América Latina é a região menos triste do mundo, conclui estudo
Levantamento com 151 mil pessoas de diversas nacionalidades mediu qualidades intangíveis, como sentimentos e emoções
atualizado
Compartilhar notícia
Triste, preocupada, estressada e com raiva. É assim que vive a população mundial, segundo o Relatório Global das Emoções, realizado pela Gallup, empresa americana de pesquisa de opinião. O levantamento mediu qualidades intangíveis, como sentimentos e emoções, que indicadores econômicos tradicionais não abordam.
Participaram da pesquisa aproximadamente 151 mil adultos de mais de 140 países, com o ano de 2018 como referência. O parceiro de gerenciamento global, Jon Clifton, explica que as variáveis analisadas pelos pesquisadores incluem como as pessoas veem sua própria felicidade, descanso, risadas, respeito e estimulação intelectual. Eles também observaram emoções negativas, como raiva, estresse, tristeza, dor física e preocupação.
Além disso, a Gallup indica que existe uma “onda de infelicidade” correndo por todo o globo, motivada principalmente pela política e pela quantidade de informações consumidas nas redes sociais. Para chegar a essa conclusão, a empresa aplicou questionários e levou em conta índices sociais de desigualdade.
Quando se fala de tristeza em um panorama geral, o lugar mais precário, segundo o levantamento da Gallup, é Chade, na África. O país já enfrentou várias guerras e conflitos internos, o que reflete na negatividade das pessoas. Na pesquisa, Chade já tinha aparecido como nação mais infeliz no ranking de alegria em 2018. Violência, deslocamento, falta de serviços básicos e acesso a alimentos são os principais pontos de insatisfação.
Logo atrás de Chade aparecem, respectivamente, Nigéria, Serra Leoa, Iraque, Irã, Benim, Libéria, Guiné, territórios palestinianos, Congo, Marrocos, Togo e Uganda. A pesquisa nota também uma queda mundial de dois por cento nos níveis de estresse em comparação ao número observado no ano anterior. No entanto, houve um aumento de dois pontos no quesito raiva, o maior já registrado pela Gallup.
Arriba! Os latinos são mais felizes
Jon Clifton ainda escreve no relatório que, “se a vida não é sobre ficar rico, então onde as pessoas mais felizes do mundo vivem? Este relatório sugere que elas podem viver na América Latina. Os latinos podem nem sempre avaliar suas vidas como as melhores (como os países nórdicos), mas eles riem, sorriem e experimentam felicidade como ninguém mais no mundo”.
Os residentes da América Latina disparam no ranking da felicidade e representam nove dos 10 países mais felizes do globo, apesar das crises políticas, econômicas e sociais vividas em algumas nações da região. Paraguai lidera a lista e é seguido por Panamá, Guatemala, México, El Salvador, Indonésia, Honduras, Equador, Costa Rica e Colômbia.
“Alguns países que estão vivendo crises, atualmente, não passaram por isso antes, então eles estabeleceram um vínculo de afetividade muito grande. Existe uma aceitação da vida, apesar da falta de poder aquisitivo. No Brasil, existe uma diferença marcante do resto da América Latina: o prezar pelo ter em vez do ser”, afirma o psicólogo.
Um ponto que pode chamar atenção é a falta de países tidos como desenvolvidos no topo da lista da felicidade. Marcelo explica que esse fenômeno diz respeito à necessidade materialista desses locais. “Se eu posso conquistar tudo fácil e sozinho, então não necessito do outro, e isso afasta o contato. As pessoas se tornam mais frias, a felicidade é instantânea, e geralmente você não tem com quem dividir a vida.”
O Brasil nunca foi tão infeliz
Já no Brasil, o quadro é diferente. Outra pesquisa da Gallup, focada em felicidade ao redor do mundo, aponta que os brasileiros atingiram um nível inédito de infelicidade nas análises da empresa, feitas desde 2006. Crise financeira e pouca credibilidade dos políticos foram os principais fatores apontados para os sentimentos ruins da população.
