Influenciadores indígenas usam redes para mudar visões preconceituosas
Cada vez mais indígenas, em sua maioria jovens, ocupam espaço na web e na mídia para dar voz às suas identidade e dissipar preconceitos
atualizado
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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui mais de 300 etnias indígenas, que se expressam por meio de 274 línguas distintas. Toda essa diversidade sociocultural, no entanto, é desconhecida ou ignorada por parte significativa da população. Uma problemática que jovens indígenas têm tentado mudar nas redes sociais, dando visibilidade às suas pautas e desconstruindo preconceitos que perduram por 520 anos.
Com milhares de seguidores em redes como o Instagram, Twitter, Facebook, YouTube e TikTok esses novos influenciadores usam o engajamento conquistado organicamente para debater a situação de seus povos diante da pandemia de Covid-19, chamar atenção para a produção cultural das comunidades, debater questões de gênero e sexualidade ou derrubar estigmas de forma bem-humorada.
Arte e ativismo
Os perfis mantidos por Daiara Tukano, integrante do povo Tukano, têm se destacado nesse sentido. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB), feminista, artista plástica e correspondente da Rádio Yandê, ela vê na comunicação via redes sociais, uma forma de dissipar ignorâncias acerca da contemporaneidade indígena e tornar esses espaços mais representativos.
“A ignorância sobre a nossa cultura ainda é sistêmia, estrutural e incentivada. A gente vive em um país extretamente racista e preconceituoso com os povos indígenas. Não existe representatividade de artistas, pensadores, personas públicas, a não ser quando você tem algum destaque político, como a Sônia Guajajara“, exemplifica. “A nova geração tem usado muito as redes sociais pra abrir espaço pra isso”, emenda a influnciadora.
Hoje com quase 20 mil seguidores no Instagram, ela acredita que o maior desafio dos jovens que se dedicam a essa conscientização na web é mostrar que essas comunidades são bastante diferentes do imaginário brasileiro. O termo índio, aliás, é usado até hoje, mas tido como inadequado pelos próprios indígenas, por ser considerado genérico e uma herança da colonização.
“A gente ouve bastante discursos que insistem em colocar os indígenas nesse lugar de ancestralidade, o que é um movimento perigoso e preconceituoso também”, ressalta Daiara. “Tem melhorado um pouco, mas é mais uma vez pelo nosso esforço de ocupar e utilizar essas ferramentas para dinamizar a comunicação. Até porque essa interação sempre intermediada por uma pessoa branca já não faz sentindo nenhum, está ultrapassada”, complementa.
Bom humor
O estudante de medicina da UnB, Elison Edilson Santos da Silva, da etnias Pipipã e Pankará, criou a página Indígena Memes para abordar, de forma bem-humorada, assuntos que vão da demarcação das terras indígenas a estereótipos primitivos, ainda associados às comunidades tradicionais. Entre eles, que todos os indígenas vivem em ocas e tribos, andam pelados ou não podem ter acesso à tecnologia.
“Sempre disseram que eu era bem-humorado e eu não via esse tipo de conteúdo voltado para os nossos povos, nossas questões. A página nasceu principalmente para fazer nossos parentes rirem”, destaca Elison.
Apesar do foco nos próprios pares, o perfil cresceu organicamente e conta, atualmente, com mais de 3 mil seguidores. Muitos sem ligação com nenhuma etnia indígena. “As pessoas têm muito pouco conhecimento sobre a nossa cultura e isso fica claro quando levanto discussões sobre o conceito de tribo e o termo índio, por exemplo. Por isso, acho que nossa presença tem um caráter educativo”, diz.
Debates sobre sexualidade e gênero
O preconceito e a violência contra LGBTQs também costumam ser questões pouco exploradas no contexto indígena. Para preencher essa lacuna por representantividade — que atinge tanto quem está nas aldeias e não tem modelos nos quais se espelhar, como os que vivem nas cidades, pressionados por estereótipos em que não se encaixam — nasceu o coletivo Tibira, responsável pelo perfil Indígenas LGBTQs.
A ideia, segundo Tanaíra Silva Sobrinho, uma das idealizadoras, é explorar temáticas que envolvem afeto, desejo e performance de gênero, na realidade indígena.
“Sou do povo Terena, lésbica e pesquisadora de sexualidade. Sempre observei essa falta de material que dialoga com a temática, porque a construção do povo indígena ainda é ancorado numa perspectiva colonial. Aquele indígena de 1500, guerreiro, selvagem. Ou então sob aquele olhar literário de José de Alencar, com Iracema. Mas a verdade é que existem varios povos, pontos de vista e modos diferentes de viver a sexualidade nas comunidades”, explica Tanaíra.
Apesar de ser um coletivo novo, o objetivo tem sido atingido com êxito. Em pouco mais de um ano de existência, o grupo já conseguiu chamar atenção da grande mídia e ver alguns de seus representantes estampar revistas como a Vogue e a Quem.
“A gente vê essa presença nas redes e na mídia de forma muito positiva. É um sinal de que estamos conseguindo alcançar outros espaços, outras pessoas, contar nossa narrativa, historicamente apagada, por meio da nossa própria voz. Dando visibilidade às questão de gênero e sexualidade, principalmente agora, nessa conjuntura política em que os indígenas têm sido tão atacados”, defende Tanaíra.
Para dar follow
Além de Daiara, Elison e o coletivo Tibira, a qual Tanaíra representa, há muitos outros perfis para seguir e conhecer mais sobre a cultura índígena. O Metrópoles selecionou a cinco deles para dar follow já. Contudo, não se limite. Há muito mais para descobrir sobre a diversidade do país nas redes. Confira: