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Ditadura dos cachos: novo padrão oprime ao exigir curvatura perfeita

Mulheres cacheadas e crespas falam sobre pressão em ter de manter os fios sempre “impecáveis”. Estudiosos discorrem sobre nova obrigação

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Arte/Carla Sena
animação colorida do rosto de uma mulher com o cabelo cacheado solto
1 de 1 animação colorida do rosto de uma mulher com o cabelo cacheado solto - Foto: Arte/Carla Sena

No passado, enquanto as madeixas lisas eram consideradas sinônimo de cabelo bonito, os fios cacheados e crespos eram referência de cabelo ruim. Essa ideia se estabeleceu pela imposição de um padrão de beleza antiquado que deslegitima e busca apagar a negritude.

Quem afirma é a historiadora e docente de gestão de políticas públicas em gênero, raça e classe na Universidade de Brasília (UnB) Renísia Cristina Garcia. “Quanto mais próximo do ideal do que é ser branco, melhor. Por isso, a negação e rejeição dos traços negros, a exemplo do cabelo crespo”, declara.

“Isso se deve à nossa origem escravocrata, o tal racismo residual, e por causa da tentativa de embranquecimento da população brasileira”, elucida Renísia.

Contudo, nos últimos anos, determinados movimentos de autoaceitação aliados à luta antirracista influenciaram esse padrão a mudar.

Mestranda do programa de pós-graduação em direitos humanos da UnB, Jéssica Caroline de Amorim explica que o movimento negro e de mulheres pretas busca a valorização da estética negra como parte importante da identidade racial. “O cabelo é parte disso. Os fios naturais e os penteados compõem a negritude”, sustenta.

Um levantamento feito pelo Google BrandLab revelou que, de 2015 a 2017, houve um aumento de 55% nas buscas pelo termo “transição capilar”. Esse mesmo dossiê mostrou que, em 2016, a procura por “cabelos cacheados” cresceu 232% na plataforma.

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Essa ideia formou-se a partir da imposição de um padrão de beleza que deslegitima e busca apagar a negritude
Atualmente, presenciamos mulheres negras enaltecendo a pluralidade de suas belezas e cabelos
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7) Secar o cabelo ao natural

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Essa ideia formou-se a partir da imposição de um padrão de beleza que deslegitima e busca apagar a negritude

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Atualmente, presenciamos mulheres negras enaltecendo a pluralidade de suas belezas e cabelos

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Era de se esperar que esses números se refletissem no que vemos no dia a dia. “Atualmente, presenciamos mulheres pretas enaltecendo a pluralidade de suas belezas e cabelos não somente como uma característica, mas como um símbolo político e social de identidade racial”, acredita Jéssica.

Mesmo com os avanços nessa esfera, uma reclamação tem invadido as redes sociais frequentemente. Muitas pessoas, principalmente mulheres de cabelos crespos que aceitaram a textura natural das madeixas, relatam se sentir pressionadas a estarem sempre com o cabelo “impecável”, sem frizz e absolutamente definido, às vezes recorrendo a relaxamentos químicos para tais resultados.

Ainda oprimidas, mas de uma nova maneira

A atriz Amanda Reis, de 21 anos, começou a alisar os fios ainda na infância. Aos 15 anos, por meio de conversas com amigas e a inspiração de influenciadoras cacheadas, ela decidiu aprender a cuidar e abraçar o processo da transição capilar.

foto colorida de menina olhando para frente com cabelo solto
“Minha relação com meu cabelo vai muito além de mim, fala sobre meus ancestrais, sobre outras pessoas que passaram pelo mesmo processo que eu e ainda estão passando”, divide Reis

Reis afirma que, depois da mudança, nunca teve vontade de alisar as madeixas novamente — o que não significa que foi fácil lidar com os desafios de assumir os fios naturais. “Por ter o cabelo crespo, o olhar das pessoas sobre como eu devo usar as madeixas me fez querer andar com elas presas. Sinto vontade de deixá-las soltas apenas quando tenho tempo e paciência de fazer uma boa finalização”, lamenta.

