“Meu pai foi assassinado pelo ex da namorada dele”, conta advogada
Bárbara Fiuza Caputo tinha apenas 16 anos quando se tornou mais uma vítima da violência. O feminicídio seguido de homicídio marcou sua vida
atualizado
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“Meu pai sempre foi muito presente e participativo. Ele se achava um garotão. Colocou saia em seu carro, tinha caixas de som potentes, aerofólio, tudo que tinha direito. Quando saíamos juntos e perguntavam se eu era a irmã mais nova, ele ficava se achando.
Nos dávamos muito bem. Por isso, após o divórcio da minha mãe, fomos morar juntos na casa dos meus avós.
No seu último ano de vida, começamos a nos estranhar. Estava com 16 anos, tinha tido um ano difícil, não queria estudar e acabei sendo reprovada. Para piorar, ele ainda tinha arrumado uma nova namorada: a Márcia, de 31 anos, servidora do TJDFT. Vou ser sincera, não gostava muito dela. Na verdade era ciúmes. Ela consumia o tempo do meu pai – o meu tempo com ele.
Por não estar em uma fase boa, achava que não era o momento dele estar começando algo com alguém. Uma semana antes do crime, conversamos e avisei que iria morar com a minha mãe.No dia 9 de março de 2005, meu pai recebeu uma ligação do ex-namorado da Márcia e saiu correndo para o apartamento dela, na 714 norte. Foi recebido com oito tiros e morreu na hora.
A perícia encontrou o carro do meu pai ligado, com a chave na ignição e a porta do motorista aberta. Não sabemos o que o assassino falou durante a ligação, mas para os investigadores esse sinais indicam desespero e pressa.
Marcio Rogério não aceitava o fim do relacionamento. Era concursado do Tribunal de Contas da União, no cargo de técnico de controle externo. Saiu de casa aquele dia e tocou o interfone do prédio dela, em outro apartamento, se passando por um morador que havia esquecido as chaves.
De acordo com a perícia e relatos de vizinhos, depois de atirar em meu pai, ele disparou algumas vezes contra Márcia e fugiu. Ela chegou a ser atendida com vida pelos bombeiros, mas não resistiu aos ferimentos. Márcio dirigiu até um motel da cidade e se matou. O corpo dele, juntamente com a arma usada no crime, foi encontrado no dia seguinte pelos funcionários do local.
O assassino havia grampeado todo o apartamento da ex-namorada e já estava fazendo ameaças. Uma amiga da família trabalhava na Delegacia da Mulher e nos contou que meu pai e a namorada a procuraram para se informar melhor sobre medidas protetivas. O caso aconteceu antes da aprovação da Lei Maria da Penha. Na época, ninguém falava muito disso.
Lembro, como se fosse hoje, quando me contaram a notícia. Estava no psicólogo e meu tio ligou para a minha mãe. Ao chegar na casa dos meus avós, minha avó veio correndo para me contar que, no café da manhã, ele havia dito que estava com muitas saudades de mim. Queria me procurar para pedir desculpas e perguntar se eu não voltaria a morar com ele.
Marcio destruiu três famílias: a nossa, a da Márcia – ela deixou uma filha – e a dele, que também deve ter sofrido muito com tudo isso. Foram três vítimas, porque, no fim, ele também foi uma vítima dos próprios atos.
O fato de ele ter tirado a própria vida me reconforta. Porque nenhuma pena seria suficiente para nos dar justiça. Não sei explicar o motivo, mas até hoje tenho guardados os jornais com as notícias do crime. Na época, estava no primeiro ano, e em todas as redações e trabalhos da escola o tema era assassinato.
Até hoje é difícil cair a ficha. Me afastei bastante da igreja e me perguntava: ‘Caramba, Deus, por quê? Por que comigo? Por que dessa forma?’. A gente perde muito a fé nas coisas. Nunca esperamos que algo ruim vá se passar com pessoas próximas. Quando acontece, pensamos: ‘Eita, realmente é possível’.
Reconstruir a vida é difícil. Carregava culpa por estar brigada com ele quando aconteceu, meu irmão faz aniversário no mesmo dia do meu pai e passamos um tempo sem comemorar. Mas o Bernardo foi um presente na vida dele, por isso devemos celebrar. Só há alguns anos estou mais leve com tudo isso.
Meu pai foi um homem incrível e graças a Deus foi um pai presente, muita gente não teve a mesma sorte. No ano passado, no aniversário de morte, levei balões ao túmulo dele. Era dia de festejar. Seria egoísmo meu não querer vê-lo em um lugar melhor. Sei que ele está nessa imensidão chamada céu.
A lição? Não existem segundas chances. Eu não tive uma. A vida passa. Por ter vivido isso, hoje sou intensa. Se quero fazer alguma coisa, faço. Às vezes é bom, às vezes é ruim, mas assim sigo.
Formei-me em Direito querendo continuar os passos dele. Depois me apaixonei pela gastronomia e me entreguei, porque ele também amava cozinhar. Traço meu caminho querendo sempre fazer o que ele gostava também.”
Bárbara Fiuza Caputo em depoimento a Bruna Sabarense