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Gay conta emoção de doar sangue pela 1ª vez: “Misto de sentimentos”

Após tentativas frustradas de exercer esse ato de solidariedade, Hugo Virgilio celebra o direito conquistado e detalha momento histórico

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Doação de sangue no Hemocentro
1 de 1 Doação de sangue no Hemocentro - Foto: Instagram/Reprodução

Hugo Virgilio, de 22 anos, reconheceu cedo na vida a importância da doação de sangue. Quando criança, o jovem morador de Brasília precisou operar o estômago e ficou à mercê de uma transfusão para sobreviver. O desejo de retribuir esse mais puro ato de generosidade, desde então, pulsava forte no peito do estudante de antropologia. Sempre que tentava, no entanto, ele – como tantos outros homens do país – enfrentava preconceito e era considerado inapto a doar devido à sua orientação sexual: gay.

“Você praticou sexo com homens nos últimos 12 meses?”. Essa constrangedora pergunta, que por tantos anos impossibilitou doações e reforçou estigmas a respeito do estilo de vida da comunidade LGBT, foi finalmente retirada do questionário de hemocentros de todo o Brasil, oficialmente, na semana passada, devido a ofício do Ministério da Saúde.

Enfim, o estudante pôde realizar sua ansiada doação na Fundação Hemocentro de Brasília (FHB). Ele foi um dos primeiros a reivindicar esse novo direito e realizar o feito na capital.

Coincidentemente, esse parecer do Ministério ocorreu em junho, mês dedicado ao orgulho LGBT. E veio em boa hora. Devido à pandemia de coronavírus, os estoques de sangue estão sob alerta no país.

 

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Em cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal, a pergunta sobre homens que fizeram sexo com homens nos últimos doze meses foi excluída do questionário de triagem clínica. Dessa forma, homens gays com vida sexual ativa poderão doar sangue e serão submetidos à triagem clínica sem o item.⁣ ⁣ ? Para doar sangue, é preciso ter entre 16 e 69 anos, pesar mais de 51kg, estar saudável e apresentar documento oficial com foto. O candidato não pode estar em jejum, precisa estar bem alimentado, evitando alimentos gordurosos (leite e derivados, açaí, massas, chocolate, frituras, sorvete…) pelo menos três horas antes da doação.⁣ ⁣ ? Lembre-se de agendar o atendimento pelo telefone 160, opção 2, ou 0800 644 0160.

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Relato

“Quando descobri que poderia doar, senti um misto de sentimentos. Felicidade, justiça e, ao mesmo tempo, um tipo de incredulidade por esse tipo de processo só ter sido autorizado agora: já não era pra ser assim? Mas doar foi emocionante!”, revela Hugo.

Apesar de ter clara noção de seu novo direito, o estudante revela que, na hora da coleta, temia a todo instante que algo pudesse dar errado. “Estava muito nervoso. Achava que a qualquer momento alguém ia surgir e me proibir de doar. Só acreditei quando venci a triagem, terminei a coleta e o rapaz que me atendeu disse que eu podia ir embora, pois estava tudo certo”, conta.

Por já ter precisado de uma transfusão na infância, sempre sonhei em doar sangue

Hugo Virgilio, 22 anos

Ele diz que foi bem atendido e dá detalhes do processo. “Na triagem, não me fizeram nenhuma pergunta sobre a minha orientação sexual, apenas sobre relações sexuais em geral. A coleta é muito rápida, simples e não passa de 10 minutos”, descreve.

Por fim, ele reitera a importância dessa decisão para um caminhar mais igualitário da sociedade. “Já passamos da época de ver o LGBT como promíscuo. O gay é uma pessoa como outra qualquer, e é bizarro ter que dizer isso em pleno século 21”, desabafa.

“Temos muito a caminhar, mas é muito bom saber que estamos avançando, de maneira legal, justa, graças a uma série de movimentos LGBTs, com um apoio imenso da sociedade e de uma grande parte das entidades públicas, nacionais e internacionais.”

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Proibição simbólica

O jurista e ativista Júnior Reis foi peça-chave nessa vitória. Foi ele quem inspirou a batalha judicial que culminou na retirada dessa discriminatória proibição. Para o militante, essa liberação da doação de sangue por gays ativos no Brasil é um marco não apenas para a comunidade LGBT, mas para a história dos direitos humanos do país.

“Esse foi um passo extremamente importante. Essa proibição era muito simbólica. Nas estrelinhas, o Estado nos dizia que o nosso sangue valia menos do que o de outras pessoas”, avalia o profissional. 

Nos era negado o direito de ser solidário

Júnior Reis

“Vale ressaltar que essa vitória é ainda mais expressiva neste momento político em que vivemos, em que todas as batalhas LGBTs têm sido conquistadas por meio tão somente do poder judiciário”, emenda.

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Júnior Reis inspirou a ação vitoriosa sobre a pauta

O ativista diz que, apesar do direito concedido, muitos membros da comunidade ainda se sentem acuados de frequentar um banco de coleta. Esse receio, na percepção dele, é um reflexo dos tantos anos de preconceito.

“Os nossos direitos estão sendo conquistados, mas os traumas coletivos permanecem por algum um tempo. Por isso, é normal que membros da comunidade se sintam acanhados de praticar esse ato de altruísmo em um primeiro momento”, analisa.

Júnior, por sua vez, já tem visita marcada ao Hemocentro. “Irei no sábado (29/06), cerca de quatro anos depois de ter sido barrado na sala de triagem e meu relato ter inspirado o processo que saiu vitorioso“.

Em que a restrição se baseava?

O Brasil desperdiçava uma média de 18,9 milhões de litros de sangue por ano. O motivo? Discriminação. O número assustador vem de uma conta baseada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 101 milhões de homens no país, sendo 10,5 milhões homo ou bissexuais. Cada indivíduo pode doar até quatro vezes em um ano, com exceção desse grupo da população.

De acordo com trechos da portaria do Ministério da Saúde e da Anvisa, antes, homens gays só poderiam ser doadores se estiverem no mínimo há 12 meses sem manter relações sexuais. O órgão vinculado à pasta federal de saúde alega que, quando definiu esse conjunto de regras sanitárias, teve como prioridade a proteção dos receptores da transfusão de possíveis infecções.

Em anos anteriores, os tribunais superiores da Colômbia, Uruguai, Argentina, Portugal e Espanha já tinham declararam a inconstitucionalidade dessa proibição. Os países costumavam manter essa medida pela preocupação do surto do HIV, nos anos 1970 e 1980.

Decisão histórica 

Em maio, por 7 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional e discriminatória a determinação que proibia gays com vida sexual ativa de doarem sangue no país. O julgamento se arrastava desde 2016.

Apesar da recente decisão, homossexuais continuavam sendo barrados em hemocentros da federação. Foi preciso um ofício do Ministério da Saúde, com orientações a gestores estaduais do Sistema Único de Saúde (SUS), para tirar a determinação do papel e, enfim, permitir a doação de gays. Esse documento foi emitido pela pasta em 15 de maio. Na mesma data, a Anvisa também informou ter iniciado os procedimentos para cumprir a determinação.

A ação que saiu vencedora foi movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que alegava agressão à dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à igualdade, além da estigmatização dos homossexuais.

Válido ressaltar que o sangue doado por qualquer pessoa continua passando por análise criteriosa antes de ser direcionado a pacientes.

Metrópoles entrou em contato com a Fundação Hemocentro de Brasília para saber se o número de doadores aumentou desde a decisão. Em resposta, o FHB disse ainda não dispor dessa informação.

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