Apropriação cultural inflama o debate da questão racial na moda
O assunto está presente no dia a dia e gera polêmica. Lojas como Arezzo e Farm já foram alvo de críticas por apresentar modelos brancas vestidas em símbolos da cultura negra. O debate também se aplica na arte e no design
atualizado
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A apropriação cultural é um conceito pouco discutido fora dos territórios de ativistas e engajados. O assunto gera opiniões contrárias e inflamadas. Movimentos sociais, como os que tratam das questões indígenas e os de defesa dos direitos das pessoas negras, defendem que símbolos culturais não devem ser usados quando têm seu significado esvaziado.
O problema começa quando uma pessoa, que transita em outros espaços, tira vantagem da cultura de quem deveria ser protagonista. “Ser negro na sociedade não é vantajoso. Quando surgem ações afirmativas e de empoderamento, aparece um monte de gente querendo se aproveitar, sem ter nenhum tipo de experiência de ser negro”, explica Dalila Negreiros, ativista do Movimento Negro do DF.
A cultura afro no Brasil é amplamente difundida. Há babalorixás brancas, sambistas brancos e capoeiristas brancos. A presença dessas pessoas encobre a presença do negro. A sambista branca tem mais acesso à TV e usa essa vantagem para circular em espaços onde as pessoas negras não são bem-vindas
Dalila Negreiros
Globalização
O problema vai muito além do mundo fashion e da questão racial. Se um pintor branco produz quadros com temas indígenas, por exemplo, e ganha dinheiro com isso, sem oferecer qualquer benefício a essa comunidade, pode-se dizer que ele tirou vantagem de outro povo.
O mundo está acostumado a se apropriar o tempo todo. Isso é estelionato cultural. Há quem se ofenda quando são criticadas. Mas o debate é coletivo, não é questão pessoal
Dalila Negreiros
Para ela, não há dúvidas sobre quem deve ou não usar os símbolos afros, mesmo diante da miscigenação brasileira. “Torna-se muito claro quem é negro na nossa sociedade: é aquele a polícia pára, quem é mandado para o elevador de serviço e quem sofre preconceito.
Turbante, dreads e rastafari
Herança africana, o turbante, um dos maiores objetos de debate, tem simbologia em religiões afro. Não há proibição formal do uso do acessório, mas, se você não é negro, antes de escolher usá-lo, saiba que alguém pode se ofender.
“Ele não é um pano que você simplesmente amarra na cabeça e sai andando. O fato de usá-lo tem valor religioso e étnico. Quando a moda coloca isso na cabeça de modelos de passarela é uma afronta, pois se esvazia de todo o significado”, explica Dalila.
O mesmo vale para tranças e dreads. Mas com o último a questão é ainda mais delicada, pois se liga a uma filosofia de vida. “O rastafarianismo é politizado do ponto de vista racial. Uma pessoa negra que não alisa o cabelo já faz algo revolucionário. Mantê-lo crespo, por exemplo, é um símbolo de resistência, especialmente na América e no Caribe”, explica.
Grafismos e desenhos
As roupas com estampas étnicas também são alvo do debate. Quando uma marca faz uma coleção inspirada na cultura afro, deve-se saber quem está criando aquela peça, qual o motivo por trás e perguntar se a empresa remete uma parte do lucro para as causas daquela etnia.
A jornalista de moda Luiza Brazil é negra e autora do Mequetrefismos.com, que retrata aspectos da cultura afro. Ela acompanha de perto a questão, especialmente quando relacionada a moda. “É um grande problema quando se encara a África ou a religião como modismo ou tendência. Isso acontece com frequência porque não há nas revistas especializadas pessoas negras que possam dialogar e esclarecer esses pontos”, diz.
Por isso, existe a necessidade de mais inclusão na cadeia de moda. Queremos ser retratados e homenageados, mas a linha é tênue entre apropriação e valorização.
Luiza Brazil
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