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Brasilienses ensinam usuários a reduzir danos do uso de drogas

Florzine foi criada com colaboração de coletivo do DF e integra série de iniciativas independentes que difundem informações sobre o tema

atualizado

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Apesar de adotar uma das políticas de enfrentamento às drogas mais duras entre os países da América Latina, a redução do número de usuários de substâncias ilícitas no Brasil é uma realidade cada vez mais distante. Eles existem, representam uma parcela significativa da população, têm acesso às drogas precocemente, mas não encontram outro caminho em termos de políticas de saúde pública senão a abstinência.

Foi a partir dessa problemática que um grupo de brasileiras, incluindo moradoras do DF, resolveu criar uma cartilha e um personagem para desmistificar a redução de danos associada ao uso de maconha, um dos tipos de droga mais consumidos no Brasil.

O material tem ganhado repercussão nas redes sociais e chamado atenção pela criatividade, o caráter informativo e a coragem de suas autoras de falar sobre  assunto que, mesmo em tempos em que Ludmilla e a música Verdinha viraram hit, continua um tabu.

Redução de danos

Florzine é nome dado ao personagem agênero que aparece semanalmente com dicas para minimizar os efeitos nocivos do consumo de maconha e outros derivados da Cannabis.

Sua concepção é resultado do processo criativo de  três coletivos: Mulheres Cannábicas, nascido em Brasília e que reúne, atualmente, mulheres de todo o Brasil; Girls in Green, iniciativa de duas paulistas; e Appp Company, perfil de ativismo cannábico nas redes sociais.

Ana Cavalcanti, brasiliense e militante à frente do Mulheres Cannábicas, explica que a missão de Florzine é munir os usuários de informação. “A redução de danos parte da premissa de que não é por que alguém fuma maconha, por exemplo, que essa pessoa não deve ter acesso a conhecimentos que possam ajudá-la a cuidar de si e da própria saúde”, explica.

A iniciativa partiu de Alice Maria e Maria Eugênia Riscala. Nascidas em São Paulo e desbravadoras do mundo, elas  já viajaram para vários países no intuito de buscar informações sobre a planta, pelo qual são fascinadas. Até que um dia decidiram criar um perfil no Instagram com foco em pesquisa e redução de danos. Hoje, têm quase 60 mil seguidores.

Reprodução/Instagram
Maria Eugênia (à esquerda) e Alice nasceram em São Paulo e estudam os efeitos da Cannabis há mais de cinco anos

“Elas tinham muita vontade de fazer uma cartilha de redução de danos e até começaram a escrever o texto. Aí, a Alice veio em Brasília no ano passado, terminamos de escrever, fizemos adequação e pedimos pro pessoal do Appp Company ilustrar. A ideia é soltá-la nas redes sociais e, depois, fazer um jogo para conseguir trabalhar mais estratégias de redução de danos”, conta Ana.

“Hoje, nosso principal propósito é disseminar conteúdo de qualidade, focado em estratégias de redução de danos, baseado em nossas próprias experiências e estudos científicos, sem julgamentos e por meio de diferentes canais de mídia para sermos o mais acessível que pudermos”, completa Alice Maria. Ela também é psicóloga e estuda o tema há, pelo menos, seis anos.

“Queremos que os nossos seguidores possam se abrir, criar laços e terem a garantia de que serão respondidos, tanto para assuntos pessoais como dúvidas de conteúdo. Nós fazemos o nosso melhor para oferecer uma resposta rápida e com embasamento científico”, acrescenta a paulista, radicada atualmente na Califórnia.

Dados

A iniciativa de munir usuários de informação faz sentido. Sobretudo no Brasil, onde pelo menos 7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já usaram maconha pelo menos uma vez, segundo dados do 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no ano passado.

Já a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada com jovens de 13 e 15 anos de idade, aponta que os estudantes têm experimentado narcóticos cada vez mais cedo. O percentual do consumo de drogas ilícitas por esse público cresceu de 7,3% para 9% . A maconha é a substância mais acessada para fins recreativos.

A maioria dos usuários, contudo, desconhece ações para minimizar danos, como usar papéis mais finos na produção dos cigarros e nunca recorrer a resíduos de maconha já queimados para fazer outros, prática comum entre os usuários e altamente prejudicial para o sistema respiratório.

“Têm altas concentrações de toxinas (inclusive cancerígenas) que se formam no processo de combustão. Sabe aquele beck de pontas? Mande ele pra Jah”, explica Florzine em uma das ilustrações do guia.

