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Eu vivi: “Varri salões de beleza e hoje tenho um negócio de sucesso”

Fátima Nery, 55 anos, ficou grávida aos 21 anos e se viu sozinha com a filha. Fez crochê para sobreviver, mudou para Brasília, onde começou a trabalhar em salões de beleza, fazendo faxina e servindo cafezinho. Aprendeu a fazer cabelo, entendeu o real significado da palavra “recomeço” e hoje é proprietária do famoso Fattinery. Ela contou a sua história ao Metrópoles

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Giovanna Bembom/Metrópoles
Brasília (DF), 04/08/2016Depoimento da Fátima NeryLocal: Setor Hoteleiro NorteFoto: Giovanna Bembom/Metrópoles
1 de 1 Brasília (DF), 04/08/2016Depoimento da Fátima NeryLocal: Setor Hoteleiro NorteFoto: Giovanna Bembom/Metrópoles - Foto: Giovanna Bembom/Metrópoles

“Era uma menina do interior, trabalhava na Telepar (Telecomunicações do Paraná) e conheci o pai da minha filha nesse trabalho. Namoramos uns sete meses e fiquei grávida na minha primeira vez, aos 21 anos. Naquela época isso era um escândalo, uma loucura. Meus pais, mais para dar uma resposta à sociedade, me obrigaram a casar e ir morar em Santa Catarina com o pai da minha filha.

Logo vi que as coisas não dariam certo. Sempre fui muito independente, comecei a trabalhar aos 14 anos, e ele não tinha uma vida financeira organizada. Eu não podia trabalhar, não tinha dinheiro e comecei a fazer crochê e vender para fora. Desenvolvi uma linha de sapatinhos e casaquetos, com esse dinheiro pude comprar o enxoval da Nicácia (hoje com 34 anos) e sobreviver. Quando ela nasceu, minha mãe foi visitar e ficou arrependida do que tinha feito. Me separei, foi um desgaste muito grande, pois fomos obrigados a ficar juntos, e voltei com ela para a casa dos meus pais.

Em 1983, meu pai, mãe e irmã estavam saindo do Paraná e indo para Brasília. Eles venderam tudo e fomos morar na Cidade Ocidental, onde meu tio já estava há um tempo. Na época, foi uma mudança muito drástica. Nossa cidade tinha tudo e quando chegamos aqui não era nada daquilo que imaginávamos. Minha filha estava com oito meses e levei uma carta de recomendação à Telebrasília, em busca de trabalho. Sempre tive o cabelo muito bem arrumado, e – enquanto esperava a vaga – a namorada de um primo perguntou se eu gostaria de trabalhar em um salão como assistente.

Eu topei. Fazia de tudo, limpava o salão, servia café, lavava cabelo, toda a parte de organização. Peguei o que apareceu e encarei. Pegava o ônibus todo dia e passava pelo Park Way para chegar ao trabalho. Olhava para o bairro e pensava que um dia teria uma casa ali. Com o tempo fui aprendendo a fazer cabelo. Quando finalmente fui chamada para a Telebrasília já estava tão envolvida, que não quis sair do salão. Sofri muito preconceito por escolher a profissão de cabeleireira, pois meus primos eram advogados, médicos, e eu fui deixada, rejeitada. 

Trabalhei com essa pessoa que me ensinou tudo, o Tim, na 106 norte. Resolvi fazer uns cursos em São Paulo, não tinha dinheiro para pagar hotel e fiquei na casa de umas tias. Elas ligavam para a minha mãe e falavam que não ia dar certo, que aquilo tudo era uma bobagem: ‘onde já se viu ser cabeleireira’.

Aprendi a cortar, trabalhei com o Tim mais uns cinco anos, sai de lá e fui convidada para trabalhar em salões maiores. Foi então que conheci o pai da minha segunda filha, Maria Clara (hoje com 24 anos). Foi o amor da minha vida, quatro anos de relacionamento, mas outro abandono. O importante é que ele mantém um bom relacionamento com a filha.

Giovanna Bembom/MetrópolesPassei muito mal durante a gravidez e a minha chefe não soube entender. Já com a barriga de quatro meses, tive que montar um salão para mim. Com as economias, tinha conseguido comprar um carro e um apartamento financiado, então troquei o carro em um salãozinho bem pequeno na 108 norte. Descobri da pior forma que minha ex-chefe havia alterado os contatos da minha agenda, então perdi todos os telefones das clientes. Ela também sumiu com a minha carteira de trabalho e nunca pagou meu FGTS.