O brasileiro atingiu o ápice de sua infelicidade em 2018, segundo a pesquisa World Happiness Report (Relatório Mundial de Felicidade, em tradução livre), feita pela Gallup. O índice foi puxado pela crise financeira e pela falta de confiança nos líderes da política nacional. A descrença do povo brasileiro com os políticos foi tamanha que bateu o recorde da base de dados da Gallup para todos os países analisados em toda a série histórica, que começa em 2006.
Os principais aspectos observados foram as influências dos governos, das mídias sociais e das normais sociais. A conclusão é que há uma onda global de infelicidade, motivada tanto pela desconfiança em líderes políticos quanto pelo consumo de informação pelas redes sociais.
Em 2016, a paulista Jenifer Cardoso resolveu largar a faculdade de psicologia e se aventurar pela América Latina. Insatisfeita com suas perspectivas no Brasil, tanto na vida pessoal como na profissional, ela embarcou em uma jornada de um ano, na qual passou por Argentina, Peru, Colômbia, Equador e Bolívia.
“Analisando agora, eu vejo que eu estava muito deprimida e infeliz com vários aspectos da minha vida. Tinha terminado um relacionamento de forma difícil, estava trabalhando no mesmo local há muito tempo, então não tinha nenhum desafio intelectual ou social que me motivasse”, relembra.
A professora de línguas então pediu as contas, colocou a mochila nas costas e saiu pelo mundo. Trabalhando em hostels e escolas de idiomas para se sustentar, ela teve contato com diversas culturas diferentes, desde latinos até europeus e asiáticos.
“Não me surpreende o fato de os latinos serem mais felizes. Os americanos e europeus têm uma cultura muito pautada no materialismo. Eles têm muitas coisas, mas não sabem o que fazer com isso. Já os latinos são pessoas que vivem de forma mais simples, mas são muito mais ligados à espiritualidade, vida em comunidade e natureza”, aponta.
“Quero ser americano”
Ela afirma que, na sua visão, o Brasil passa pela mesma infelicidade por se espelhar demasiadamente na cultura norte-americana. “A gente cresce com a ideia de que somos tão bons quanto aquilo que temos. Para mim, isso é um valor muito distorcido. Acredito que a felicidade na vida tem que estar associada a valores mais profundos que bens materiais, seguindo a linha da espiritualidade e comunidade mesmo”, defende.
Para Jenifer, que também morou seis meses no México, o Peru e a Colômbia são os países mais felizes, por terem culturas extrovertidas e alegres. Ela acredita que hoje é uma pessoa mais feliz. “Fiz a viagem com o propósito de me conhecer. A intenção e quanto você se permite sair da sua zona de conforto são importantes.” Hoje, a mochileira toca o projeto Aprenda Con las Chicas, que busca democratizar o ensino do espanhol, com aulas gratuitas no Vale do Paraíba.
O que é felicidade?
O psicólogo Marcelo Tozato pondera que a infelicidade dos brasileiros está relacionada com a economia, insegurança no governo e a expectativa de vida no Brasil. “Acredito que esse cenário está fortemente relacionado a uma falta de estabilidade e de acreditar nas instituições públicas. Tudo isso criou um descontentamento e, com a insegurança, não conseguimos atingir a felicidade”, explica.
Ele acredita que a instabilidade governamental pode se estabilizar no futuro, mas a sociedade já tem uma conscientização de que é preciso trabalhar a generosidade e a compreensão com o outro, porque isso traz a possibilidade da felicidade. Marcelo faz uma comparação com a situação dos Estados Unidos, que caiu no ranking de felicidade e passou por um grande período de corrupção política e de queda do apoio social.
“O aumento da renda per capita aumenta a satisfação, mas não a felicidade, porque o ter não é igual ao ser. O adquirir é um prazer momentâneo, diferente de amizade e estar junto. E a melhora da economia não significa que há uma melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)”, completa.