 

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Nesse Natal escute a florzine: . “Evite fumar o resíduo que se forma nas PONTAS, bongs e cachimbos. Aquele tão conhecido melzinho tem altas concentrações de toxinas (inclusive cancerígenas) que se formam no processo de combustão. Sabe aquele beck de pontas? Mande ele pra Jah!!!” . Liberem o cemitério e cuidem da vida!(proteja o pulmão de quem vc ama, incluindo vc hehe) . Tem mais diquineas de #ReduçãoDeDanos no site das meninas @girlsingreen710, vão lá! . É louco pensar nos hábitos que a gente praticava mais nova e que aos poucos vamos aprendendo que “melhor não”, né? Cês já juntaram muita ponta por aí? Conta pra nóis . #LibereAPonta #SeLigue #florzine

Uma publicação compartilhada por Mulheres Cannábicas (@mulherescannabicas) em

Outro agravante está no fato de que a maior parte da maconha vendida no Brasil traz uma mistura imensurável de sujeiras e substâncias tóxicas que podem causar danos ainda piores ao usuário, como: café, urina, esterco, solução de bateria, partes de animais e árvores.

Apologia ao cuidado

Apesar de ambos os perfis – Mulheres Cannábicas e Girls in Green – militarem pelo antiproibicionismo e a favor do consumo da planta, os esclarecimentos prestados no contexto de redução de danos não são considerados apologia.

Maria Angélica Comis, membro do Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas de São Paulo, explica que a metodologia discute o uso de substâncias por grande parcela da população e não só por pessoas que têm problemas decorrentes desse consumo.

“Grande parte das pessoas consome álcool, por exemplo, droga lícita com propaganda na televisão. De que maneira podemos lidar falando sobre o álcool? Fornecendo estratégias para evitar que pessoas passem mal, já que escolheram esse consumo.”

Segundo a profissional, a técnica compõe o tratamento a partir de uma lógica de cuidado pautada na autonomia do indivíduo, na liberdade e no direito de escolher de que maneira ele quer se tratar. “A redução tem como objetivo fortalecê-lo nas suas necessidades e demandas imediatas. É um caminho dentro de qualquer tratamento que ele escolha”, salienta.

Assunto ganhou destaque no Carnaval

O conjunto de práticas e estratégias voltadas para pessoas que consomem, abusam ou são dependentes de drogas psicoativas é aplicado no Brasil desde o fim dos anos 1980, especialmente no combate ao HIV, com ações que vão desde conscientizar pessoas a não dividirem agulhas até abrir um espaço seguro de discussão sobre o consumo de substâncias

Contudo, desde 2019, a redução de danos deixou de ser uma diretriz na política de saúde do governo federal. Hoje, a principal tática defendida por Osmar Terra, então ministro da Cidadania, é a abstinência e a internação compulsória.

Essa postura motiva ambientes de militância e meio acadêmico a discutirem o tema com mais afinco. Inclusive nos festejos de Carnaval.

Em Olinda, Pernambuco, a Escola Livre de Redução de Danos organizou uma ação coletiva durante os festejos e abriu a 1ª Casa de Redução de Danos para acolher e conscientizar foliões sobre o uso de drogas.

 

Reprodução/Instagram @escolalivrereducaodedanos
Tabela de redução de danos oferecida no espaço mostra combinações fatais de drogas

Por um valor antecipado, o folião pôde garantir um espaço de descanso com água à vontade, comida, acesso ao “Museu das Drogas” montado especialmente para explicar a história e os efeitos de substâncias, kits gratuitos com canudos, protetor solar, soro e outros insumos para consumo seguro de drogas. Tudo com anuência das autoridades locais.

“Esse é um projeto piloto, uma experimentação. Nosso objetivo é mostrar às pessoas e ao Poder Público a necessidade de olhar para o consumo de álcool e outras drogas a partir da informação responsável, pautada na saúde pública, e não do punitivismo, em especial no Carnaval, quando esse consumo acontece muitas vezes sem as pessoas saberem o resultado das interações das substâncias” defende a bióloga e redutora de danos, Ingrid Farias.

“Acreditamos no acesso a informações responsáveis sobre uso de drogas e a disseminação de estratégias para que as pessoas possam aproveitar esse momento de alegria, e não se colocar em risco se escolherem fazer uso de drogas“, finaliza.

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