Estudante de medicina negra conquista web com relato positivo de vida
‘Quando visto meu jaleco, me torno um sonho possível para as crianças da favela’, diz estudante de Medicina
atualizado
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Negra e cotista, Mirna Moreira, de 22 anos, viu sua história de vida virar viral na última semana. Ela nasceu e cresceu no Complexo do Lins, conjunto de favelas na zona norte do Rio onde vive até hoje com a família. Filha de uma diarista e de um pedreiro, passou no vestibular de Medicina na UERJ e postou um depoimento sobre suas raízes na página Boca de Favela no Facebook que teve 17 mil compartilhamentos e 65 mil curtidas.
Em depoimento à BBC Brasil, ela falou sobre pobreza, racismo, negritude e empoderamento feminino. “Quero devolver à minha comunidade o que vou aprender no curso de Medicina. Quando ponho meu jaleco, prescrevo sonhos”, diz ela sobre a perspectiva de futuro que diz mostrar às crianças da favela.
Sobre o dia em que obteve nota máxima na disciplina de Anatomia, lembra a reação dos colegas. “Eu e uma outra menina ─ branca ─ gabaritamos a prova dessa matéria. Ninguém se surpreendeu com o desempenho dela, mas comigo foi diferente. Algumas pessoas ficaram surpresas. Ouvi a frase ‘Como assim você conseguiu?'”, recorda.
Seu testemunho chama atenção pela forte carga de realidade. Sobre sua educação ela revela: “Com exceção do primário, sempre estudei em colégio particular. Ganhava bolsas parciais e meus pais se esforçavam para pagar o resto. Quando fiz curso pré-vestibular, a mensalidade era de R$ 2 mil. Nunca teria esse dinheiro. Mas conviver com essas duas realidades completamente diferentes me permitiu ter maior senso crítico. Conto nos dedos das mãos, por exemplo, os amigos que frequentavam minha casa durante a escola. É desafiador ser negro e morar em uma favela no Brasil. Vivo um preconceito duplo. Vez ou outra, sou seguida por seguranças em lojas”.
Ao falar de sua futura profissão, Mirna relembra as vezes que falaram que ela não tinha cara de médica. “Quando decidi cursar Medicina, embora sempre tenha tido o apoio dos meus pais, muita gente próxima questionou minha escolha. Me perguntavam: ‘Você quer isso mesmo? Você não tem cara de médica. Prestei vestibular por três anos até conseguir passar no curso de Medicina. Entrei por cotas, mas não estudei menos por isso. Nas vezes que fui reprovada, fiquei muito mal. Sabia que meus pais tinham outras contas para pagar e não poderiam me bancar nessa situação. Mas eles não desistiram do meu sonho. Nem eu”.
E ela termina o depoimento com a mensagem mais otimista do dia: “Reconheço que aqui (na favela, no Brasil) os sonhos são muitas vezes limitados pela falta de oportunidades. Mas espero que um dia todos nós tenhamos chances iguais. Não vai ser fácil, mas sei que é possível.”