Aos 17 anos, estudante desiste de viagem de formatura e lança app que denuncia assédio sexual
“Sai Pra Lá” foi lançado nesta semana e funciona como um mapa onde as vítimas conseguem registrar de forma anônima o assédio sofrido
atualizado
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Há quatro meses, a paulistana Catharina Doria, de 17 anos, andava pela rua quando ouviu uma série de impropérios de um homem desconhecido, bem mais velho do que ela. “Ele dizia: ‘E aí, gostosa? Você é muito linda, vou te levar para casa’. Eu tinha 16 anos na época!”, lembra a estudante, que sempre se choca ao contar. Era um desses dias em que nada dá certo. O assédio certamente não ajudou. A adolescente bem que quis responder à altura. Não teve coragem.
Queria me enfiar dentro de um buraco e ficar lá, me senti suja. Fiquei com vontade de responder, mas tive medo de ele me bater, me estuprar.
Catharina Doria
A jovem não fez nada, mas foi para casa com aquilo na cabeça. Na época, nem para as amigas contou.“Não é o tipo de coisa que você fala. Você não chega ao colégio e conta que escovou os dentes de manhã. Virou a mesma coisa. É normal, ninguém conta mais”, lamenta.
Mesmo assim, a menina ficou engasgada com a situação. A revolta deu origem a um projeto que em pouquíssimo tempo já virou hit na internet. O aplicativo Sai Pra Lá foi lançado na última terça-feira (3/11) para iOS e Android e funciona como um mapa interativo da ocorrência de assédios verbais, físicos ou de qualquer outra natureza.
De forma anônima, a vítima registra o endereço, o período do dia, o tipo de assédio e descreve o que aconteceu. Assim, fica mais fácil mapear as zonas mais perigosas de cada cidade ou onde os assédios são mais frequentes, levantar números de ocorrências que jamais chegariam à delegacia seja por medo ou por banalização do “fiu-fiu”, e cobrar ações de políticos e autoridades.
Uma viagem por um sonho
No início, a empreitada parecia mais difícil do que realmente foi. Além do dinheiro, precisava de ajuda para tirar a ideia do papel. Até que, há alguns meses, os alunos da sua turma começaram a organizar uma viagem de formatura, para Cancún, no México, para o ano que vem. Foi aí ela que ela tomou coragem para começar a colocar a coisa em prática.
Virei para minha mãe e perguntei se ela não toparia, em vez de bancar minha viagem de formatura, bancar o meu projeto. Ela me perguntou se eu tinha certeza disso, que depois não poderia voltar no tempo e se eu não me arrependeria. Mas financiou tudo.
Catharina Doria
Com a grana, Catharina chamou dois amigos para ajudar no desenvolvimento do app e no design da plataforma. Até ele ficar disponível para download, há dois dias, foram pouco mais de dois meses.
Em poucas horas, a página do app no Facebook chegou a 2,5 mil curtidas. Já contabiliza mais de 11 mil. Até a quinta-feira (5/11), o aplicativo registrou mais de mil assédios, espalhados por todo o Brasil. Nem Catharina esperava tanta repercussão.
“Ele está configurado para mostrar os 100 assédios mais próximos de você. No início, ele me mostrava o Brasil inteiro. Agora, vejo um pedacinho do mapa só! Recebi mensagens de meninas dizendo que pela primeira vez na vida tomaram atitude em relação a um assédio e que se sentiram livres por isso. Fico com os olhos cheios d’água”, conta.
A segunda fase do projeto é de melhorias. Mas, sem patrocínio, fica mais difícil, já que tudo o que envolve tecnologia é caríssimo. “Minha mãe me ajudou nessa primeira etapa, e agora quero correr atrás de alguém que nos ajude a manter tudo funcionando”.