As clientes me descobriram e foram voltando aos poucos. Fiquei mais ou menos um ano nesse lugar. Com 25 dias que a minha filha tinha nascido, eu voltei a trabalhar. Foi quando Tim ofereceu meu salão atual, no Kubitschek Plaza, centro da cidade. Ele foi muito sincero e disse que o lugar estava falido, devendo seis meses de aluguel e condomínio.

Na época, morava em Valparaíso, sustentando a família inteira: duas filhas, meu pai com depressão, minha mãe doente e minha irmã de 15 anos. Pagava R$ 50 por mês de prestação no lote. O Brasil estava dolarizado  e Tim queria me vender o salão por 10 mil dólares. Não tinha o dinheiro, obviamente, mas falei pra ele que venderia meu salãozinho, daria meu Voyage velho e parcelaria o restante em 10 vezes. Vendi o meu negócio por sete mil dólares para uma moça que tinha acabado de voltar dos EUA.

Usei um pouco do dinheiro para pagar as contas atrasadas e me recapitalizar. Quando mudei para o centro, minha equipe inteira foi embora. Comecei tudo de novo, do zero, sem carro, sem equipe, ninguém, tudo sozinha. Outra vez todo mundo falou que não daria certo – principalmente meu pai –que eu iria quebrar. Fiz um convênio com o hotel, dividi a dívida do salão e fui me virando, fazendo nova equipe, nova clientela. Fui crescendo, o salão bombou e eu ganhei até um quadro na TV Brasília.

Quando pensei que estava tudo ótimo, minha mãe descobriu um câncer raro, minha filha também ficou doente e precisei me afastar um pouco dos negócios para cuidar delas. Uma “amiga” se aproveitou da situação e convidou a minha equipe para abrir um salão. Quando eu voltei todos pediram demissão e entraram na justiça contra mim. Graças a Deus ninguém ganhou, porque estava tudo certo. Atualmente, essa “amiga” está bem na miséria, acredito muito na lei do retorno.

Comecei tudo de novo, montei outra equipe, e na mesma época minha mãe faleceu. Passou uns cinco anos, uma funcionária de 18 anos se envolveu com um taxista. Ele era usuário de drogas, não aceitava o fim do relacionamento e a matou com sete tiros na frente do salão. Saiu em todos os jornais, foi uma confusão, ninguém mais queria vir aqui. Meu salão foi abaixo de novo. Mudamos a fachada, a porta de lugar, a logo, coloquei seguranças, liguei para as clientes e recomecei. Pensava que isso não era nada perto do que a mãe da menina estava passando.

Em seguida, um funcionário vindo do Rio de Janeiro, que eu ajudava com moradia, se juntou com a recepcionista e armaram um plano contra mim. Ela ficou 10 dias sem tirar notas fiscais e ligou para a Receita Federal para me denunciar. Eu estava trabalhando, em uma sexta-feira 13, de 2009, quando a polícia chegou, revirou tudo e sai presa de camburão por sonegação fiscal. Respondi processo criminal e não podia sair do país. Fiquei muito desestimulada com tudo isso, mas comecei novamente.

Giovanna Bembom/Metrópoles

Meu pai também descobriu um câncer, faleceu, mas assim foi minha vida, sempre recomeçando. De todas as pessoas próximas a mim, só o meu ex-chefe e hoje grande amigo, Tim, acreditou em mim. Nunca tive o apoio de ninguém, nunca ouvi ‘você vai dar certo’. Quando comprei meu apartamento, meu pai disse que eu não daria conta de pagar. Ouvi o mesmo quando comprei meu carro, mas paguei à vista.

O excesso de elogios não faz ninguém crescer, faz estacionar. Eu elogio quando está bom. Meu crescimento veio da necessidade, tanto financeiro, quanto de provar pra mim mesma que, depois de ser tão colocada pra baixo, eu conseguiria. Construí todos os meus sonhos. Uma casa no Park Way, por exemplo, era um sonho, e virou realidade há 17 anos. Minha filha mais velha é maquiadora e já fez cursos no mundo inteiro. Minha filha mais nova sempre quis morar fora do país e está em Nova York.

Todas as minhas viagens internacionais foram para fazer curso. Comecei pela Argentina, que era mais barato, mas fui à Alemanha, Nova York, Itália, Espanha, Portugal. Agora estou me dando ao luxo de fazer viagens unicamente à passeio.

Não gostaria de passar por tudo isso de novo, mas nunca deixei de ser feliz e de acreditar. A vida continua, problemas todo mundo tem e de vez em quando aparecem algumas coisinhas. Mas, eu ainda acredito nas pessoas. Namoro de vez em quando, saio, adoro festas, sou animada, recebo meus amigos em casa, amo minha família, os almoços de domingo, gosto de cozinhar, de cuidar das minhas orquídeas. E sou muito, mas muito realizada profissionalmente.”

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