Da escola para a vida: inteligência emocional entra no currículo
Atentos às mudanças do século e à saúde mental dos alunos, instituições estão ensinando habilidades socioemocionais em sala de aula
atualizado
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Durante muito tempo, acreditou-se que quanto mais desenvolvida intelectualmente fosse uma criança, mais chances ela teria de alcançar sucesso na vida adulta. O segredo seria, então, absorver ao máximo o conhecimento transmitido em sala de aula, conciliá-lo com cursinhos preparatórios e entregar um boletim recheado de notas azuis em casa. O que a experiência da vida adulta sugere, no entanto, é que apesar de importante, o esforço tornou-se insuficiente diante da complexidade das relações adultas e da dinâmica do mercado de trabalho.
Um estudo do Fórum Econômico Mundial, publicado em 2016, estimou que 65% dos jovens em idade escolar, trabalharão em uma profissão que ainda não existe. Além disso, a previsão é de que essas pessoas não terão apenas uma carreira ao longo da vida. Talvez sejam duas, três, quatro ou mais – o que deve alterar significativamente a nossa forma de interagir com o mundo. A pergunta é: eles estarão preparados para encarar essa realidade? Ou aumentarão os índices de alcoolismo, depressão e suicídio?
Questionamentos como esses têm obrigado as instituições a adequarem suas metodologias de ensino. Se antes o foco estava, exclusivamente, em alcançar um desempenho satisfatório no Enem, hoje o objetivo é formar adultos com mais controle sobre suas emoções e mais preparados para a vida adulta.
Assim, habilidades socioemocionais passaram a fazer parte do currículo escolar. Com mais recursos, instituições particulares podem ter saído na frente mas a tendência é que aos poucos, todas as instituições passem a incorporar valores subjetivos na rotina de aprendizagem – como empatia, autonomia, confiança, responsabilidade e paciência.
Deu branco? Pode ser emocional
Em Brasília, o colégio Galois incluiu, neste ano, a Educação Socioemocional na grade dos alunos do 1º ao 8º ano do Ensino Fundamental. Apesar de ser uma “novidade”, o corpo docente já considera a experiência exitosa e planeja levá-la, ainda no ano que vem, para a Educação Infantil e o Ensino Médio.
“Essas competências ajudam o aluno a atuar de maneira mais assertiva em suas relações humanas e também no mercado de trabalho, aprendendo a lidar, por exemplo, com a ansiedade. Sabe aquele aluno que estudou muito, mas ‘deu branco’ na hora da prova ou enfrenta uma crise de ansiedade? Essas situações podem ser explicadas por fatores emocionais que interferem na aprendizagem e que são trabalhados na disciplina”, explica André Luis Gomes de Ávila, professor da disciplina.
A matéria conduzida por André é obrigatória e ministrada uma vez por semana, mas a atmosfera é bem diferente das disciplinas tradicionais. Os alunos podem sentar nas cadeiras ou almofadas espalhadas pela sala; o quadro negro deu lugar a recursos de áudio e vídeo; e as longas explicações foram substituídas por dinâmicas que desafiam os alunos a explorar os próprios sentimentos. Como ligar para os pais no meio da aula e dizer “eu te amo”.
Da sala, pro ambiente familiar
“Fazia muito tempo que eu não dizia isso para os meus pais”, afirma Beatriz Fernandes, 13 anos. Aluna do 8º ano, ela acredita que a matéria incentiva os alunos a serem mais gentis uns com os outros. “É um espaço para mostrarmos nossos sentimentos, que no dia a dia a gente não consegue demonstrar e controlar. Estou aprendendo a olhar para os problemas dos colegas, me colocar no lugar deles”, afirma.
Para o Augusto Lustosa, também do 8º ano, a experiência têm servido para melhorar a relação com a família. “Tinha algumas rusgas com minha mãe, que resolvi a partir das aulas. Também passei a enxergar o professor como alguém com quem posso conversar”, declarou. A versão mais zen do Augusto impressionou os pais. “Mudou da água pro vinho. Está mais sociável e sereno”, confirmou Aureliano Lustosa, pai.
