Como Eda Coutinho construiu uma das maiores instituições do DF, o Iesb
A professora fundou a faculdade com dinheiro emprestado, superou preconceitos e tornou-se a primeira mulher dona de um centro universitário na capital
atualizado
Compartilhar notícia
Quem entra distraído na sala da reitora e dona do Iesb, Eda Coutinho, pode se assustar ao esbarrar nas paredes e levar pequenos choques. A explicação, brincam os funcionários, é o excesso de energia concentrado ali. Aos 77 anos, Eda é incansável.
A professora tornou-se a primeira mulher a fundar uma faculdade no DF. Trabalha mais de 10 horas por dia e gosta de manter os olhos bem atentos ao patrimônio que construiu sozinha. A instituição hoje é uma das maiores de Brasília, com 20 mil alunos. Neste dia de homenagens a quem leciona em todas as salas de aula do país, Eda relembra sua trajetória de sucesso.
À época da fundação do Iesb, há 18 anos, a empreendedora caminhava anônima entre os alunos. “Fiquei muito tempo sem contar para os estudantes que eu era a dona da faculdade”, lembra. No início dos anos 2000, uma revista de circulação nacional afirmou que, no negócio, Eda era apenas uma “laranja” do marido, que trabalhava como chefe de gabinete de Paulo Renato, então ministro de Educação.
Eles me chamaram de ‘professora aposentada’, como se isso fosse pouco, como se eu não tivesse carreira, mestrado, doutorado. Se eu fosse homem, diriam ‘olha, que maravilha’
ironiza Eda
Quase duas décadas depois, com uma mesa rodeada de fotos da família, imagens de santos católicos e um aparador apinhado de troféus, diplomas e premiações, ela tornou-se o nome da educação no DF. Ficou conhecida pela megaestrutura que ergueu. Hoje, a faculdade tem três campi, nas Asa Sul e Norte e o mais novo, inaugurado em 2010, em Ceilândia.
O amor pela educação vem de longe, muito antes de o Iesb ser construído. Eda nasceu em Bueno Brandão, no sul de Minas. É a quarta filha de uma família de oito irmãos. O pai, vendedor de fumo a atacado, estudou só até a 6ª série do ensino fundamental.
A família de Eda cogitou tirá-la da escola sem que ela terminasse os estudos, pois só tinha dinheiro para educar parte dos filhos. Ela teve de insistir para continuar. Eda foi longe. Fez mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior. Orgulha-se também dos outros irmãos, doutores e professores.
Nunca fui filhinha de mamãe nem filhinha de papai
Eda Coutinho
A reitora deixou Minas ainda jovem, para viver com o marido em Arapongas, interior do Paraná. Lá, aos 17 anos, aceitou seu primeiro desafio como gestora na área educacional. O prefeito convidou-a para assumir a função de diretora de um grupo escolar da cidade.
Permaneceu ali até que Brasília apareceu na sua vida, nove anos depois. Foi chamada por um antigo chefe para trabalhar na Universidade de Brasília (UnB), que acabara de se erguer. A vaga era para o Centro Integrado de Ensino Médio, o CIEM, que pertencia à instituição. Na ditadura, foi demitida quando o CIEM fechou. “Achavam que ali era um centro de gente subversiva.”
Nessa época, deixou o Brasil pela primeira vez para estudar na Penn State University, na Pensilvânia (EUA), onde fez mestrado e doutorado. Sozinha com a filha, pois ficou viúva cedo, preferia comprar livros a comida. “A gente passou até fome”, diz. “Não ‘fome fome’. Alface e suco de laranja sempre tinha”, lembra.
Ela perdeu o marido aos 20 e poucos anos, em um acidente de carro durante uma viagem ao Paraná. A vida nunca lhe foi mesmo linear. Entre sustos e mudanças, “tinha sempre alguma coisa acontecendo”, ela conta.
Mão de ferro
De volta ao Brasil, Eda largou as salas de aula para tocar projetos do governo na área de pesquisa e inovação. Viajou o mundo atrás de iniciativas vanguardistas no ensino superior. Diz que tinha muito orgulho de mostrar o trabalho de pesquisadores brasileiros para os gringos.
Aos 42 anos, terminando o pós-doutorado na Alemanha, decidiu que queria se aposentar. Era tempo de sossegar. “Eu queria ficar em casa”, resume. A vida, no entanto, lhe provocou mais uma vez. Na mesma época, foi anistiada pela UnB e voltou a dar aulas na Faculdade de Educação.
Seria o rito final da sua carreira se, de novo, não fosse tentada pelo vai-e-vem do viver. Dessa vez, o convite veio de amigos do seu segundo marido. Eles tinham uma universidade no Mato Grosso do Sul e queriam investir em Brasília. A proposta era tentadora. Financiariam todo o projeto, Eda investiria o seu conhecimento em gestão e inovação, que não era pouco.
Aos 56, ela tinha um novo – e imenso – desafio pela frente. Ele ficou ainda maior quando os sócios caíram fora do negócio pouco antes dos primeiros cursos serem aprovados pelo Ministério da Educação. O ano era 1998. O Iesb não tinha um tostão para sair do papel. O primeiro campus da instituição, na 609 Norte, foi erguido com dinheiro emprestado.
