Inclusão: os influencers com deficiência que transformaram a web
Conheça a geração de influencers que compartilha informações para pessoas com deficiência e luta por mais acessibilidade nas mídias digitais
atualizado
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Mais que democratizar o acesso à informação, estreitar laços entre pessoas e proporcionar o debate de pautas até então pouco abordadas pela mídia tradicional, as redes sociais incorporaram uma série de rotinas à vida dos jovens, sobretudo à geração millennial. De gestos banais, como registrar o café da manhã no Instagram, curtir e comentar um post que surgiu no feed e até se informar por meio de vídeos publicados nas redes sociais. Ações que se tornaram automáticas para quem vive conectado, mas ainda desafiadoras para parte considerável da população: as pessoas com deficiência.
A questão colocou jovens dentro dessa parcela da sociedade frente a um importante desafio: transformar as redes sociais em espaços mais inclusivos, acessíveis e representativos. O movimento humaniza as interações virtuais, mas ainda encontra uma série de obstáculos para se tornar, de fato, efetivo. Basta pensar em quantas vezes você, usuário do Facebook e Instagram, publicou algo nas redes sociais com uma descrição para pessoas cegas, por exemplo.
Aos 27 anos, a carioca Nathalia Santos é um dos nomes mais importantes dessa corrente. Portadora de retinose pigmentar, doença que causa a degeneração na retina, ela ficou completamente cega aos 15 anos. A condição, no entanto, não a impediu de trabalhar como apresentadora de uma atração da TV Globo, tornar-se a primeira da família a se formar na faculdade e ser considerada pela revista Vogue uma das mulheres negras mais influentes do país.
Com mais de 40 mil seguidores no Instagram e 8 mil inscritos em seu canal no Youtube, Nathalia também dedica parte de seu tempo a responder seguidores, mostrar sua rotina e desconstruir o estigma de que pessoas cegas não podem usar as redes sociais.
Em entrevista ao Metrópoles, ela afirma que esse preconceito é um dos maiores entraves para a inclusão plena de pessoas com deficiência.
“Ao colocar um site no ar, você pode escolher se ele será acessível ou não. A maioria das pessoas sequer pensa nisso, porque acha que todo mundo que está do outro lado é igual. Quando não se considera as particularidades das pessoas, quem está à margem fica de fora. Não só no caso da deficiência visual”, pontua a influenciadora.
“A internet é a plataforma mais acessível dos últimos tempos, mas o conteúdo que vai para ela, não é. Por exemplo: embora eu consiga saber o que as pessoas escrevem no feed, por meio de uma função do próprio Instagram, não consigo saber o que tem na foto porque poucas pessoas usam a legenda #PraCegoVer. Vejo que minha autonomia está cada vez mais limitada porque as pessoas não produzem conteúdo acessível”, continua.
Como assim, cega?
A ideia de criar um canal no Youtube e alimentar o Instagram com conteúdo acessível surgiu para que a jornalista pudesse responder, de uma só vez, várias dúvidas que chegavam ao seu inbox. “Queriam entender como eu fazia as coisas, como foi a minha vida escolar, como eu usava o telefone, escolhia roupa, trabalhava, que tipo de telefone usava…”, elenca. “Comecei com o intuito de ajudar”, acrescenta.
Apesar da projeção que obteve com o trabalho na TV e nas redes sociais, a jovem carioca pretende continuar dando suporte a todas as pessoas com deficiência que lhe procuram nas redes sociais. Inclusive sobre maternidade, já que será mãe nos próximos meses.
“Se temos vontade de mudar, de ajudar o próximo, conseguimos. É só buscar conhecimento e ferramentas adequadas. Mas, se você já é uma pessoa influente, pode dar o primeiro passo. Partindo do indivíduo, o coletivo se beneficia”.
Popularizando a Língua Brasileira de Sinais
Apesar de não portar nenhuma deficiência, o cearense radicado em Brasília Danilo Castro tem chamado atenção no Instagram por apresentar músicas famosas a pessoas surdas por meio de Libras. Filho de pai e mãe surdos, ele explica que é um caso de CoDA, sigla para Children of Deaf Adults ou, na tradução, filhos de adultos surdos. A condição o colocou em uma fronteira linguística entre o código brasileiro de sinais e o português.
