Como o luto ajudou uma jovem brasiliense a vencer o câncer e a obesidade
Ao perder a mãe, Mayara Freitas emagreceu 35 quilos, começou a cursar nutrição e se fortaleceu para enfrentar o segundo câncer
atualizado
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Quantas lições importantes podem guardar um momento de dor? A resposta para a brasiliense Mayara Freitas é um relato de vida. Aos 20 anos, ela perdeu a mãe, Lúcia Freitas, para doenças decorrentes da obesidade mórbida e por negligência do serviço de saúde pública. “Ela estava muito mal e levaram-na para um posto de saúde, sem nenhuma estrutura”, lembra.
O episódio, narrado com a emoção de quem admite não ter superado a saudade, foi um golpe duro, mas que deixou ensinamentos e despertou em Mayara, atualmente com 31 anos, uma sede infinita de viver. Sem poder salvar a mãe, ela decidiu lutar, com afinco, pela própria vida. “Perdê-la foi o maior estrago que a alimentação desregrada fez na minha vida”, conta.
Entre as lembranças que ficaram da mãe, uma a marcou de forma especial. Em uma folha de caderno, com algumas resoluções pessoais, Lúcia escreveu à mão os sonhos que tinha: emagrecer, ter independência financeira e ser feliz. “Ela costumava dizer que já tinha sido tão feliz que já ‘tava bom’, para eu não me preocupar porque ela era feliz. Mas note que o objetivo número um era emagrecer”, ressalta Mayara.
A sensação de que a partida da mãe poderia ter sido evitada motivou a brasiliense a adotar novos hábitos e ingressar no curso de nutrição. Como resultado, ela se livrou da obesidade e conseguiu enfrentar, mais forte, o segundo câncer, anos mais tarde.
“Eu tenho um histórico chato com ‘cânceres’. A obesidade, porém, sempre foi a doença mais grave que eu tive. Igualmente ao câncer, ela aniquila sua autoestima. Te deixa presa num corpo cansado, que pesa mais do que foi programado para pesar. O pior, sem dúvida, são os efeitos silenciosos”, diz.
“A Mayara de 35 quilos a mais me fez estudar nutrição para a Mayara seguinte nascer, e se essa Mayara existisse quando minha mãe morreu com obesidade mórbida, eu poderia tê-la salvado”, completa.
Luta pela vida
O primeiro câncer, um linfoma, foi diagnosticado aos 15 anos, e curado após cirurgia e várias sessões de rádio e quimioterapia. Mayara tinha apoio incondicional da mãe e acesso a seu plano de saúde. O tumor foi descoberto em um estágio avançado. Apesar disso, o tratamento correu sem problemas.
Já o segundo, descoberto em dezembro do ano passado, na mama, levou Mayara a travar uma nova luta pela sobrevivência.
Após uma série de opiniões controversas de médicos, ela recebeu, mais uma vez, o diagnóstico de um câncer em estágio avançado. Casada, mãe de dois filhos e madrasta de outros dois – filhos do companheiro, Alex Vinicius – e sem poder trabalhar, ela precisou enfrentar parte do tratamento na rede pública de saúde, durante a pandemia do novo coronavírus.
A radioterapia não era indicada em virtude do primeiro câncer e ela foi conduzida à mastectomia total. Além disso, precisou retirar linfonodos na axila esquerda, adquirindo paresia, uma perda parcial de movimentos, considerada deficiência física.
O dia do procedimento, no qual conheceu várias pacientes do Hospital de Base, e pôde se sentar na janela, de frente para a W3 Sul, é um dos momentos que ela descreve com mais alegria. “Fiquei amiga de todo mundo. Se me perguntasse se eu queria ter tido plano de saúde desde o início, para ter sofrido menos nesse processo, diria que não. Foi muito legal contar minha história para as pessoas, ouvir porque eles estavam ali, e ficar contemplando a cidade que eu sou apaixonada”, destaca.
Estratégia para driblar falta de respostas
Depois da cirurgia, Mayara conta que precisou implorar por medicação. “Eu sou muito resistente à dor, mas aquela era insuportável. Meu marido questionou a equipe e informaram que eu havia sido medicada com Tylenol. Surtei nessa hora. Pedi que ele tentasse resolver e só lá para a quarta dose de morfina a dor de fato diminuiu”.
Passado esse episódio, a estudante ficou quatro meses aguardando o início das sessões de quimioterapia, em vão. “Eu sempre fui muito nerd do Google. Então, sabia tudo sobre meus cânceres e chegava a discutir com os médicos. Compreendia que a resposta da quimio era mais eficaz se feito dentro de uma janela de três meses. Comecei a entrar em desespero”.
No início do mês, o Metrópoles mostrou o drama de quem depende dos medicamentos quimioterápicos. Em plena campanha do Outubro Rosa, contra o câncer de mama, a carência dos insumos prejudicou diversas pessoas com a doença. Ao investigar o caso, a Defensoria Pública do DF descobriu o risco iminente de desabastecimento de mais de 60% dos quimioterápicos.
O sentimento de que poderia ser mais uma vítima da falta de recursos e da negligência do sistema de saúde fez com que Mayara elaborasse em uma estratégia rápida para dar sequência ao tratamento. “Descobri uma cláusula no plano de saúde da minha madrasta que garante a inclusão de dependentes da minha idade, em caso de deficiência e limitações físicas. Depois de muita insistência, consegui ser incluída e iniciei meu tratamento em uma unidade privada”, narra.
Na semana passada, ela concluiu a última sessão de quimioterapia. Está curada do segundo câncer e disposta a repassar as lições que aprendeu ao longo de sua luta pela vida. O plano, agora, é abrir um projeto voltado para a saúde integral com o esposo, uma vez que ambos estudam nutrição e dão aulas de jiu-jitsu.
“Foi uma sucessão de acertos. Durante todo o tratamento, me alimentei muitíssimo bem, fiz exercícios físicos, contei com apoio incondicional do Alex, além de ter corrido atrás, não ter ficado esperando algo acontecer. Os médicos diziam o tempo todo: não sei o que você está fazendo, mas continua”, menciona.
“Eu tenho um talento nato em ser feliz em meio ao caos. Eu fui feliz, eu estou feliz e eu vou ser muito, muito, muito feliz. O câncer veio, me deu uma banda, mas quem raspou e finalizou fui eu”, conclui.