Faça as pazes com a sua idade e veja como envelhecer sem crises
É preciso aprofundar o debate sobre o medo do envelhecimento, desnaturalizar os preconceitos por idade e fazer as pazes com o espelho
atualizado
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Envelhecer é (ou ao menos deveria ser) um processo natural da vida – afinal, só não envelhece quem morre jovem, não é mesmo? O que se constata, porém, é um temor geral à ideia de somar anos à idade. O envelhecimento sempre foi visto como uma espécie de desvantagem da qual se deve fugir a todo custo, e a pandemia do novo coronavírus evidenciou ainda mais a velhofobia da sociedade.
Quem explica o termo é a escritora e antropóloga Mirian Goldenberg, professora titular do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), que estuda sobre envelhecimento há mais de 20 anos .
“Velhofobia, etarismo ou ageísmo é a discriminação e a violência generalizada contra pessoas mais velhas. Todo mundo tem medo e pânico de envelhecer, sobretudo aqui no Brasil, porque isso significa não só perder status e prestígio social, mas também se tornar invisível – não ser mais visto, ouvido, nem levado em conta”, explica.
Numa cultura em que envelhecer é uma espécie de morte simbólica, obviamente temos medo de envelhecer
Mirian Goldenberg
Segundo a antropóloga, discursos, tabus e estereótipos velhofóbicos identificam a pessoa mais velha como um ser inútil e inválido, o que legitima e perpetua um leque de violências simbólicas. “Esses estigmas prejudicam totalmente a saúde física e mental e a liberdade das pessoas velhas a viverem a própria vida. Chega uma fase em que se começa a perguntar: ‘Será que posso, será que não posso?’. Passamos a perder nossa autonomia de decidir o que realmente queremos. Os preconceitos nos obrigam a viver uma vida que não é a nossa e a nos transformarmos em pessoas que não somos”, reflete.
Fazendo as pazes com o tempo e o espelho
Enquanto fala ao telefone com o Metrópoles, de bermuda, chinela e uma invejável coleção de tatuagens pelo corpo, Alessandra Nahra demonstra ter alcançado a glória de se sentir confortável na própria pele apesar de números no RG. Mas nem sempre foi assim. Quando percebeu que estava adentrando as portas da meia idade, a jornalista e empreendedora gaúcha de 52 anos entrou em uma crise existencial. “Foi um certo choque, porque eu achava que estava ficando velha. Rolou um certo pavor. Passei um tempão sem querer dizer a idade que tinha. Quando fiz 50 anos, pensei: ‘É melhor ficar velha do que morrer, então vamos nessa'”, recorda.
Alessandra aceitou a impermancência das coisas, fez as pazes com o tempo, ressignificou o envelhecer, aprendeu a amar cada vez mais o que via no espelho e descobriu que é possível encontrar prazer, aprendizado e propósito em todas as fases da vida. “Continuo sendo eu. Não acho que, porque eu tenho 52 anos, eu tenho que mudar. Sou a mesma pessoa. Se buscamos viver uma boa vida, chegamos a essa fase com muito mais energia e curiosidade pelo mundo, ainda que o nosso corpo esteja mudando e isso cause certo estranhamento”, defende.
Para a empreendedora, é fundamental se manter ativa para que o corpo não envelheça antes da cabeça. Cultivar bons hábitos, como manter uma alimentação equilibrada, praticar hobbies , fazer exercícios físicos, estar constantemente em contato com a natureza e “construir um mundo interno saudável e rico” por meio de práticas meditativas, pode tornar o envelhecimento um processo mais leve, natural e tranquilo.
Uma bela velhice
Aos 69 anos, esbanjando charme, energia e bom-humor, Mercês Parente é o retrato perfeito da pessoa que aprendeu a viver uma bela velhice, pois, como ela mesma diz, “não preciso de rótulos.” A brasiliense pula carnaval fantasiada dos pés à cabeça, frequenta as baladas e inferninhos da cidade, toma seus porres e dança com amigos poetas nos barzinhos, paquera quando sente vontade, gosta de estudar Kama Sutra e tem um kit de sexy toys que tem feito boa e proveitosa companhia durante o isolamento, segundo ela.
Tenho rugas e marcas na pele – e não removeria nenhuma sequer do meu rosto. Se eu as removesse, estaria tirando um instante, um segundo, uma emoção que vivi
Mercês Parente
Para além de alguns olhares de censura e da necessidade de se adequar às expectativas impostas às pessoas da terceira idade, Mercês prefere se manter fiel a si e ao propósito de viver intensamente até o último dia. “O preconceito vai se agravando com o tempo, e não ligo, sempre fui desencanada. Sou contra esse conservadorismo hipócrita e estúpido que estão tentando reacender na sociedade”, afirma. “Tenho anos, mas não sou velha: eu vivo o momento, a emoção e os amores. A gente sabe que a morte vai chegar. Mas morrer por antecipação por causa do preconceito de envelhecer… Aí é um absurdo”, defende.
Envelhecendo sem crise
Para Goldenberg, o primeiro passo para um envelhecer sem crise é compreender que o rótulo da idade não deve determinar quem se é e o que se pode fazer. “Continuaremos amando, criando e aprendendo, independentemente dos nossos anos. Isso é importante: não nos aposentarmos de nós mesmos por causa da etiqueta da idade”, defende.
Por fim, é preciso buscar uma vida com significado, sem abdicar das vontades e projetos pessoais. “O mais importante é viver com propósito, ter amigos que nos apoiam e aprender a dizer não para os preconceitos e as violências. E sobretudo, viver o momento presente. Não ficar remoendo o passado, nem com grandes expectativas sobre o futuro. Viver plenamente o presente, um dia de cada vez. Acredito que esse seja o segredo para inventar uma boa velhice”, conclui.