“Aprendi Libras de forma completamente natural. Nós, que somos CoDA, não sabemos explicar em que momento aprendemos a nos expressar por sinais e pela fala. É minha língua nativa e me sinto completamente privilegiado por essa condição. Ter sido criado em um ambiente bilíngue me faz ter mais empatia diante das relações sociais no mundo”, salienta o jovem, mestre em artes cênicas.
Ele menciona o trabalho do irmão, o cantor Assun, para exemplificar o compromisso de pessoas que convivem tão de perto com a deficiência auditiva. “Ele coloca Libras não como uma tradução, mas como língua oficial do clipe, fazendo parte da poética visual”, diz.
Danilo explica, contudo, que não é preciso ter contato com a deficiência para se preocupar com o tema. “A internet te dá todas as ferramentas. Falta interesse e sensibilidade coletiva para lidar com essas pautas. Como sigo muitos canais que são vinculados aos direitos humanos, vejo que essa preocupação se tornou mais evidente. Porém, ainda tem muito influenciador, gente com milhões de seguidores, que não se esforça nem um pouco para produzir materiais acessíveis e inclusivos.”
Mesmo sem intenção de se tornar um influenciador digital, a coreografia de Amor de Quê interpretada por ele já foi vista por mais de 300 mil pessoas e amplamente compartilhada nas redes sociais – inclusive por pessoas que não tem nenhuma limitação motora ou intelectual.
“Conteúdos acessíveis deixam tudo mais intuitivo, objetivo, simples, além de facilitar os processos de comunicação.”
Tutoriais de maquiagem acessíveis
Os tutoriais de maquiagem estão entre os conteúdos com mais engajamento das redes sociais. Com quantos deles, em libras, você já se deparou no ambiente on-line?
Para preencher essa e outras lacunas, a drag queen surda Kitana Dreams lançou seu perfil nas redes sociais. Neles, ela trata de questões que interessam à comunidade surda, fala sobre inclusão de pessoas com deficiência auditiva e LGBTs na sociedade, entrevista convidados e dá dicas de beleza e maquiagem.
“Criei o canal para me sentir parte da sociedade, mas a coisa foi tomando outro rumo. As pessoas gostaram e se apaixonaram pela Kitana. Nunca mais parei”, conta, em entrevista ao portal.
Para atuar nas redes, ela tem apoio do marido, responsável pela montagem do cenário e textos, e uma amiga que a ajuda a gravar. A montagem, edição e legendas em português são produzidas pela própria Kitana.
“A internet é um meio de comunicação importante para nós, para interagirmos com o mundo. Mas há, sim, obstáculos como a ausência de intérpretes e legendas para vídeos no Youtube”, exemplifica.
Primeira influenciadora down do mundo é brasileira
A baiana Cacai Bauer, de 25 anos, é considerada a primeira influenciadora digital com Síndrome de Down no mundo. Com quase 65 mil seguidores do Instagram, ela mostra que a vida dos deficientes é como qualquer outra: feita de “desafios e oportunidades”. E usa as redes sociais para galgar o sonho de se tornar estrela de TV ou de cinema.
“A ideia é mostrar para as pessoas a rotina normal de uma pessoa com deficiência, e conscientizar o mundo que temos voz e somos capazes. Só precisamos de oportunidades”, defende.
Irreverente e bem-humorada, ela grava vídeos em que responde perguntas dos seguidores, mostra presentes recebidos por marcas parceiras, divide sua história e faz dublagens com paródias divertidas de funks.
“Acho que ainda falta um pouco de reconhecimento do trabalho desempenhado por alguns PCDs e as funções de acessibilidade ainda precisam melhorar. No entanto, a internet nos tornou visíveis para o mundo. Fico feliz e honrada com cada mensagem que chega dos seguidores”, finaliza.