Amor ou desejo? Especialistas dão dicas para relacionamento aberto
Esse tipo de relação cresce, principalmente entre homossexuais, mas ainda traz dúvidas sobre como levá-la adiante
atualizado
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Juntos há quase sete anos, César de Souza, 26 anos, e Luís Ricardo, 27*, decidiram abrir o relacionamento após o primeiro ano de namoro. Com muita conversa e compreensão, o casal passou a viver uma liberdade sexual ainda pouco aceita na sociedade. Apesar da normalidade com que fala dos últimos anos da relação, César não é compreendido por muitas pessoas, assim como várias outros inseridos neste contexto.
Professor, o rapaz esconde da família o relacionamento “diferente”. “Não é algo que eles vão entender muito bem”, explica. Para amigos mais próximos, no entanto, já esclareceu a situação. Vivendo momentos românticos com o namorado, o educador, contudo, revela que encarar a nova fase da relação não foi fácil.
No primeiro ano de namoro, César mantinha envolvimento somente com Luís. Porém, durante uma viagem, o casal expressou vontade em ter relações sexuais com outras pessoas. No mesmo dia, baixaram aplicativos de pegação e transaram, mais tarde, com outro homem. Desde então, vivem desta forma e, embora já tenham refletido sobre retornar à monogamia, não pretendem mudar o padrão construído em união.
Argumentos
Mudar as regras não significa que o namoro estava ruim, como revela César. “A gente amadureceu o amor e entendeu que vive em um padrão heteronormativo”, diz, referindo-se ao fato de casais permanecerem juntos e ignorarem seus desejos sexuais. “Sentir prazer por outra pessoa não é forma de desamor”, argumenta.
Apesar de sentir ciúmes no começo, a situação agora é outra: “Crise é uma coisa muito normal. Tive momentos irracionais de sentir ciúmes, tive postura grossa, mas, com diálogo, resolvemos tudo”. O brasiliense relata que nos primeiros estágios do relacionamento aberto contava com ménages à trois e beijos apenas quando Luís estava junto. Com o tempo, passaram a ser independentes.
Embora esteja propenso a transar ou beijar homens longe do namorado, César garante que eles “nunca curtem festas sozinhos e sempre priorizam a relação”. Além disso, revela nunca ter se apaixonado por outro alguém. “Paixonite é intensa, mas rasa. Então não é algo para eu temer”, explica.
O relacionamento de César e Luís está incluído em uma pesquisa realizada pela Organização da Saúde Homossexual (GMFA) e pela FS Revista. Feita com 1.006 homens gays entrevistados no Reino Unido, o projeto concluiu que 41% deles têm casos abertos ou não-monogâmicos.
A sexóloga Karol Rabelo, 37 anos, aponta que relações heterossexuais são embasadas em “posse” e no sistema patriarcal, no qual o casamento é preservado. Por já quebrarem padrões sociais, gays avaliam a monogamia como algo ultrapassado e costumam se enxergar como pessoas “não pertencentes a outras”. Em teoria, esse tipo de relação parece simples, principalmente no meio LGBT, mas pode gerar problemas se o casal não souber lidar com os próprios sentimentos.
Amadurecimento e frustrações
Júlia Buarque, 43 anos, é psicóloga e costuma atender jovens com problemas amorosos. De acordo com ela, as pessoas não conseguem mandar nas emoções. Portanto, apaixonar-se por outras pode colocar em risco seu relacionamento. Para Júlia, o casal precisa ter maturidade e saber lidar com imprevistos. “Quando um só está disposto, não vale a pena porque eles não vão conseguir lidar com essa situação”, diz. Contudo, garante que se ambos estipularem acordos e existir comunicação, a conexão amorosa pode dar certo.
Entretanto, falta de amadurecimento sentimental e incapacidade de encarar as próprias emoções pode dar fim a uma conexão de anos. Diferentemente de César e Luís, Mirian Sánchez, 19 anos, morava com o ex-namorado e mesmo assim não conseguiu levar o relacionamento aberto adiante. Juntos há mais de dois anos, a estudante e o então parceiro decidiram se abrir para este novo tipo de relação “porque não tinham uma vida sexual satisfatória”. Surtos de ciúmes, todavia, esfriaram a conexão.
“Inicialmente foi muito tranquilo, conversamos e estabelecemos regras. Os problemas começaram porque ele passou a sentir ciúmes e queria saber os detalhes do que rolava entre mim e as outras pessoas”, conta. A situação a deixava desconfortável, principalmente porque o rapaz não relatava suas próprias experiências.
Sentindo-se acuada, Mirian tornou a ser 100% monogâmica, mas sem sucesso. “Fechamos o relacionamento e pouco tempo depois terminamos”, diz. O incidente não desmotivou a estudante, e ela garante que teria novo envolvimento assim desde que “a outra pessoa tenha maturidade para isso”.
Abrindo um relacionamento
“A nossa mentalidade muda constantemente”. A frase da sexóloga Karol Rabelo ilustra como pessoas podem ser capazes de viver um relacionamento aberto. Contudo, para quem já pensa em protagonizar uma relação assim, a psicóloga aconselha que haja honestidade no início do namoro. “É bom já dizer o que pensa para não haver decepções”, diz.
Já para Júlia Buarque, ter um relacionamento aberto não é tão simples. “Exige certa maturidade, consciência e respeito”, explica. Embora sejam iniciados por desejos sexuais aflorados, esses casos precisam ser bem tratados e envolver diálogos constantes.
Inserido no estilo de vida, César de Souza concorda com o discurso das psicólogas. “A relação precisa estar em primeiro lugar, e é sempre bom conversar muito, informar o que causa incômodo e insegurança. Amor é carinho, cuidado e compreensão”, ressalta o professor. Por fim, alerta: “Se for abrir o relacionamento pra tentar salvar um namoro frio, melhor nem tentar”.
*Nomes trocados para preservar as identidades das fontes