Como cinco hábitos culturais têm ajudado asiáticos a vencer o coronavírus
Parte da cultura oriental, boas práticas de higiene pessoal têm somado a favor dos asiáticos na luta contra a pandemia
atualizado
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A China, berço da pandemia de coronavírus, e alguns de seus vizinhos do leste asiático, como Japão e Coréia do Sul, travam bem-sucedida batalha contra a Covid-19. Essa boa performance dos países no combate à doença contagiosa se deve, sem margem para questionamento, ao senso de coletividade enraizado na cultura oriental.
Muito antes desse novo inimigo invisível pôr em risco a população mundial, hábitos em prol do bem comum, como o uso de máscara de proteção facial ao menor sinal de gripe, sobretudo em transportes públicos, para evitar contaminação em massa, já eram encarados com total naturalidade por lá. Esse modo de conduta mais atento aos anseios da comunidade, além de estar ligado aos costumes da nação, está atrelado à religiosidade, como explica a professora de cultura oriental e doutora em Literatura Japonesa pela Universidade de Brasília (UnB) Donatella Natili.
“Tratando-se de países populosos e com alta densidade habitacional nas áreas urbanas, o estabelecimento de regras comuns de boa convivência e de harmonia social mostram-se necessários. Porém, fora isso, a limpeza é parte central do budismo [religião indiana difundida no leste asiático] e elemento básico do xintoísmo [nome dado à crença genuinamente japonesa]”, explica a doutora.
Ela confirma que os hábitos de higiene pessoal comuns na Ásia Oriental, sobretudo no Japão e na Coreia, foram, sem dúvidas, fundamentais para o controle da pandemia na região. “O forte sentido de responsabilidade social dos asiáticos em tempos de crise, que os leva a seguir as regras estabelecidas e a obedecer as ordens do governo, também foi essencial nesse processo”.
Para ressaltar cinco hábitos culturais que têm ajudado os asiáticos a vencer o coronavírus – e podem servir de legado para os ocidentais durante e após-pandemia, o Metrópoles, com auxílio da pesquisadora, elaborou uma lista.
1. Uso da máscara facial
Desde o surto da Sars, em 2003, e da H1N1 (a primeira pandemia do século 21), em 2009, as máscaras se tornaram comuns no dia a dia dos orientais. Além de prevenir a propagação de doenças, elas também são usadas para proteger as vias nasais da poluição e de alegrias comuns entre os asiáticos, como a do pólen (kafunsho, palavra em japonês) na primavera. Chegam a ser utilizadas, ainda, como acessório fashion, seja para esconder imperfeições do rosto, seja para incrementar o visual.
As mulheres asiáticas usam máscara com a naturalidade de quem sai de casa com os cabelos soltos. Essa familiaridade com o equipamento de proteção e os estoques das farmácias já preparados para atender à demanda facilitam o combate à Covid-19.
2. Saudação a distância
O aperto de mãos dificilmente é usado entre os orientais. O “ojiki”, movimento de curvar-se para cumprimentar, é a forma mais comum de saudação, sobretudo no Japão. Feita em diferentes inclinações e acompanhada ou não de gesto manual, essa maneira de expressão demonstra respeito e vale como “oi”, “obrigada”, “bom dia” e até mesmo “desculpa”. Num cenário em que o contato físico apresenta ameaça, pode ser uma alternativa interessante.
3. Respeito aos mais velhos
O coronavírus é mais letal em idosos. Por isso, em algumas partes do mundo, jovens não se preocupam nem um pouco com a doença e, destemidos, levam suas vidas normalmente. O cenário é diferente na Ásia Oriental. Por medo de infectar seus ancestrais, os asiáticos procuram sair de casa apenas quando necessário. “O respeito aos mais velhos faz parte da filosofia confucionista, da China, e se encontra também na Coréia e no Japão”, frisa Donatella. Mais uma vez, a consciência coletiva pulsa mais forte e traz resultados frutíferos à nação.
