Brasilienses criam app para ajudar vítimas de violência sexual
App Relatos: Seu local de fala permite que mulheres vítimas de qualquer tipo de violência compartilhem suas experiências anonimamente
atualizado
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Um estudo produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostrou que, em 2018, o Brasil contabilizou 66 mil casos de violência sexual. O número corresponde a mais de 180 estupros por dia. Entre as vítimas, 54% tinham até 13 anos de idade. Diante desse número espantoso de vítimas, o desenvolvedor de software Marconi Costa criou, junto à namorada e assistente social Helen Talita, o aplicativo Relatos: Seu local de fala.
O programa consiste em um fórum que dá espaço para que mulheres vítimas de qualquer tipo de violência – sexual, patrimonial, física, psicológica e moral – desabafem sobre suas experiências, conversem entre si e possam ajudar outras pessoas que estão ou estiveram na mesma situação. E com um detalhe: não é preciso se identificar, basta contar o que viveu sem que seu rosto e/ou nome seja identificado.
“Trabalho atendendo pessoas em situação de violência doméstica e sexual. Percebi que o atendimento das mulheres em situação de violência doméstica tinha uma particularidade: quando a equipe de atendimento propunha atividades semi direcionadas para trabalhar o empoderamento, a superação dos traumas da violência, a autoestima, dentre outros, notei que o maior desejos dessas mulheres era contar suas próprias histórias”, explica a assistente social Helen Talita.
De acordo com Helen, a corrente era positiva. “Quando uma começava a contar, todas as outras ficavam atentas e davam opiniões, conselhos, tiravam dúvidas e se encorajavam a superar a violência”, recorda.
Na prática
O desenvolvedor Marconi Costa resolveu colocar a ideia da namorada em prática e criou o aplicativo, disponível no Play Store para aparelhos Android. “Nesse ambiente virtual, elas podem conversar, conseguir apoio, compartilhar experiências, criando, assim, uma rede de mulheres ajudando umas as outras a superar essas situações”, afirma.
O serviço não conta com um espaço para falar com especialistas, porém, divulga números de redes de apoio em todo o Brasil. Caso a mulher precise de ajuda profissional, pode recorrer ao menu Links Úteis, com todos os números de telefone e e-mails, inclusive para mulheres brasileiras em outros países.
Modo anônimo
Tristeza, vergonha, medo, ódio… Os sentimentos que uma mulher vítima de qualquer tipo de violência sente são pessoais e inexplicáveis. Por isso, alguns cuidados relativos ao anonimato precisam ser tomados.
“Por ser de forma anônima, há mais liberdade para contar o que aconteceu. É um espaço com menos julgamento. A vítima se sente livre para responder perguntas e questionamentos. Além disso, é comum elas terem medo de falar sobre a violência, até por medo do que as outras pessoas vão pensar. Assim, com a identidade preservada, facilita o desabafo, sem ter que lidar com comentários maldosos, opiniões precipitadas e julgamento alheio”, afirmou a psicóloga especialista em terapia familiar sistêmica Lia Clerot.
Segundo a médica, é preciso tomar cuidado com o anonimato para que o espaço de fala das mulheres seja completamente benéfico, reforçando o compromisso de quem publica o desabafo.
“Algumas têm medo de julgamentos e medo de serem apontada na rua, principalmente por pessoas que desconhecem a situação vivida por ela. Então, psicologicamente, falar anonimamente dá a sensação maior de segurança”, acredita a médica.
“Ela vai falar tudo que precisa, sem ter vergonha ou medo. Como se tratam de temas sérios, também é preciso ter um compromisso com a verdade para que o aplicativo sirva como um meio de apoio, não para fazer apologia, machucar ou julgar outras pessoas”, defende Lia.
As mulheres se sentem inspiradas, encorajadas e fortalecidas por saber que é possível sair daquela situação em que julgam como definitiva e sem saída
Marconi Costa, desenvolvedor do app
Lia Clerot concorda: “É um espaço aberto para que as pessoas vítimas de abuso se sintam acolhidas. O modo anônimo também ajuda muito para proteger a identidade e aliviar a sensação de medo e vergonha”, finaliza.
A atitude de Marconi e Helen já é um passo a frente na batalha contra a violência sexual. Já a professora Janara Sousa, de 42 anos, criou o projeto de pesquisa e extensão para escolas do Distrito Federal, chamado “Escola de App: enfrentando a violência on-line contra meninas”. Além de dar empoderamento, a iniciativa tem como objetivo fazer com que adolescentes do ensino médio aproximem-se mais da tecnologia e aprendam a desenvolver aplicativos para encarar o problema de frente.