Brasiliense usa Instagram para apoiar e empoderar mulheres gordas
Moradora do DF, a jornalista Vanessa Campos usa o Instagram para levar mensagens positivas contra a pressão estética e a gordofobia
atualizado
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Uma pesquisa realizada pela Sophia Mind, empresa de pesquisa e inteligência de mercado, revelou que 56% das brasileiras estão insatisfeitas com a própria aparência. Havendo oportunidade, 95% delas mudariam algo em seus corpos. A partir desses dados, compreende-se porque o Brasil ultrapassou os EUA e se tornou campeão em cirurgias plásticas faciais, com mais de 500 mil procedimentos por ano.
O cenário pode ser desanimador para as mulheres, mas não abateu a jornalista Vanessa Campos, moradora do Distrito Federal, ativista do movimento Body Positive e criadora do perfil Blogueira Fail, no Instagram.
Natural de Recife, ela não imaginava o giro de 180º que a vida daria após a mudança para Brasília, há 10 anos. Tampouco que as novidades viriam a partir da decisão de conciliar o trabalho de jornalista com a atuação nas redes sociais.
Em 2016, época em que o Instagram lançou a função Stories e deu mais ferramentas para que influenciadores transformassem o hobbie em profissão, Vanessa passou a publicar fotos satirizando hábitos popularizados pela rede.
Ao contrário de looks impecáveis, do esforço para contrair a barriga, e da busca incessante por um ângulo ideal, ela decidiu mostrar a vida das mulheres a partir de uma perspectiva mais autêntica. Os amigos gostaram, conhecidos passaram a segui-la e, no ano seguinte, nasceu oficialmente o Blogueira Fail.
“Aparecia com meu look de ir na padaria, short jeans, sandália de dedo e camisetinha com um saco de pão na mão fazendo foto no espelho do hall do meu prédio, que estava em reforma. O cenário era de caos, parede rebocada, trabalhador passando atrás com saco de cimento. Usava legendas engraçadinhas como ‘gorda deve usar preto pra disfarçar a silhueta’, usando um vestido pink e justo”, lembra.
Não demorou para que a pernambucana percebesse como a imposição de padrões estéticos e comportamentais incomodavam outras mulheres, e o potencial da sua coragem e bom humor para inspirá-las. “Foi quando abri minha mente, entendi que havia muito trabalho sério sendo desenvolvido nas redes sociais e que essa plataforma poderia ser usada com responsabilidade, para falar de temas importantes, como a gordofobia.”
Haters
Em dois anos, Vanessa alcançou a marca de 13 mil seguidores, conquistados organicamente. Um êxito importante em tempos de algoritmos gananciosos e, sobretudo, dos haters. Essa parcela do público, aliás, exigiu paciência. Ela não esmoreceu com as críticas. Pelo contrário. Deu ainda mais propósito ao trabalho.
“Tem de tudo. Pessoas que mandam Directs para contar sua história, haters que vão ‘me esculhambar’ e dizer que jamais ficariam comigo, como se eu estivesse à procura, os sem noção que vão me paquerar. Alguns eu excluo de cara, mas quando é possível o diálogo, tento responder todas as mensagens direcionadas”, diz.
Um dos episódios que mais lhe renderam mensagens de ódio no inbox ocorreu na semana passada, após conceder entrevista ao Metrópoles.
Como ativista, Vanessa comentou as críticas à Paolla Oliveira, em razão de fotos da atriz de biquíni, em gravação para a novela A Dona do Pedaço, terem vazado nas redes sociais.
“Ganhei muitos seguidores e recebi várias críticas também. São sempre as falas mais terríveis, mais escabrosas. Parto do olhar de que essas pessoas também estão em processo de dor”, conta Vanessa.
“Se você abre um texto, lê e abre a caixa de comentário para humilhar alguém que muitas vezes você não conhece, é sinal de que não conseguiu fazer uma reflexão sobre a sua própria história. Às vezes, joga suas próprias questões: sua sombra, seu medo, sua rejeição, sua não-aceitação… ”, continua.
