Como se acalmar em casa quando der vontade de furar a quarentena
Especialistas ensinam alguns métodos para pôr em prática antes de desistir de seguir o isolamento social
atualizado
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Enquanto uma vacina não é criada, o isolamento social segue como a melhor e mais eficiente maneira de conter a pandemia de coronavírus. Da tevê às redes sociais, não faltam campanhas e mensagens de incentivo ao “fique em casa”. Ainda assim, há quem justifique as saídas como uma maneira de confortar a mente e equilibrar a saúde mental, em baixa desde que essa histórica crise de saúde pública teve início.
É perfeitamente natural que algumas pessoas sintam mais desejo de furar a quarentena do que outras. Segundo o psicanalista e professor titular da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker, a idade é o principal fator a ser levado em consideração. Para idosos, por exemplo, o cotidiano é “uma espécie de roteiro de permanência, e produz um sentimento de segurança de que a vida vai continuar”. Já em crianças e também nos adolescentes, a dificuldade em interiorizar essa regra vem da associação da ordem de não sair de casa à autoridade parental.
“Em geral, há pessoas que, em uma situação de quarentena, se vêem privadas de seus mecanismos para redução de ansiedade e de angústias. E decidem se arriscar. É o famoso ‘sair para espairecer’, aqueles cinco minutos na vida de uma jovem mãe que fazem toda a diferença para aguentar o resto da rotina”, elucida.
Para ele, uma maneira de frear esse impulso é desassociar essas “fugidinhas” a ideias de descompressão. Primeiramente, a quem não mora sozinho, basta fazer do outro um ponto do acolhimento, e reforçar o que há de positivo no convívio, por mais difícil que pareça. “Sob determinadas condições, o marido, mulher, pai ou mãe começam a funcionar como espelhos de nós mesmos. Percebemos neles aquilo que não estamos conseguindo tolerar em nós”, salienta.
Há um curto-circuito. Me torno mais agressivo, o outro responde com mais agressividade. Chega uma hora que a gente sabe o que precisa: espaço e distância. E a pessoa sai para produzir esse espaço e se separar daquilo que está demasiadamente junto
Christian Dunker
De acordo com o psicanalista, há uma reaparição de uma necessidade de desobediência que nos acompanha desde a infância, a famosa “rebeldia sem causa”.
O pior é quando esse desejo de não respeitar o isolamento é compartilhado com outras pessoas, e o indivíduo passa a promover encontros com intuito de distrair a mente. Ainda que usem máscaras e sigam as medidas da Organização Mundial da Saúde (OMS), esses momentos ainda não são a melhor escolha. “Começamos a nos portar como crianças e, às vezes, arrastamos outros para o nosso sufocamento”, acrescenta, sobre quem tem promovido festas, das intimistas as megalômanas, em plena pandemia.
A quem mora sozinho, a situação se agrava. Muitos não saem para fugir de alguém, mas de si mesmo. Ou, ainda, da realidade, que muitas vezes pode ser dolorosa.
“Observamos um movimento de desconfiança de quanto as medidas eram necessárias ou se não eram um exagero quando a pandemia começou. Após o aumento de casos, um medo real tomou conta, o que facilitou o cumprimento das medidas de isolamento social”, explica o psiquiatra Luan Diego Marques, professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).
Com o tempo, porém, esse temor pelo desconhecido deu lugar à falsa ideia de controle da situação, o que gera o desejo de escape. Algumas ferramentas já conhecidas podem derrubar esse mito de que sair de casa é necessário para ficar bem, como ter boas noites de sonho, não exagerar no álcool (pois ele tem um efeito rebote), usar técnicas de respiração e manter contato com os amigos.
Em momentos de crise ou pânico, um banho frio pode ajudar. Outra dica é dar, em casa, a maior quantidade de passos que puder. “Fazer esses movimentos libera substâncias benéficas ao corpo”, ensina. Procure, também, ajuda profissional para lidar com essa explosão de emoções. “Se expor ao risco da Covid-19 não é uma forma estratégica de se cuidar”, reitera Marques.
Antes da pandemia, usávamos mecanismos, como a palavra ‘sextou’, como um sinônimo de vazão. Já víviamos situações de extrema ansiedade no Brasil
Psiquiatra Luan Diego Marques
Respira, inspira
Até mesmo quem tem um mood mais calmo como estilo de vida e profissão sente vontade, de vez em quando, de escapar do próprio lar, por mais confortável que ele seja.
Instrutora de yoga barre e de balé, Luiza Barufi, de 31 anos, tem algumas artimanhas para se manter isolada. Ela recomenda dar fim a mania de contar há quantos dias você está em casa, hábito comum entre algumas pessoas. Pratique o mindfulness, que nada mais é do que viver o momento presente.
“Não paro para pensar, por exemplo, em quando irei viajar novamente. A única certeza que tenho é que uma hora vai passar”, pondera.
“O segredo é viver um dia de cada vez”, ensina a profissional, que também comanda um podcast de saúde e está trabalhando de casa desde março.
Perfil
Jéssica Farias, estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB) constatou que renda, status profissional e posição política são fatores fundamentais e que fazem um indivíduo decidir sair às ruas, mesmo sem nenhuma necessidade.
A doutorando ouviu 2.056 entrevistados de 25 unidades da Federação, com idades entre 18 e 88 anos, das cinco regiões do país. A percepção mais importante é que estudantes, pessoas de baixa renda, com posicionamento político de direita e desempregados são mais propensos a furar a quarentena.
Na prática
Alguns truques recomendados por Christian Dunker podem aliviar e minimizar o desejo de sair de casa:
- Estabeleça uma palavra-codigo ou um lugar dacasa que sirva como o “canto do silêncio. Diga que, quando estiver lá, não quer ser incomodado;
- Respeite quando perceber que o familiar ou parceiro precisa de espaço;
- Se o impulso for incontrolável, pense em uma politica de contenção de danos. Saia, de máscara, para dar algumas voltas de carro ou andar pelo quarteirão;
- Contenha-se. Sair de casa em um momento de ansiedade não precisa ser uma rotina. Não é porque você vai transgredir uma regra que precisa quebrar todas, o que geraria uma escalada de impulsos perigosos.
Dica extra: movimente-se e fique off line
O psiquiatra especializado em medicina psicossomática e hipnose clínica Leonard Verea defende que praticar exercícios físicos, afastar-se das redes sociais e dedicar tempo a hobbies, como leitura e jardinagem, também ajuda a afastar a ansiedade e o estresse. “Em situações de incerteza e ausência de controle como esta, é importante manter a calma, a resiliência e focar as energias em atividades que restabeleçam o equilíbrio e bem-estar”, aconselha.