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Como as cotas raciais transformaram a vida de Mariana Fernandes

Ela foi a primeira da família a conquistar um título de pós-graduação e credita seu sucesso às políticas de inclusão

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O orgulho das origens está em cada detalhe do visual de Mariana Fernandes, 26 anos, mestre em história pela Universidade de Brasília (UnB). O cabelo crespo e os adereços afro são uma declaração de resistência, em uma sociedade que discrimina pela cor da pele.

Mariana conheceu o preconceito quando começou o ensino médio em um colégio particular de Brasília. Antes, frequentava escolas públicas. Na nova realidade, em uma sala de aula lotada, acostumou-se a olhar para os lados e não se reconhecer no que via. Era a única negra da turma.

Ter cabelo enrolado, pele escura, morar na periferia e participar de uma religião de matriz africana não era comum naquele espaço. Isso ocorre porque brancos e negros não têm as mesmas oportunidades no Brasil, como apontam dados do movimento Todos Pela Educação, divulgados em novembro de 2016. Os números ajudam a entender um cenário mais amplo do qual Mariana faz parte.

A maioria dos adolescentes brancos do país (70,7%) estão no ensino médio, na etapa condizente com a idade. Quando se olha para a população negra na mesma faixa etária, somente 55,5% dos pretos e 55,3% dos pardos frequentam a série adequada.

A taxa de analfabetismo é de 11,2% entre os pretos; 11,1% entre os pardos; e, 5% entre os brancos. O desemprego também é maior entre os pretos (7,5%) e pardos (6,8%) que entre os brancos (5,1%).

Aos 19 anos, após concluir o ensino médio com sucesso, Mariana se viu diante de mais um desafio: o de entrar em uma universidade. Depois de fazer cursinho preparatório para o vestibular, ela foi aprovada em história na UnB, pelo sistema de cotas raciais. Na faculdade, ouviu diversas vezes uma pergunta que a deixava constrangida: “Você é cotista?”, indagavam em tom de reprovação.

Era como se eu tivesse de justificar que era capacitada para estar na universidade, apesar de ser negra

Mariana

O debate sobre questões raciais havia surgido poucas vezes na vida da estudante, antes do ensino superior. “Até a universidade você não é preparado para enfrentar o racismo. Não me apresentaram reflexões sobre o que era o sistema de cotas”, explica.

A UnB foi a primeira Universidade do Brasil a aplicar o sistema de cotas raciais para estudantes. Em 2016, de acordo com o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), foram oferecidas 226 vagas para negros no Vestibular da UnB.

Mariana credita boa parte de seu sucesso à oportunidade que o sistema de seleção lhe ofereceu. “As cotas foram importantes para eu direcionar a minha educação e aprender mais sobre a minha história e as minhas origens. Além disso, depois da minha entrada na universidade, passei a me aceitar enquanto negra.”

Durante a universidade, Mariana aproveitou intensamente os quatro anos e meio de curso. No centro de convivência negra da UnB, ela pode observar e conviver com realidades parecidas com a que vivia. Com boas notas, calou o preconceito de muitos colegas a respeito de alunos que entram no ensino superior pelo sistema de reserva de vagas.

Um dos responsáveis por gerar em Mariana reflexões e mudanças no modo de enxergar a si mesma foi o professor da disciplina “Pensamento negro contemporâneo” da UnB, Rafael Nunes. Ele é um dos poucos mestres negros da universidade. Enquanto conviveu com Mariana, considerou-a uma aluna superinteressada.

“Por ser uma matéria optativa, sentia que os interessados eram, na maior parte, negros que buscavam entender um pouco mais sobre as próprias vivências, de forma epistemológica”, disse o professor que lecionou a disciplina durante dois anos.

O mestrado
Mariana é especializada em irmandades negras no Brasil colonial. Foi a primeira em sua família a se tornar mestre. Enquanto cursava a pós-graduação, dos 200 alunos do programa, apenas 10 eram negros. As cotas são definidas por ela como a porta de entrada para o mundo profissional.

Ela foi estagiária da Fundação Palmares, instituição pública voltada para a promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira. “A convivência e espaço de negros na universidade foi possível graças às cotas. Mas espero que tenhamos ainda mais negros também como autores, teóricos e professores”, afirma.

Com um título de mestra, Mariana sente-se preparada para uma carreira brilhante. Ainda assim, reflete sobre os preconceitos que podem surgir no caminho. “Sabemos que o mercado de trabalho é racista, preconceituoso e exige coisas como alisar o cabelo”, diz.

É dela o canal Foi Lossa, no Youtube. A mestra orgulha-se de poder levar debates sobre racismo e feminismo também para a internet. Quer multiplicar o que aprendeu na universidade e ampliar a sua voz.

Michael Melo/Metrópoles

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