda. Só vai”, emenda.
Abalo psicológico
Até chegar aos danos físicos, esses ciclos, para a maior parte, são bem parecidos. “Eu tinha um relacionamento abusivo há algum tempo e sofria muita agressão psicológica e mental, até que um dia chegou se tornou uma agressão física”, rememora a cirurgiã dentista Poanka Faleiro.
“Muitas pessoas associam a violência a episódios de espancamentos, porém ela não se resume a isso. A violência psicológica, tão prejudicial quanto a física, consiste em práticas como ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, perseguições, insultos e chantagens”, pontua a médica ginecologista Eveline Catão.
“Se eu soubesse disso antes, que abuso mental já era uma agressão, eu teria tomado alguma atitude antes”, lamenta a dentista.
Além disso, o amparo psíquico é importante para que essas vítimas não voltem ao ciclo de violência. Desde a criação, o regulamento prevê que os órgãos responsáveis “preservem a integridade física e psicológica” da mulher que aciona a Lei Maria da Penha.
Ainda que possam ser invisíveis em um primeiro momento, os danos dessas agressões psicológicas podem perdurar por uma vida inteira. Essa violência também vem de abusos verbais, chantagens emocionais e jogos de manipulação que viram uma espiral. Quando já estão sucumbidas, muitas não conseguem sair e nem pedir ajuda, seja pela dependência psicoemocional, seja pela dependência financeira.
“Muitas vezes, as vítimas vão aos poucos se isolando da família e dos amigos, o que dificulta a saída do ciclo abusivo”, salienta a profissional da Associação Mulher, Ciência e Reprodução Humana do Brasil (AMCR).
Para a jovem moradora de Brasília, sua história com a Maria da Penha teve início em 2015, quando ela tinha 21 anos. Seis anos depois da denúncia de Leticia, o modus operandi do crime segue o mesmo.
“Após a briga, ganho mimos, juras de amor, promessas que nunca foram cumpridas. Ele nunca mais ia me xingar, me humilhar […] Então, ele invadiu minha privacidade de novo. Minhas amigas são putas […] Eu sou puta. Eu não sou gente, não sou digna de estar com uma pessoa como ele”, contou a brasiliense em relato publicado no Facebook.
De acordo com a psicóloga Vanessa Gebrim, os relacionamentos abusivos podem ser divididos em três fases. “Primeiro, vêm as ofensas, xingamentos, gritos e humilhações. [A fase] Também pode incluir manipulação e controle emocional, o que dificulta a identificação, porque a pessoa manipulada tem o psicológico abalado”, pontua.
Na próxima fase, elenca a profissional, aparecem as primeiras agressões. “Começa com empurrões, tapas e chutes. Neste momento, a vítima já sabe que ela está em um relacionamento abusivo. As marcas ficam visíveis”, explica. É quando muitas delas decide acabar com o parceiro, ou procuram a delegacia.
“A fase três é o que chamamos lua de mel. Ele se arrepende e diz que isso não vai se repetir e passa a usar da manipulação, para que a vítima acredite que seu comportamento vai mudar”, explica. O ciclo, então, se repete.
“Não precisei fazer nada”
Poanka estava com o companheiro em uma festa e eles começaram a discutir após um ataque de ciúmes dele. “Assim, pelos meus cabelos, minha cara vai de encontro ao chão”, relatou a jovem.
Após a agressão física, o porteiro do prédio onde a briga aconteceu chamou a polícia e o agressor foi preso em flagrante. “Foi quando eu precisei da lei Maria da Penha”, conta.
Com o respaldo da lei e a prisão em flagrante do acusado, a dentista saiu da delegacia assegurada. “Dei meu depoimento, a família dele fez mais confusão, ele pagou fiança e foi liberado. Eu já saí de lá com a medida protetiva, acho que tive essa sorte de tudo ter acontecido tão rápido”, comemora.
Poanka só precisou fazer o boletim de ocorrência para que o ciclo de agressão e violência que ela vivia tivesse um fim:
“Eu não precisei fazer nada, as coisas foram acontecendo conforme o tempo passava. Não precisei voltar à delegacia e nem fazer mais denúncias, ainda que eu pudesse, eu não quis. O Ministério Público me auxiliou em tudo e as atualizações da minha denúncia só foram chegando até que saísse a condenação”, conta.
Em briga de marido e mulher, não se mete a colher!
Poanka ainda lamenta o pouco conhecimento que as pessoas têm dessas violências e ressalta que, atualmente, não hesita em fazer sua parte. “Quando vejo ou ouço algo suspeito, eu já logo denuncio. Ligo no Disque 180 e faço a minha parte. Talvez ela não faça nada a respeito disso, mas a minha parte eu fiz”, finaliza.
Para Letícia, procurar ajuda é só mais um passo do empoderamento feminino. “Quando procuramos ajuda e denunciamos aquela agressão, só mostramos o quanto somos fortes”, salienta.
Onde procurar ajuda:
Disque 180: Política pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher em âmbito nacional e internacional.
Disque 100: Recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos relacionadas a crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência.
Me Too Brasil
Site: https://metoobrasil.org.br/novo/preciso-de-ajuda
Instagram: https: @brasilmetoo
Justiceiras
Site: https://justiceiras.org.br/
Instagram: @justiceirasoficial
Instituto Como Contar
Site: https://www.comocontar.org/
Instagram: @comocontar
Telefone: (11) 98182-2259
Casa da Mulher Brasileira – Brasília
Endereço: CNM 1, Bloco I, Lote 3– Ceilândia, Brasília – DF, 72215-110 (link Google Maps)
Telefones: (61) 3371-2897 [Portaria] / (61) 3373-7864 [Recepção] / (61) 3373-1120 [Balcão]
Centro Integrado 18 de Maio (suspeitas de casos envolvendo crianças e adolescentes vítimas de violência sexual)
EQS 307/308 (Asa Sul)
Telefones: (61) 3391-1043 / (61) 98314-0636
Núcleos do Pró-Vítima (voltado para vítimas de qualquer situação de violência)
CEILÂNDIA
End.: Shopping Popular de Ceilândia – Espaço na Hora
(61) 2104-1480
(61) 99245-5207
GUARÁ
End.: Lúcio Costa QELC Alpendre dos Jovens – Lúcio Costa
(61) 99276-3453PARANOÁ
End.: Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D – Parque de Obras
(61) 99173-2281
PLANALTINA
End.: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, Salas 111/114
(61) 3103-2405/ 99276-5279
SEDE
End.: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04 – Brasília/DF
(61) 2104-4288
(61) 2104- 4289
TAGUATINGA
End.: Administração Regional de Taguatinga – Espaço da Mulher – Praça do Relógio
(61) 99168-0556