Iniciativas se unem para ampliar representação das mulheres nas eleições
Movimentos se organizam para impulsionar candidaturas de mulheres e promover um modelo político mais democrático
atualizado
Compartilhar notícia
Apesar de 52% do eleitorado brasileiro ser formado por mulheres, o país tem um dos piores desempenhos em relação à participação feminina na política da América Latina. O dado é de um estudo realizado pela ONU Mulheres e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Entre 11 países analisados, o Brasil ocupa a 9ª posição, quando observadas questões como paridade de gênero e representatividade da mulher nos poderes.
Segundo a cientista política e pesquisadora Noemi Araújo, o impacto dessa disparidade nas políticas públicas é enorme – e problemático. Isso porque a identidade de quem governa tem um efeito direto sobre o tipo de iniciativas que serão implementadas.
“Quando falamos que o perfil do político brasileiro é o homem, hétero, branco, de meia idade com alto poder aquisitivo, fica claro que ele não é o mesmo perfil da população brasileira. E esse político tem a tendência de defender os interesses do próprio grupo, da bolha de que faz parte”, explica. “Enquanto quando se tem mulheres nesse ambiente de tomadas de decisão — negras, indígenas, da direita, da esquerda, jovens ou mais velhas — naturalmente você amplia o leque de possibilidades, para criar políticas públicas que atendam toda a sociedade”, complementa Noemi.
Com o objetivo de ajudar a construir um modelo mais democrático, iniciativas como o Elas no Poder, do qual Noemi faz parte, vem se multiplicando Brasil afora. O projeto com DNA brasiliense nasceu em 2018, a partir da compreensão acerca das barreiras que as mulheres enfrentam e do desejo de ajudar a superá-las.
A ideia é alavancar as candidaturas femininas por meio suporte logístico com cursos, mentorias, cartilhas, vídeo-aulas, exemplos de estratégias bem sucedidas e documentos pré-moldados, como planilhas de orçamento.
De olho nas eleições municipais deste ano, o projeto também abraçou a campanha #VemVoteEmMulheres, coordenada em parceria com as iniciativas Engaja Mundo, Vamos Juntas Na Política e Vote Nelas. “Nossa atuação é muito focada nesses encontros dentro do setor público, privado e do terceiro setor. Não só no sentido financeiro, mas de troca de conhecimento, de apoio moral, de construção de algum projeto em si”, explica a porta-voz.
Por mais mulheres eleitas nas eleições municipais de 2020
Como a dinâmica está ancorada no meio digital, é difícil mensurar a quantidade de mulheres que já foram alcançadas pelo Elas no Poder. Ainda assim, a expectativa é que o trabalho desenvolvido possa apresentar seus primeiros resultados já este ano.
Nas últimas eleições municipais, em 2016, 25% dos municípios brasileiros não elegeram sequer uma mulher vereadora. Menos de 14% dos vereadores eleitos naquele ano eram mulheres.
Perfil das Prefeitas no Brasil (2017-2020), do Instituto Alziras, com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
“A nossa esperança é de que mais mulheres sejam eleitas este ano, sim. Tivemos um aumento, pequeno ainda, no número de candidaturas. E isso, tenho certeza, que é graças a esses movimentos, ao impulsionamento que gente tem feito, para que mais mulheres acreditem no seu potencial, sejam capacitadas, tenham chances reais e ocupem esse espaço”, destaca Noemi.
O caminho a ser percorrido é longo e cheio de obstáculos, mas a ideia é acelerar o processo, “descruzando os braços”. “Se mantivermos o ritmo, estudos apontam que só conseguiremos ter uma paridade de gênero na política em 2080. Não podemos esperar até lá”, pontua.
“A questão é que isso não depende só de nós, mulheres, mas de todo um sistema político que ainda é muito machista, racista e desigual. Então, muitas candidatas, infelizmente, mesmo depois de se registrarem, acabam desistindo. Por falta de incentivo da família e do partido, de apoio financeiro, de instrução ou até mesmo da violência política”, completa Noemi.
Violência política
Essa violência mencionada pela cientista política é objeto de atuação de outro projeto, nascido em São Paulo. Iniciativa inédita na política nacional, o Escuta Candidata oferece espaços de acolhimento para as mulheres que estão se candidatando às eleições em todo o Brasil — especialmente negras e LBTI+.
“Acreditamos que, com o aumento do número de candidaturas femininas e plurais, vai haver mais diversidade. Mas, para atingir esse superobjetivo, as mulheres enfrentam um percurso de muito sofrimento e desgaste emocional”, explica Brenda Amaral, uma das voluntárias da ação.
Embora as disputas políticas gerem hostilidade entre adversários, ela destaca que a violência a qual a mulher está submetida tem uma série de particularidades. “É uma violência que ataca a existência da pessoa e não só a carreira dela, a posição política. O buraco de críticas e ofensas no caso de uma mulher é muito mais embaixo.”
Ela cita o exemplo de uma candidata paulista que teve um vídeo dançando funk vazado nas redes sociais. “Ela foi atacada sexualmente. Depois, viralizaram fotos da lua de mel dela em Cuba, para associá-la ao comunismo. A circulação desse tipo de conteúdo abala emocionalmente. Foi pensando nisso que chegamos com o Escuta Candidata”.
A equipe é toda formada por mulheres e os atendimentos, gratuitos, não só para as candidatas, como também para toda a rede que viabiliza a corrida eleitoral, como assessoras, chefes de campanha, comunicólogas e toda a rede que viabiliza a corrida eleitoral.
A prioridade, no entanto, são mulheres negras e LBTI+.”É uma parcela mais vulnerável, cujos corpos já sobrevivem a muitas violências, diariamente, agora levada para o contexto das eleições”, diz.
O projeto arrecadou mais de R$ 88 mil em um bem-sucedido financiamento coletivo, que só comprova a urgência do tema. “Muitas vezes, o que a mulher precisa é ser escutada também. De um espaço de acolhimento, empatia, que possam lhe proporcionar estrutura psíquica e emocional para transformar desgaste em luta”, conclui Brenda.