Modelo brasiliense de 16 anos mobiliza comunidade na luta contra o câncer
Natasha Ferreira fez cirurgia para remover tumores do ovário e, agora, conta com a solidariedade para dar sequência ao tratamento
atualizado
Compartilhar notícia
A vida de Natasha Ferreira, de 16 anos, parou em 2020, e não apenas por causa da pandemia do novo coronavírus. Em março, mesmo mês em que o Brasil adotou a quarentena, a jovem brasiliense começou a sentir dores na região abdominal. Com medo de enfrentar um hospital lotado e contrair a Covid-19, ela e os pais preferiram esperar a agonia, encarada como uma simples dor estomacal, passar naturalmente.
Foi apenas em julho, com a barriga já inchada, que ela e os tutores decidiram procurar ajuda e, enfim, descobriram o que a afligia: câncer de ovário.
A doença – que, para muitos, ainda soa como sentença de morte – já tinha acometido parentes de Natasha em outras partes do corpo, mas não em tão tenra idade.
“Tudo aconteceu muito rápido. Recebi o diagnóstico em 23 de julho e, no dia seguinte, já fiz cirurgia de retirada dos tumores, que também me levou uma trompa, um ovário e parte do intestino”, lembra a adolescente. Por sorte, o estágio avançado da doença não a arrancou, também, a capacidade de ser mãe.
Menos de um mês depois do procedimento, o tratamento com quimioterapia foi iniciado, no Hospital da Criança. “Dez dias depois da primeira sessão, perdi o cabelo. De início, abandonei os fios compridos e escolhi um corte no estilo bob, mas não foi o suficiente. Precisei raspar”, lamenta.
Com ajuda da mãe, que é cabeleireira, ela cessou a tortura de ver fio por fio cair ao chão. “Foi a parte mais sensível do tratamento, porque, além de vaidosa, sou modelo. Meu cabelo sempre significou muito para mim”, desabafa.
Inspirada por brasileiras que ganham o mundo das passarelas e transformam a realidade financeira de suas famílias, Natasha sempre desejou modelar e, aos 14 anos, deu o primeiro passo rumo a concretização desse sonho.
A jovem entrou para uma agência de modelos e, agora, ostenta diversos desfiles e campanhas no portfólio. A comunidade de moda de Brasília, inclusive, abraçou a causa da adolescente.
Campanha solidária
Agências e colegas de profissão compartilham nas redes sociais uma campanha de ajuda a Natasha. Apesar de receber tratamento em hospital público, a brasiliense precisa de verba para arcar com os custos de sua nova alimentação, diferenciada devido à retirada do pedaço do intestino na cirurgia contra o câncer.
Com a mãe desempregada e o salário de técnico de segurança do pai como única fonte de renda da família, a brasiliense conta com o apoio de pessoas para bancar a dieta, até que o seu órgão se recupere. A ajuda pode ser feita através de vaquinha on-line, criada por um dos quatro irmãos de Natasha.
“Sei que estamos em tempos difíceis para todos, mas qualquer quantia é bem-vinda”, diz trecho da campanha de arrecadação.
É falando sobre o apoio que vem recebendo, aliás, que a modelo se emociona. Ela, que se manteve firme e até sorridente durante toda a entrevista, mesmo ao lembrar da cirurgia e da queda capilar, caiu em lágrimas ao descrever como a dor da luta tem sido amenizada com tamanho carinho.
“Ver as pessoas se mobilizando para viabilizar a minha recuperação me deixa sem palavras. Receber mensagens carinhosas e de fé, também”, afirma.
Questionada sobre o que a mantém forte além do afeto, ela diz: “No hospital, vejo crianças bem menores que eu lutando pela vida, sempre com um sorriso no rosto. Não me sinto no direito de reclamar. Apenas me agarro na esperança de dias melhores”.
Relação com a vaidade
Fora a queda capilar, Natasha teve a autoestima abalada pelas cicatrizes da cirurgia de remoção dos tumores. “Pegam boa parte da barriga”, conta.
As marcas fizeram a brasiliense desacreditar de um futuro no mundo da moda. “Cheguei a pensar ser o fim da minha carreira, que estava apenas começando a decolar, mas lembrei como a indústria está mais inclusiva e passei a me inspirar em modelos fora do padrão”, comenta.
Ela tem como inspiração Larissa Sampaio, brasiliense com vitiligo que teve história contada pelo Metrópoles, e a curitibana Giulia Dias, que carrega cicatrizes no rosto de um acidente de trânsito.
No início de 2021, data prevista para o fim da quimioterapia, Natasha planeja recomeçar a vida de onde parou. Quer voltar a trabalhar em frente as câmeras e retomar os estudos do Ensino Médio.
Ver essa foto no Instagram
Diagnóstico tardio
Em levantamento recente, a empresa de consultoria Boston Consulting Group (BCG) revelou que o número de consultas médicas eletivas no Brasil caiu 80% nos últimos meses devido ao receio de contaminação pelo coronavírus. Já as demandas por cirurgias e exames clínicos tiveram retração de 50% e 70%, respectivamente.
A crise gerada pela Covid-19 fez com que prestadores de serviços de saúde até adotassem novos métodos de atendimento, como as consultas virtuais. O problema é que, como qualquer novidade, esses métodos levarão tempo para serem abraçados completamente pela população e, enquanto isso, a saúde de todos corre risco.
A mãe de Natasha, Maria José Ferreira, faz um alerta aos pais nesse sentido: “Não subestimem as dores de seus filhos. Levem-os ao médico, mesmo em meio ao surto de Covid”.
A jovem paciente, aliás, chegou a contrair o vírus em uma de suas passagens pelo hospital, mas não contaminou outros membros da família e teve boa recuperação.
A hematologista Isis Magalhães, coordenadora do setor de oncologia e hematologia do Hospital da Criança de Brasília José Alencar, acompanha de perto o caso de Natasha. Ela ressalta que “a maior arma contra o câncer pediátrico é o diagnostico precoce”.
A médica detalha a incidência desse tipo de tumor em jovens. “De maneira geral, o câncer é raro em crianças. O dessa região do corpo, chamado de tumor de células germinativas, ocupa a quinta posição do ranking de mais frequentes. A boa notícia é que, por ser jovem, o corpo de Natasha reage muito bem a quimioterapia. A chance de cura dela é mais significativa do que a de um adulto, por exemplo”, destaca.
Isis ainda comenta sobre o atendimento em tempos de Covid-19. “É um grande desafio, mas não fechamos as portas. Pelo contrário. Passamos a receber pacientes de outras regiões em que o tratamento havia sido interrompido. Entre nossas medidas de segurança, claro, estão o isolamento de pessoas contaminadas e o uso de equipamento de proteção. O serviço de saúde não pode parar”, finaliza.