4. Disciplina
Com guerras e exemplos de superação em sua história, os orientais são extremamente disciplinados e acreditam fortemente no valor dos trabalhos individual e coletivo. “Aspectos culturais surgidos a partir do budismo zen, como a cerimônia do chá, dão muita ênfase nessa disciplina”, diz a estudiosa da cultura asiática.
Ela afirma que orientais, sobretudo os japoneses, aprendem a ser corretos e íntegros desde a primeira infância. Por lá, por exemplo, é comum estudantes ficarem encarregados da limpeza semanal da escola, afim de valorizar e contribuir para o trabalho alheio. Essa disciplina ajuda os asiáticos a seguirem protocolos de saúde, ou seja, encurtam batalhas contra epidemias.
5. Mania de limpeza
As tarefas diárias de limpeza e culinária são consideradas pelos orientais exercícios espirituais, assim como a meditação. A higiene faz parte da educação deles e, entre as manias mais comuns de limpeza, estão tirar os sapatos imediatamente ao entrar em casa. As residências costumam ter, no hall de entrada, apoiadores de calçado. Dentro do lar, eles têm o hábito de andar de pantufas ou meias e, em seguida, tomar banho. O álcool em gel também está sempre a postos para higienização das mãos.
Outro aspecto cultural que chama atenção dos forasteiros da Ásia é a quantidade de embalagens usadas para embrulhar produtos. O K-Beauty, forte movimento de beleza da Coréia do Sul, por exemplo, é conhecido pelos múltiplos e fofinhos invólucros. Essa é uma eficaz maneira de conservar e vedar os itens, protegendo, inclusive, de inimigos virais. Em contrapartida, os orientais enfrentam o problema de lidar com a quantidade de lixo produzida.
Brasileiros com experiências na Ásia
Quem passa longos períodos na Ásia e vivencia intensamente a cultura oriental costuma aderir hábitos para a vida. É o caso do brasiliense Kilton Rocha, de 53 anos. Ele se mudou para o extremo oposto do mundo como bolsista do governo japonês para estudar economia política internacional e acabou permanecendo no país por quase duas décadas.
“Voltei a Brasília há alguns anos, mas os aprendizados que adquiri ao decorrer da minha estadia no Japão permanecem”, revela. Devido à experiência por lá, ele encarou com naturalidade – ao contrário da esmagadora maioria das pessoas – a recomendação do Ministério da Saúde de usar máscara de proteção facial durante a pandemia de coronavírus. “Já tinha usado antes. Foi tranquilo”, conta.
“O que mais sinto falta da Ásia é a educação nata dos japoneses. Todos os bons costumes e práticas de higiene pessoal deles são regidos pelo forte senso de coletividade, aprendido na infância. Nesse sentido, nós, brasileiros, temos muito a caminhar”, compara.
O paulista Vinicius Dinov, 29, vive na Coréia do Sul há apenas dois meses, mas já diz ter sido contagiado por costumes asiáticos. “O choque cultural no início foi grande, pois não existe o famoso jeitinho brasileiro, ‘né?'”, brinca ele.
Casado com uma sul-coreana, o rapaz precisou levar muitos “puxões de orelha” da esposa para se adequar às normas locais. “Sempre tomava bronca por esquecer de lavar as mãos ao entrar em casa, por exemplo. Hoje, entretanto, já estou habituado e incorporei essa e outras práticas de higiene pessoal em minha rotina”, revela.
Outra brasileira vivendo no país sul-coreano, exemplo mundial no combate ao coronavírus, é a artesã Jessica Isis Lima, 27. O território, até a última edição desta reportagem, registra 302 mortes pela doença, número extremamente baixo se comparado às mais de 98 mil vítimas brasileiras.
Em vídeo, a baiana reconheceu o privilégio de enfrentar a pandemia no país asiático, mas lamentou estar longe da família no período tão delicado.