O terreno até hoje é alugado – pertence à Congregação do Verbo Divino, de Belo Horizonte. Para conseguir o contrato, Eda deu o próprio prédio da faculdade como garantia. Se ela não pagasse, a Congregação ficava com toda a estrutura.
Em 2010, quando inaugurou a unidade em Ceilândia, cujo nome – Liliane Barbosa – homenageia a filha, a situação era outra. O campus tem 51 mil m² e custou R$ 80 milhões. O terreno é da faculdade. “Me sinto como se estivesse em um sonho. Levei três anos para construir minha casa porque não tinha dinheiro. Esse prédio foi construído em quatro meses. Aconteceu porque tinha que ser mesmo.”
Quando Eda quis levar a instituição para Ceilândia, muita gente foi contra. Como de costume, ignorou os conselhos. Visionária, mirou no público da maior cidade do DF. “Eda é uma mulher destemida e sem medo de arriscar”, define uma professora, que prefere não se identificar.
A reitora atribui o sucesso de seus negócios também à boa relação com os alunos. “Dou meu telefone a todos eles”, frisa. Os estudantes confirmam que ela é mesmo uma pessoa acessível. Quem trabalha por ali diz que eles a adoram.
Em uma briga entre professor e aluno, por exemplo, dificilmente o mestre ganhará o cabo de guerra. Há quem garanta que a reclamação de um estudante pode ser o suficiente para tirar o emprego de um educador. “Existe um certo clima de medo entre os funcionários”, diz um docente. “É que tem muito professor que persegue aluno, sim”, acredita a reitora.
Certa vez, Eda mandou para casa um professor que, de longe, ela viu que usava bermuda e chinelos para dar aula. Professor do Iesb não trabalha vestido assim. O jeito autoritário rendeu a ela uma fama de “durona”, de quem comanda os negócios com “mãos de ferro”. Ela não acha que o título seja justo.
Acho que dizem isso porque quem não é bom, não fica aqui mesmo. Mas eu digo para todo mundo: não precisa gostar de mim não, precisa gostar dos meus alunos.
Lutero Leme, amigo antigo, professor e arquiteto do Iesb, defende a personalidade de Eda. “Ela não é brava, é enérgica”, pondera. Lutero projetou o campus da Asa Norte. Depois, foi contratado como administrador. Passou 16 anos na casa.
“Ela é muito exigente, mas sabe o que quer. Gosta de desafio e de quem compartilha dessa filosofia. Esse é o diferencial do Iesb. Eda cobra muito dos professores, mas dá as ferramentas para que as metas sejam alcançadas”, avalia o ex-funcionário.
Eda fiscaliza tudo. Chega às 10h na faculdade, todos os dias. Houve um tempo em que começava a jornada antes das 8h. O corpo, no entanto, tratou de reclamar. Para controlar o colesterol, hoje ela dedica algumas horas da manhã às atividades físicas.
Se um aluno saudável usa o elevador de pessoa com deficiência, ela manda descer e dá uma lição de moral. Vai embora tarde da noite. Os professores dizem que não é raro ver a sala dela ainda acesa, já depois de as turmas noturnas terem se encerrado.
Ela tem um vigor inacreditável. Sem Eda, o Iesb já estaria na mão de um grande grupo empresarial e teria virado um negócio como outro qualquer
diz um professor
Não são raros os relatos de pessoas demitidas no meio de reuniões, na frente dos colegas ou por telefone. A própria reitora assume a tarefa. O filho mais novo, Edinho, apontado como sucessor da mãe, hoje se encarrega da parte financeira e administrativa. Ela dedica-se integralmente à área pedagógica. “Ele (Edinho) não demite ninguém. Acho que tem mais prestígio do que eu. Não quero que ele fique queimado, então eu tomo conta dessa parte”, diz.
As histórias de pulso firme são numerosas. Quando o ProUni foi implementado, em 2005, era ela quem avaliava as inscrições dos candidatos às bolsas, uma a uma. Chegava a questionar até o valor da conta de telefone de quem se dizia de baixa renda – para conseguir bolsa integral, o aluno precisa ter renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa.
“Uma vez, analisando a ficha de um candidato, reparou que ele beirava os 30 anos, mas ainda morava com a mãe e não tinha renda própria. Eda pegou o telefone e ligou para ele. Avisou que concederia a bolsa, mas que ele precisaria arrumar emprego e ‘parar de dar trabalho’ para a mãe, pois passava da hora”, lembra Renato Amador, professor da instituição há 16 anos.
O coração da executiva austera também tem espaço para afetos. O próprio Renato se lembra de uma vez, há alguns anos, em que confessou à chefe o desejo de abandonar as salas de aula e seguir outros caminhos. “Ela colocou a mão no meu ombro e disse: ‘Você não vai parar de dar aula, não. Esses alunos precisam de nós, Renato'”. Surtiu efeito — ele continua no quadro de professores da faculdade.
Se, há 20 anos, Eda Coutinho pensava em ficar em casa, os planos mudaram. “Quero ficar aqui até quando achar que estou fazendo um bom trabalho, formando bons cidadãos”, sublinha a reitora.
“Mas não é mais o dinheiro que a mantém ali. O trabalho é o combustível dela”, conclui o professor Renato Amador.