“Mesmo seis anos após ter passado pela transição, isso ainda me afeta e me traz inseguranças. Quando já estou há dias sem finalizar, uso turbantes ou faço penteados para não ficar tão armado. No entanto, felizmente, a cada dia aprendo a amar mais o meu volume e a falta de definição dos meus cachos”, compartilha Amanda.

A fotógrafa Wendella Alaíne, de 22 anos, também começou com os procedimentos químicos nos fios ainda nova. Dos 14 aos 17 anos, a jovem usava química e passava chapinha semanalmente.

Após três anos de alisamento, ela decidiu abandonar os tratamentos relaxantes e iniciou a transição. “Aconteceu na mesma época que me cerquei de muitas representações de mulheres pretas. Me senti mais segura com o meu cabelo, então, parei de usar química. Continuei alisando, mas apenas com chapinha e babyliss, explica.

Em 2019, Wendella cortou as partes lisas, fazendo o famoso big chop (grande corte, em tradução livre). Porém, o caminho foi longo até a fotógrafa se sentir confortável com a mudança.

“Ficou muito estranho, porque ainda tinham muitas mechas alisadas. Foram vários processos internos para realmente aceitar meu cabelo natural. Só em 2021 consegui me libertar”, divide.

foto colorida do rosto de uma mulher
Para Wendella, aceitar o cabelo natural foi libertador

Mesmo assim, a profissional de fotografia expõe que, em determinados eventos sociais, ainda não se sente inteiramente confortável com seu cabelo totalmente solto.

“Não me sinto bem só com o cabelo solto. Estou trabalhando isso em mim. Preciso sempre fazer um penteado, senão me sinto desarrumada. Percebo que não é uma preocupação de pessoas que têm o cabelo liso; muitas só penteiam e vão para o rolê”, relata.

“Mas olhando o meu comportamento e de outras mulheres pretas, vejo que essa questão com o cabelo é mais sensível”, acredita Alaíne.

Estudante de jornalismo de 22 anos, Maria Suzana Pereira também passou pela transição. A jovem iniciou o processo em 2018 e fez o grande corte há apenas três meses.

Maria conta que, durante o período em que usava relaxamentos, seu cabelo não desenvolvia. “Achava lindo cabelo longo, e meu cabelo não crescia por conta das químicas. Não conseguia mantê-lo hidratado. Então, comecei a pensar: e se eu usasse cacheado?”.

Hoje em dia, Suzana se orgulha da decisão que tomou. “Amo meu cabelo. É a parte do meu corpo que acho mais bonita. Nunca achei que me sentiria assim”, exclama.

Contudo, a estudante confirma que também sente uma pressão para que as madeixas estejam sempre definidas.

“As pessoas acham que o cabelo é feio quando está volumoso ou pouco definido. Eu senti isso quando comecei a usar cacheado”, desabafa.

Ditadura do cacho perfeito

A pesquisadora Jéssica Caroline de Amorim explica que o racismo se forja de diversas formas. “O boom de finalizações na internet ditas perfeitas e elaboradas não contemplam a diversidade de curvaturas e incita o desejo por cabelos sem frizz, com cachos ‘perfeitos’ e sem volume”, discorre.

“A indústria de cosméticos não oferece produtos e tratamentos de qualidade que contemplem as necessidades dos fios crespos. Fora isso, cacheadas e crespas ainda precisam lidar com a falta de prática dos profissionais de beleza com esses tipos de fio, o que acaba trazendo as químicas de transformação de estrutura (relaxamentos) como a alternativa para cuidar das madeixas. Também não podemos esquecer da influência midiática”, problematiza.

Todos esses aspectos corroboram para que a “ditadura dos cachos perfeitos” perpetue na sociedade.

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