Entenda como o homeschooling pode aumentar casos de violência infantil
No Dia Mundial das Crianças Vítimas de Agressão, o Metrópoles explica porque o ensino remoto para crianças subnotifica casos de violência
atualizado
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Ainda que a casa e o próprio lar possam representar proteção e alegria a muitas crianças, essa não é a realidade de todas elas. De acordo com dados do Disque 100, referentes ao primeiro semestre de 2021, mais de 50 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes foram registradas no Brasil. Dessas, 81% (mais precisamente 40.822) aconteceram dentro da casa da própria vítima.
Estar em casa, para elas, é um risco. Os números, coletados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH), ainda mostram que a maioria das violações acontecem por parentes próximos. A mãe aparece como a principal abusadora, com 15.285 denúncias; seguida pelo pai, com 5.861; e padrasto/madrasta, com 2.664.
Levando em consideração as ocorrências domésticas, são cerca de 223 casos de agressões por dia. De acordo com Luciana Temer, representante do Instituto Liberta, ainda que essa não seja a realidade de todas as crianças, é preciso levar em consideração o contexto histórico brasileiro ao levantar debates como o homeschooling – ensino domiciliar.
“Não pode-se descartar a existência de vulnerabilidade social no Brasil e, principalmente, da violência intrafamiliar. Essa é a realidade de muitas crianças. Ela precisa ter espaço fora desse ambiente. Não pode-se votar em uma lei que ignora certa parcela da população que sofre desse mal. Tirá-las do ambiente escolar é deixá-las desprotegidas”, defende, em entrevista ao Metrópoles.
Homescholling e a proteção infantil
Nas últimas semanas, o tema foi um dos mais comentados no país. Isso porque um Projeto de Lei que autoriza o ensino domiciliar no Brasil foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Apesar de ainda precisar da aprovação do Senado Federal, o tema já levantou debates entre autoridade públicas e civis.
De acordo com Letícia, a experiência enfrentada durante o lockdown dos últimos anos, deveria servir como um alerta. “A gente observa que houve uma redução de casos de agressão e abuso durante os meses de abril e março 2020, justamente no momento em que o isolamento foi mais rigoroso. Isso não significa que a violência diminuiu, mas que a vítima não tinha como denunciar”, avalia.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública baseado nos boletins de 2020 mostram que, dos 60.926 dados de violência sexual no Brasil, 60,6% foram contra menores de 13 anos. Desses, 86% foram praticados por autores conhecidos das vítimas. Ainda é preciso considerar que 67% de todas as violências sexuais aconteceram dentro de casa.
No primeiro ano de pandemia, estudo inédito lançado em 2021 pelo Unicef e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que quase três crianças menores de 4 anos foram mortas a cada semana, e de forma violenta, em território nacional.
“Grande parte da violência contra crianças e adolescentes acontece dentro de casa, com agressores conhecidos. A escola é parte essencial da rede de proteção, sendo um ambiente seguro em que a criança está em contato com adultos em que confia e que podem ajudá-la”, salienta Ana Carolina Fonseca, oficial de Programas do Unicef no Brasil.
Papel da escola
De acordo com a porta-voz da Unicef, ainda que a escola não resolva a situação desse aluno, ela é a responsável por identificar e acionar a rede de proteção necessária. “A comunidade escolar é parte da rede de proteção da criança e do(a) adolescente, que envolve o Conselho Tutelar, serviços socioassistenciais, unidades de saúde, sistema de Justiça…”.
“É na escola que, muitas vezes, violências sofridas pela criança ou pelo(a) adolescente são identificadas pela primeira vez, tanto por uma observação dos sinais por parte da equipe escolar quanto pelo relato espontâneo por parte de meninas e meninos”, ressalta Fonseca.
Ainda de acordo com a profissional, o retorno das aulas presenciais influenciou no aumento do número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes, “pois os educadores puderam ter contato com os estudantes e reportar as violências que eles vinham sofrendo fora da escola”.
A escola e a denúncia
Após dois anos de pandemia, o início de 2022 foi marcado pelo retorno presencial às escolas na maioria dos estados brasileiros e pelo aumento de denúncias que violem os direitos humanos da criança e adolescente.
Dados do Disque 100 em relação aos dois primeiros meses desse ano registraram um aumento de 21,4% das denúncias de agressões a menores quando comparado ao mesmo período de 2021. Foram 17.139 queixas registradas.
No que diz respeito ao abuso sexual contra menores, apenas nos quatro primeiros meses de 2022, 4 mil denúncias foram registradas. O número representa mais que o dobro das denúncias realizadas no mesmo período em 2020, ano de início da pandemia causada pela Covid.
Em muitos casos, quando a violência acontece em casa, essa criança é coagida e até ameaçada pelo criminoso a não falar sobre os abusos, tornando o delito invisível ao restante da sociedade. “Além de casa, qual é o lugar que a criança deve ir todo dia e encontra um adulto de confiança e sem ligação com os acontecimento de onde ela mora?”, questiona Luciana Temer.
“É nesse ambiente [escolar] que a criança vai encontrar adultos que ela tem uma certa ligação para relatar sobre a violência sofrida. Pode ser uma professora ou professor, a cozinheira, a diretora, a faxineira… Ao tirar a criança desse ambiente, ela perde um ponto de apoio”, avalia a representante do Instituto Liberta.
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