A influenciadora menciona o caso mais recente de homofobia envolvendo uma personalidade global. “Não faz nem uma semana que a Paolla foi crucificada nas redes sociais e já temos mais um caso, da Cacau Protássio. Além de gordofobia, a global recebeu uma série de ataques racistas. Já os bailarinos que estavam com ela sofreram homofobia
“Isso não é sobre estética, é sobre obediência, um lugar que querem impor as mulheres”, cita, fazendo referência ao livro O mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres, da escritora norte americana Naomi Wolf.
Superação e troca entre mulheres
Rapidamente, o perfil de Vanessa se transformou em um espaço de troca entre mulheres – gordas ou não. Na missão de ajudá-las a aceitarem seus corpos, a ativista descobriu que poderia, ela mesma, encontrar satisfação plena com o espelho, e superar transtornos alimentares com os quais convivia há anos.
“Tive bulimia por 15 anos e o Blogueira Fail foi muito importante para eu aprender a controlá-la, porque a doença não tem cura. Foi falando para outras mulheres e ouvindo-as que passei a buscar alternativas como o yoga tântrico e o mindfull eating”, lembra.
A primeira técnica propõe a expansão da mente humana por meio da consciência. Já o segundo conceito está ligado à atenção com a alimentação.
A prática abarca desde a observação do alimento em si – como aroma, textura, temperatura e sabor – à avaliação sobre o sentido daquela refeição: estou comendo por fome ou para aplacar algum sentimento, como angústia, ansiedade ou medo? Ou para nutrir o corpo?
“São questionamentos que me ajudaram a perceber que eu não comia como prazer. Eu comia para explodir, para passar mal ao ponto de vomitar. Era uma punição, um vazio que queria preencher com comida, para não precisar acessá-lo. Tem gente que come por vários outros motivos: para sentir-se feliz, por sentir-se triste, para compensar as horas na academia. Temos uma relação muito agressiva com o alimento”, pontua.
Futuro
Em 10 anos, Vanessa viu a vida mudar. De dentro para fora, como costumam ser as transformações mais profundas. A pouco mais de um mês para o início da próxima década, ela projeta um cenário mais positivo para as mulheres, embora admita que o mercado, sobretudo o de moda, tenha muito a evoluir.
“Acredito que estaremos mais resistentes e conscientes dos nossos direitos e deveres. Hoje, temos muitas marcas que usam a moda inclusiva para se promoverem, mas que só têm tamanhos até o 44, que, definitivamente, não atende as mulheres gordas”.
Apaixonada pelo tema desde criança, quando via a avó debruçada sobre a máquina de costura, ela acredita que, em 10 anos, haverá menos preconceito.
“Não acho que teremos roupas para mulheres gordas em todas as lojas, como deveria ser e é o meu propósito de vida. No entanto, acredito que haverá muito mais do que existem hoje. Estamos ficando mais criteriosos, impondo a nossa existência”, pondera.
Até lá, ela pretende continuar levando mensagens positivas na internet, participando de palestras em escolas e universidades, e inspirando marcas e pessoas. Inclusive, fora do quadrado: ela já foi convidada para falar sobre o blog em Goiânia e São Paulo.
“Existe uma troca muito positiva. É um espaço no qual eu divido meus processos, para entender meu corpo, a história que ele carrega e meus propósitos. Mas não tenho autoridade para dizer que eles são ideais para outras pessoas”, aponta.
“Já recebi o telefone de uma amiga em São Paulo contando que fazia uma palestra sobre o tema e exibiu uma foto minha para contextualizar. Ela ouviu de uma participante que, a partir de vídeos meus fazendo yoga, ela descobriu que também poderia fazer, por termos um corpo semelhante. Isso me emociona e me motiva”, finaliza.