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Agente socioeducativo mantém projeto literário em unidade de internação de adolescentes para ressocializá-los

Abdallah Antun criou A Arte do Saber, uma biblioteca itinerante que circula na Unidade de Internação de Santa Maria, para mudar a vida dos internos

atualizado

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1 de 1 abda1 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O ranger das portas pesadas de metal ecoa nos corredores da Unidade de Internação de Santa Maria. Cada vez que se abrem, o ruído áspero invade o pensamento dos adolescentes internados ali, como uma melodia descompassada. A maioria é pobre, negra e cumpre medida socioeducativa por roubo ou tráfico de drogas.

As portas não servem apenas para isolá-los da sociedade. Elas marcam o tempo. Quando se movimentam, avisam que é hora de almoçar, anunciam o jantar e, em outros momentos, deixam o conhecimento entrar.

Um carrinho cheio de livros conduzido pelo agente socioeducativo Adballa Antun passa pelas barreiras de ferro e não se rende a obstáculos. O barulho de suas rodinhas faz com que mãos coloquem-se entre as grades, em busca de romance, ficção ou de qualquer palavra que liberte a mente.

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Abdallah passa pelos corredores da unidade oferecendo livros

A ação faz parte do projeto A Arte do Saber, pensado por um ex-diretor da unidade e tirado do papel por Abdallah, em março de 2014. Ele ajudou a montar uma biblioteca com 4 mil exemplares, frutos de doações. Exercia a função de segurança e abriu mão da escala de 24 horas trabalhadas por 72 horas folgadas para tocar o programa de leitura.

Ele trabalha, diariamente, além de suas funções. Depois de executar as tarefas obrigatórias, conduz a biblioteca itinerante de porta em porta, nos dormitórios. Às vezes, precisa insistir para que os garotos peguem um livro. “Acontece mais com os que acabaram de chegar. Quem está aqui há mais tempo já criou gosto por literatura”. É o único funcionário homem com autorização para entrar na ala feminina, sempre com supervisão.

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O carrinho foi feito sob medida para circular na unidade

 

 

 

 

 

Colegas de trabalho já me criticaram muito por conta desse trabalho. Eles acham que quem está aqui é criminoso e não merece o esforço. Mas eu acredito na recuperação dos jovens. Sei que eles são maiores do que os atos que cometeram

Abdallah Antun

Abdallha acredita que 90% dos internos lêem, no mínimo, um livro por semana. Ele anota os pedidos de cada um e corre atrás de doações. Quando se atrasada ou fica um dia sem aparecer, ouve cobranças dos internos.

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O hábito de leitura vai além do passatempo. No ano passado, quatro adolescentes do centro passaram no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tomaram gosto pelos estudos. Outros tantos escrevem cartas que são enviadas à juíza que avalia o tempo de internação e contam pontos a favor de quem tem bom comportamento. “Ler se desdobra em escrever melhor e em uma visão de mundo mais ampla”, acredita Abdallah.

 

Refúgio
A leitura faz sonhar com a liberdade. Pedaços cor-de-rosa de papel formam as palavras FREEDOM, força, foco e fé, na parede atrás da cama de Maria (nome fictício), 18 anos. Poderia ser o quarto de qualquer menina, não fosse a dureza da entrada trancada com cadeados e chaves, que contrasta com a delicadeza das fotos e corações espalhados.

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Cada quarto é dividido por duas pessoas. A decoração aproxima um pouco mais de casa

Há um ano e sete meses, o único contato com o mundo exterior é o sol que entra pelas frestas dos cobogós próximos ao teto. A luz que clareia os pensamentos, porém, é outra. Nunca antes alguém havia oferecido um livro a Maria.

“Nem tinha pegado em um livro até estar aqui. Abdallah teve que insistir muito para eu pegar um. É muito difícil ficar aqui dentro e ler ajuda bastante. É um exílio para a mente”, diz a jovem, que está em detenção por tráfico de drogas.

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Antes de cumprir medida, ela vivia sozinha, aos 14 anos. Tinha deixado a escola e não pensava no futuro. “Tenho muito a agradecer ao seu Abdallah. Depois que comecei a ler, eu voltei a estudar. Quero fazer faculdade e ser publicitária.”

O efeito do projeto é visível também na ala masculina. Fábio, 17 anos, cumpre medida por tentativa de homicídio. Ler ajudou-o a aplacar a agressividade. Também melhorou o vocabulário e a escrita.

Antes, eu só me interessava pela criminalidade mesmo. Agora eu leio um livro por semana. Meus preferidos são da Agatha Christie‎. Nunca tinha chegado perto de um livro

Fábio, 17 anos

Ele está empolgado com a prova do PAS, da UnB, e planeja ser advogado. “Tenho certeza que o hábito de leitura vai ajudar muito”, diz. Quando foi levado para o centro, havia abandonado a escola (ou tinha sido abandonado por ela?), na 8ª série.

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Por ironia da vida, Abdallah, aos 49 anos, não têm hábito de leitura. Raramente termina um exemplar. Nunca teve incentivo para gostar de ler, mas não desiste, por ver a diferença que isso faz na vida dos internos. Recebe cartas de agradecimento.

 

Quando eu estava triste, o senhor me aconselhou, me ouviu, coisa que é difícil acontecer

Saiba que reconhecemos seu esforço. Você se mostra presente nos momentos em que precisamos de alguém

O seu projeto é uma das poucas coisas que nos faz ficar tranquilos e conhecer novos horizontes

 

Abdallah tem um lema: não há casos perdidos. “Já me disseram, muitas vezes, para não dar mais livros a um deles, como forma de punição por má conduta. Eu jamais faria isso. Não posso desistir de ninguém”. A árvore de Natal da Unidade de Internação foi construída com livros. É feita de esperança.

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