Morador de rua por 20 anos, ele venceu os vícios e mudou sua história
Até os 5 anos, Rogério Soares de Araújo não tinha nome nem documento. Sem pai e mãe, ele viveu altos e baixos e hoje é exemplo de superação
atualizado
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Há pouco mais de um ano, Rogério Soares de Araújo, conhecido como Barba, fez algo impensável para ele até pouco tempo atrás: alugou uma casa para chamar de sua. A primeira de toda uma vida. Ele passou por orfanatos, morou de favor na residência de conhecidos e em lugares que conseguia trabalho. Passou 20 anos vivendo nas ruas, que também foi o lugar onde nasceu. “A minha primeira cama foi a rua”, diz Barba.
Os pais o abandonaram sem teto em São Paulo. Rogério foi levado para a antiga Fundação do Bem-estar do Menor (Febem), onde ficou até os cinco anos. Para ser transferido ao novo orfanato, Casa dos Menores de Cajuru, ele precisava de documento, algo que não tinha. Foi um juiz da infância que declarou: “Você vai se chamar Rogério Soares de Araújo, nascido em 23 de agosto de 1971. Nome da mãe, ignorado. Nome do pai, ignorado”.
O orfanato foi a casa dele até os 16 anos, quando começou a se rebelar contra sua situação. “Tinha o dia de visita, as outras crianças recebiam familiares e eu nunca tinha visitantes. Comecei a questionar isso, não gostava de não receber ninguém”, conta Rogério. Ele começou a fugir do lugar, bebia, fumava, frequentava festinhas. Como consequência, foi transferido para um orfanato evangélico, em São Carlos (SP).
“Sai de um lugar onde tinha aula, oficina de marcenaria, era operador de rádio, coisa fina mesmo, e fui para uma instituição muito humilde”, relembra. Mesmo sendo simples, o local fez muito por Rogério, que trabalhava pela manhã, fazia curso de escoteiro à tarde e estudava à noite. O jovem começou a frequentar a igreja evangélica e gostava.
Em sua adolescência, chegou a ser adotado duas vezes, mas não se acostumou com a rotina da primeira família e enfrentou o ciúme das filhas biológicas da segunda. Nos dois casos, ele que não quis ficar. Decisão da qual jura não se arrepender.No segundo orfanato, faltando oito meses para completar 18 anos, Rogério fez amizade com um interno que o convenceu a fugir. “Ele disse que poderíamos ficar na casa dele, contou algumas mentiras. Ao chegar no lugar, vi que era uma favela. Aí eu entrei pro crime mais forte: me juntei a uma quadrilha organizada. Assaltava pedestres, casas, lojas, tudo armado”, relata.
Ele saiu da casa do “amigo” e mudou-se para um barraco. A quadrilha determinava quando cada integrante agia. Barba tinha dias e horários para assaltar: segundas, quartas e sextas. Em uma madrugada, saiu para roubar com um comparsa e acabaram abordando um policial, que disparou seis tiros em sua direção. Uma das balas atravessou suas nádegas e abriu quatro buracos. Por pouco não atingiu a coluna vertebral.
“Corri uns 500 metros e só conseguia pensar no meu arrependimento. Essa vida não era pra mim. Fiquei com medo, não vou mentir. Não queria morrer e entendi como um sinal de Deus para que eu saísse do mundo do crime. Eu não era aquilo”, conta.
Rogério voltou ao orfanato para buscar seus documentos, teve apoio para conseguir um emprego como ajudante de pedreiro e chegou a morar na obra.
Ouviu na programação de uma rádio que precisavam de operador de som, se candidatou para a vaga e conseguiu. Morava em um lugar cedido pela empresa e estava ganhando um bom dinheiro. Nos eventos em que trabalhava, acabou conhecendo a cocaína. Entrou com tudo na droga e no álcool, não demorou a perder o emprego.
Nessa época, ele começou sua trajetória como morador de rua e conheceu o crack. “Era mendigo mesmo. Afundado nas drogas, todo dinheiro que conseguia pedindo ia pra isso. Fui pra Uberlândia (MG), Goiânia (GO) e, em 2010, acabei chegando a Brasília”, relembra Barba.
Ele fez da Praça do Relógio, em Taguatinga, sua nova morada. Lá, Rogério descobriu que as pessoas daqui dão boas esmolas – ganhava de R$ 180 a R$ 300 por dia. Depois foi para o Plano Piloto, Setor Comercial, onde se afundou de vez no vício. Comia restos do lixo, já foi parar no hospital por infecção alimentar, levou pauladas em brigas com outros indigentes e até uma facada, que quase resultou na perda de uma das mãos.
Foram 12 internações fracassadas ao longo da vida. No Buraco do Tatu conheceu o trabalho da ONG Futuro e Esperança e ali encontrou amigos. Eles nunca forçaram a barra para que ele tentasse uma nova internação, apenas ajudavam-no com comida e roupas limpas. Em 2014, ele resolveu buscar ajuda.
“Liguei para a Elvira Batista – a quem eu chamo de mãe – da ONG e sai da rua às duas horas da manhã muito louco de crack, de cachaça, direto para uma casa de recuperação”, relembra.
Não foi fácil, ele pensou em desistir diversas vezes. Em uma ocasião, fez Elvira chorar ao dizer que não ficaria mais na clínica. Pela primeira vez na vida alguém chorou por Rogério Soares de Araújo e ele se sentiu valorizado, amado.
“Fiquei quase dois anos na casa de recuperação. Elvira nunca deixou de me visitar, finalmente eu recebia visitas. Eu não tinha dentes e ela ajudou para que eu colocasse próteses, buscou meus documentos em São Paulo, fez tudo por mim”, diz, agradecido.
Rogério começou a estudar e conheceu a revista Traços, que apoia moradores de rua e os emprega como vendedores, por meio do Centro para Pessoas em Situação de Rua (POP). Ele acreditou no projeto e virou agente social para o mercado de trabalho na publicação, ajudando a trazer novos trabalhadores para o grupo. Atualmente, tem a carteira de trabalho assinada pela empresa.
Rogério também apresenta um programa na TV Comunitária de Brasília. Atualmente, cursa a 7ª e a 8ª série pelo EJA – Educação para Jovens e Adultos – e tem planos de cursar Assistência Social. Há três anos longe das drogas e do álcool, ele tem certeza de que nunca mais quer voltar para a vida antiga.
Sobre o futuro, nem pensa antes de responder: “Quero ter uma casa modelo para receber moradores de rua e tratar todo mundo com dignidade. Meu prazer está em atender à rua, sou casado com ela. Acredito em Deus, mas é preciso lutar para crescer cada vez mais”, diz, confiante.