Desconstruindo sentimentos
A escola carioca Eleva chega em Brasília em 2021 com proposta semelhante, mas metodologia própria. Para atender a demanda, criaram o Laboratório de Inteligência de Vida (LIV) – modelo que trabalha inteligência emocional com alunos da Educação Infantil e do Fundamental I; habilidades socioemocionais com o Fundamental II; e temas associados ao protagonismo e às escolhas no Ensino Médio.
Segundo Isabella Sá, diretora pedagógica do grupo, embora não seja possível mensurar o desempenho dos alunos como nas disciplinas tradicionais, os resultados são percebidos por praticamente todos os pais e professores. Um indicador importante, por exemplo, foi a diminuição de casos de bullying e outros conflitos na escola. “É uma mudança de postura que atinge não só a criança, mas todos aqueles que convivem com elas”, afirma.
Um dos pilares da escola é ensinar as crianças que “não há sentimentos bons ou ruins; todos devem ser compreendidos e permitidos”.
“Esse conceito de bom e ruim impede que o aluno reconheça e possa dar um nome para o que está sentindo. Entendemos que a inteligência emocional está ligada não ao sentimento, em si, mas o que fazemos com ela. É administrando a raiva, por exemplo, que exercitamos empatia. Uma característica fundamental para ter uma relação mais feliz, inclusive no mercado de trabalho”
Isabella
Escola também é lugar para falar de saúde mental
Segundo especialistas, a inclusão dessas aptidões no currículo também reforça o papel da escola como espaço estratégico na promoção da saúde mental.
Na opinião de Isabella, o local concentra a maior parte da população jovem do país e pode ser uma grande aliada no compartilhamento de informações, redução de riscos e até mesmo na detecção precoce de sinais que demandam atenção. “Quando o afeto e a empatia são valorizados na escola, a instituição fica mais leve, mais flexível e mais tolerante, com mais espaço para a diversidade”, pontua.
Já a psicóloga Ana Carolina Palmeirão afirma que esse tipo de habilidade ajuda as crianças a compreenderem situações, que mais tarde poderiam levá-las a quadros de adoecimento. “A nossa geração teve uma educação enraizada, mas a vida que temos hoje não comporta esse modelo. Por isso estamos vendo tantas pessoas adoecerem. Não fomos programados para lidar com frutrações, ansiedades, quadros de depressão. Esse movimento é importante porque proporciona que as crianças desenvolvam essas competências desde muito pequenininho para chegarem preparadas para transformações cada vez mais rápidas”, pontuou.
Reforço para as novas gerações
Mas e quanto aos que já encerraram a vida escolar? Estão fadados a carregar o peso de não terem tido acesso a esses espaços de troca? Segundo a gestora e consultora em educação Andreia Bichara, não. Na opinião da especialista, para além de atender as transformações de mundo, o desenvolvimento das competências do século 21 visa preencher uma lacuna geracional.
“Nós desenvolvemos esses valores de maneira informal e não intencional: brincando na rua, construindo relações dentro e fora casa. Quem teve a oportunidade de exercitar a tolerância em jogos coletivos, teve uma família mais atenta, ouviu do pai ‘vai lá, pede desculpas’ conseguiu, de certa forma, acesso a uma formação natural . O que acontece é que essa geração perdeu parte desse convívio social e pode não ter espaços para desenvolver esse virtuosismo de forma espontânea”, pontuou.
A Base Nacional Comum Curricular determina que até 2020, as chamadas competências do século 21 sejam incorporadas ao planejamento pedagógico de todas as escolas, públicas e privadas. O cenário parece favorável para os alunos, mas será que os professores estarão preparados para ensiná-las? Segundo Andrea Bichara, esse é o maior desafio para que a determinação funcione.
“Evidentemente é um trabalho que precisa atravessar toda a equipe docente. Para colocar a BNCC em prática, será necessário, antes, qualificar os professores, garantir que eles tenham os requisitos necessários para falar do tema e saibam compreender suas próprias limitações. Mas ainda assim a determinação provoca uma reflexão importante e uma mudança de perspectiva por parte dos gestores”, finaliza.