Bom filho à casa torna: pandemia faz jovens voltarem a morar com os pais
Por motivos econômicos ou em busca de companhia, o apoio familiar foi um refúgio buscado por muitas pessoas em dias turbulentos
atualizado
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Quando chega o inverno, as plantas priorizam suas energias. Perdem um pouco de exuberância, se despedem de algumas folhas e flores. Só o que é essencial permanece. Como uma estratégia de sobrevivência em tempos difíceis, a natureza retorna às suas origens. No caso da humanidade, não é diferente. Com o advento de uma crise sanitária como a pandemia, muitos brasileiros alteraram seu destino para uma rota bastante conhecida: a cidade onde nasceram e, mais precisamente, o conforto da casa dos pais.
Apesar de parecer um movimento recente, essa não é uma particularidade do “novo normal” imposto pela Covid-19. “Em situações de crise, há uma maior vulnerabilidade percebida pelo indivíduo”, explica o psiquiatra Alisson Marques, médico do Núcleo de Saúde Mental do SAMU e da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Em busca do acolhimento familiar na figura dos pais e da casa onde cresceram, muitos encontram um local de pausa, aprendizagem e autoconhecimento. “Do ponto de vista financeiro ou por conta da solidão do isolamento, esse movimento tem sido frequente”, completa o especialista.
Thiago Nardelli sentiu na pele a diferença. Nascido em Ribeirão Preto, em São Paulo, ele se mudou para Campinas para cursar faculdade de arquitetura e, desde então, morava sozinho. “Um dia, durante a pandemia, eu estava em casa e comecei a sentir falta de ar. A sensação de tentar respirar e não conseguir já era desesperadora por si só. Para mim, foi ainda pior porque não tinha ninguém comigo”, relembra.
Depois do episódio, ele resolveu voltar para a casa do pai, pelo menos por um tempo. “Eu estava enclausurado em um pequeno apartamento, sozinho em um momento de tensão. Sinceramente, parecia o fim do mundo. Dividir isso com outra pessoa e saber que há alguém que está ao seu lado e no mesmo barco que você é reconfortante”, compartilha o arquiteto.
Durante sete meses, o tempo livre foi preenchido com mais trabalhos extras e tempo de qualidade em família. Após o período de reconexão, ele trocou de emprego e voltou para Campinas. Desta vez, para um apartamento maior. “Eu comecei a ter outros critérios, prestar mais atenção no tamanho do apartamento e em outras funcionalidades. Não só pela pandemia, mas acredito que também é um sinal de maturidade”, diz.
A influência do ambiente
Acostumada a encarar o lar como dormitório, a sensação de estar sozinha em um apartamento pequeno no meio de um grande centro urbano, como São Paulo, também incentivou Mariane Bezerra a buscar uma reconexão familiar. Nascida em Brasília, a administradora se mudou para a capital paulista, em 2019, para trabalhar.
“Eu e outras amigas viemos para São Paulo com o objetivo de ficar a maior parte do tempo no escritório, então, alugamos pequenos estúdios”, explica. Quando o mundo lá fora ficou distante e a vivência foi reduzida à moradia, ela sentiu o desconforto e a falta do ar livre, assim como viu uma oportunidade de reduzir gastos no orçamento.
Enquanto as pessoas passam muito tempo fora de casa, ter um apartamento menor pode ser sinônimo de praticidade. Menos tempo para limpar, menos gastos com cuidados da casa. O coronavírus quebrou mais esse paradigma. “Houve uma inversão nessa realidade. Nós precisamos, como seres humanos, ver o verde e ter espaço para conviver. Isso provoca uma mudança nas prioridades”, explica a psicóloga Larissa Polejack, diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária e professora da Universidade de Brasília (UnB).
De acordo com a especialista, essa necessidade reafirmou movimentos recorrentes na pandemia, “com mudanças para ambientes maiores, pessoas que começaram a cultivar hortas em casa e adotaram animais, valorizando mais o ambiente em que vivem”.
O excesso de trabalho e a dificuldade de separar o momento de dedicar à profissão e a si mesma foram outros elementos que contribuíram para o estresse. “Eu estava em um ambiente pequeno, fechado, tinha dificuldade em separar a hora de trabalhar e a hora de parar, comecei a sentir um reflexo na minha saúde mental. Tudo isso culminou para a minha decisão de voltar para a casa, pelo menos por um tempo”, conta Mariane.
Regras de convivência
No entanto, o retorno também teve seus desafios. Para os pais que recebem o filho de volta, não importa quanto tempo se passou, “eles vão ser para sempre crianças e serão vistos dessa forma” pondera Josiane Cunha, psicóloga do Hospital Sírio Libanês de Brasília. Além disso, a pessoa que volta não é a mesma de anos atrás. Nem a família que a recebe.
“Para mim, foi difícil conciliar a dinâmica familiar com o home office”, conta Mariane. Ela destaca que a mãe esperava por mais atividades em família. “A pessoa está em casa, mas isso não significa que ela está disponível”, completa. A dinâmica do trabalho remoto, em si, é uma novidade a ser desvendada por muitos.
Para resolver a questão, a orientação da psicóloga Josiane é a manutenção da comunicação e do diálogo. “Chame a pessoa para conversar, seja franco e esteja aberto a concessões”, orienta. Cada um vai encontrar uma maneira de iniciar o assunto e é importante abrir espaço para combinar momentos de convivência. “Isso vai, inclusive, ajudar a pessoa que está trabalhando”.
Um passo atrás
Para Tainá Ferreira, o retorno para casa foi decisivo. Ela precisava reavaliar as possibilidades que tinha na vida. Desde que se formou, em 2018, estava trabalhando como freelancer. Com a pandemia, as oportunidades ficaram mais escassas e ela voltou para a casa da família em Unaí, Minas Gerais.
“Em um cenário de pandemia, com as pessoas perdendo o emprego e oportunidades escassas, coloquei na balança e vi que não valiam a pena os gastos de manutenção, que são altos”, relembra.
Para alguns, o retorno pode ser visto como um passo atrás. Mas, na verdade, esse é um momento fundamental de reavaliação, conexão e autoconhecimento. “A forma como você enxerga esse processo depende muito da maneira que você vê a situação”, explica Josiane. “Você deve olhar para isso como um momento de traçar novos planos de ação, se distanciar para encontrar outras possibilidades ou elaborar novas estratégias”, completa.
Além disso, é importante colocar-se à disposição para ajudar. “Se sentir útil também vai auxiliar no processo psicológico e emocional, afinal somos seres sociais”, reitera a psicóloga.
Outra medida fundamental é atribuir à pandemia o seu caráter transitório. A humanidade ainda está enfrentando esse desafio sem precedentes, no entanto, entender que no futuro as coisas estarão melhores é uma maneira de ver a vida com mais positividade e esperança.
Depois de poucos meses em casa, Tainá recebeu uma proposta de emprego em Brasília em plena pandemia, e agora trabalha em home office, ainda na casa da família. Para o futuro, ela planeja um retorno à capital federal. “Foram dias de muita preocupação. Contudo, em casa sempre tive apoio, nunca houve cobrança. No fim, deu tudo certo e, sinceramente, foi uma ótima surpresa”, afirma.