Dívidas: ansiedade e baixa autoestima aumentam risco de inadimplência
Pesquisa mostra que pessoas gastam dinheiro para aliviar as emoções ou se sentirem bem consigo mesmas. Mas precisam lidar com consequências
atualizado
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“Hoje eu vou gastar, eu quero é gastar.” O trecho da música da banda Calcinha Preta ilustra a realidade de muita gente que não tem de onde tirar dinheiro, mas sai comprando qualquer coisa. A situação fica ainda mais complicada, porém, quando se trata de pessoas ansiosas ou com baixa autoestima: elas podem ver na ação de esbanjar uma solução para seus problemas.
De acordo com uma pesquisa feita pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção de Crédito (SPC Brasil), o estado emocional dos brasileiros está ligado ao gerenciamento das finanças. Feito com 609 pessoas, o levantamento – divulgado no segundo semestre de 2018 – apontou que 36% dos entrevistados admitem gastar sem nenhum planejamento.
Além disso, 27% deles abrem mão de valores para ficarem mais bonitos. Gastar também está relacionado a sanar insatisfações particulares, como 13% declararam. Contudo, o descontrole do próprio orçamento pode gerar dívidas: 12% afirmam ter acumulado contas e se tornado inadimplentes. A análise envolveu aqueles com “boletos” atrasados há mais de 90 dias.
Contudo, há quem foge de boletos, mas torra dinheiro em roupas, sapatos e até em móveis! Luisa Miranda*, 21 anos, viu-se emparedada no último semestre do ano passado. Após seu pai confiar a ela o valor de três meses de mensalidade da sua faculdade, a jovem esgotou a grana antes mesmo de pagar o primeiro boleto emitido pela instituição, em agosto. Viciada em maquiagem e roupas – além de ter adquirido móveis para seu quarto, na casa dos pais –, a estudante não viu quão rápido a quantia de R$ 1.800 acabou.
“Quando eu fico nervosa, compro tudo”, admite Luisa, que revela sofrer de ansiedade e tem crises de baixa autoestima. Sem nunca ter procurado ajuda profissional, a estudante vê no impulso de esbanjar um alívio para suas emoções.
“Às vezes, acho que estou feia, está faltando alguma coisa. Às vezes, acho que estou gorda, então compro roupas que me deixam mais magra”, diz ainda, completando: as redes sociais influenciam suas decisões de compra, pois a estimulam a procurar produtos nas lojas.
Depois de investir tudo em itens pessoais, Luisa acabou perdendo um semestre na faculdade. Ao descobrir o ocorrido, seu pai a repreendeu, mas bancou as três mensalidades atrasadas da filha. Detalhe: ela não repôs a grana. Apesar da dívida quitada – e de volta aos estudos –, Luisa afirma ter se endividado novamente, comprando roupas de uma vizinha, tudo por pura inquietação. Como vai pagar tudo isso? Ainda não sabe.
Ansiedade e dinheiro
A ansiedade pode chegar de forma menos comum que o habitual, garante o psicólogo Mário Catelli, 71 anos. Porém, segundo ele, há a “ansiedade” normal, como a de esperar um encontro ou ficar nervoso para uma prova, e há aquele sentimento alcançando picos indesejáveis. No caso das compras, Catelli explica: “A ansiedade consiste num vazio que não é identificado corretamente, mas deslocado para algo que já trouxe satisfação anteriormente”.
O especialista diferencia consumo por vontade própria e por impulso como algo fácil de enxergar: no segundo caso, “o objeto é revestido de fascínio que tende a desaparecer após a aquisição”. Ou seja, vai além da necessidade, mas não garante satisfação eterna. Depois da quebra de encanto, vem a realidade. “Sobra a ansiedade original acrescida muitas vezes da carga imposta pelo endividamento, sobra o arrependimento e o sentimento de culpa”, diz Catelli.
Ainda assim, é possível enganar suas emoções e ampliar a própria consciência em relação ao consumo impetuoso. Além de sugerir calma, o psicólogo pede que pessoas encaixadas nesses episódios negociem consigo mesmas: “Pode-se pensar, por exemplo: ‘Não vou comprar agora. Mais tarde, se chegar à conclusão de querer mesmo fazer a compra, faço’. É possível, mais tarde, poder sentir uma alegria por não ter caído na costumeira armadilha”.
Caso a pessoa se torne inadimplente após dívidas crescentes, pode ocorrer autopunição. Nesses casos, o psicólogo sugere um exercício de “reconhecimento da dor, reconhecimento de sua origem, decisão de trabalhar para a conscientização e a mudança de hábito”. Por fim, além de garantir os benefícios na procura por ajuda profissional, Catelli conclui: “Encontrar uma pessoa disposta a ajudar sem julgar será de inestimável auxílio” para quem lida com esses problemas.
Como quitar as dívidas
Caio Vivan de Oliveira, 25 anos, criador do perfil Tá Me Gastando?, no Instagram, aconselha quem compra devido a fatores emocionais a procurar ajuda especializada, como psicólogos. Caso a dificuldade seja indecisão na hora da compra, o rapaz dá a dica: “A gente precisa ter clareza em relação às prioridades da nossa vida. Você necessita se perguntar, primeiramente, se quer aquilo. Depois, se está necessitando e, por fim, se perguntar por que quer comprar”, ilustrou Oliveira.
Para quem está endividado ou já se tornou inadimplente, há sugestão de foco maior em contas com taxas de juros mais altas. “Priorize as dívidas com maior taxa de juros, porque viram uma bola de neve muito rapidamente”, diz. E assegura: um empréstimo bancário pode ser uma opção, se os juros dele estiverem menores que os da primeira despesa.
Sobre o caso dos ansiosos, Oliveira questiona: “Já se sentiu melhor fazendo outra coisa para aliviar a ansiedade?”. A reflexão pode desencadear novas atividades, sem envolver dinheiro, e vai de encontro às palavras do psicólogo Mário Catelli: “Da mesma forma que as compras podem ser a vazão inadequada para a ansiedade, o mesmo pode ocorrer com a comida, o sexo, o jogo ou qualquer outro substitutivo da verdadeira falta”.
Inadimplentes no Brasil
Dados divulgados pelo indicador de Inadimplência da CNDL e do SPC Brasil em janeiro apontam que o Brasil encerrou o ano de 2018 com um aumento de 4,41% na quantidade de consumidores com contas em atraso, em comparação com 2017. O número representa a maior elevação desde 2012, quando a inadimplência subiu 6,8%.
*Nome fictício para preservar a identidade da fonte