A vida depois de… virar um meme
O ator Leônidas Fontes, da companhia de teatro Setebelos, foi um dos primeiros virais brasilienses. Quer saber o que ele anda fazendo?
atualizado
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“O que? Salvando vidas? É você, herói de Brasília?”, essa foi a frase que iniciou tudo. A princípio o ator Leônidas Fontes, hoje com 44 anos, nem queria ter entrado debaixo de chuva. Mas para ajudar uma mulher desesperada, ele entrou na água suja de lama, nadou e, no início de 2009, Brasília assistia ao nascimento de um dos seus primeiros memes — na época ainda chamado de “viral”.
Todo mundo sabe que o clima de Brasília uma hora faz sol e, do nada, surge uma chuva forte. Não foi diferente naquele dia. Leônidas Fontes havia combinado uma reunião na casa do amigo Saulo Pinheiro com o também ator Daniel Villas Bôas, companheiros do grupo de teatro Setebelos. Ao chegar na 202 Norte, estava sol com algumas nuvens pretas.
“Íamos ter ensaio aquele dia, tava calor com céu fechado. Liguei para o Saulo e ele não estava em casa. Quando ia descer do carro para esperá-lo, começou a cair baldes de água”, conta. Saulo chegou e os três amigos se encontraram. “Eles sugeriram da gente tomar açaí, mas eu não queria me molhar e, por isso, fiquei esperando os dois no estacionamento. Mas o Daniel acabou me ligando para dizer que eu precisava ver o que estava acontecendo na quadra. Cheguei lá e a rua estava como um rio”, completa.
O carro de uma senhora, que estava solto, começou a descer com a enxurrada. “O vídeo não mostra, mas antes de começar a gravação ela estava desesperada gritando ‘meu carro, alguém salva meu carro’, balançando as chaves e pedindo ajuda”, contou Leônidas, que esqueceu a ideia de não se molhar, e foi correndo tentando salvar o veículo.
“Consegui pará-lo e voltei. Foi quando o Daniel virou pra mim e gritou: ‘O que? Salvando vidas? É você, herói de Brasília?’. Eu me empolguei”, contou o ator aos risos. Mal sabia ele que teria nascido ali um dos primeiros memes brasiliense.
Um longo e engraçado vídeo de nove minutos, gravado com uma Sony CyberShot, foi suficiente para transformá-lo no “herói de Brasília”.
Tecnologia “de ponta” há 7 anos
O vídeo chama a atenção por ser longo, coisa que não vemos mais hoje em dia. Outro ponto engraçado são os celulares que gravavam o que acontecia no momento: todos flipphone. A atraso tecnológico faz parecer que aconteceu muito tempo atrás, mas na verdade as imagens tem apenas sete anos.
“Por sorte o Daniel estava com a câmera na mochila. Nem me lembro mais como funcionavam os celulares na época, mas acredito que eles não tinham memória para gravar por muito tempo” questiona Leônidas. Na época, as redes sociais limitavam-se ao (falecido) Orkut e ao Youtube. A forma com que o vídeo tornou-se viral? E-mail. Isso mesmo que você leu, nada de compartilhamento no Facebook, nada de 24 horas ao vivo no Snapchat, RT no Twitter não era moda e mandar curtos vídeos no WhatsApp? O que era WhatsApp? A viralização acontecia via e-mail.
As publicações do link em blogs famosos também ajudaram na fama do canal. “Saímos no ‘Não Salvo’ e demos uma entrevista no Balanço Geral”, comenta.
A narração
Leônidas ainda ressaltou que sem os seus amigos, nada teria acontecido. “Algumas vezes eles narravam e eu fazia, outras vezes eu fazia e dai nascia a narração”, comenta aos risos. Segundo o ator foi tudo muito espontâneo. Com nada premeditado, Saulo e Daniel fizeram toda a diferença no “roteiro”.
– Leônidas! desafiando a leptospirose! A rotavirose! A AIDS!
– Ele é um “ráptil” urbano!
– É o planeta descontando no ser humano! Que não cuida! O tratado de Kyoto não foi assinado e agora aqui a camada de ozônio mandando sua fúria!
– Agora vai acontecer o que jamais um ser humano presenciou, o nado borboleta urbano!
– Veja, ele segue a sinalização e ele PARA o Corolla!
A repercussão
Após a gravação, o trio subiu para o apartamento do Saulo para Leônidas tomar banho. Ele não sabia, mas a mãe do amigo estava dirigindo um dos dos carros engarrafados na tesourinha. “Quando estava no banho escuto ela chegando em casa e falando: ‘Vocês não imaginam o que eu vi, um bêbado, drogado, louco, de cueca branca nadando e surfando naquela água nojenta da chuva’. Fiquei quieto até que a moça que trabalhava na casa disse: ‘Ah é? Era o Leônidas. E ele tá ali no seu banheiro tomando banho'”, conta sem conter a risada.
Os amigos resolveram postar a gravação na íntegra depois que, no dia seguinte, pesquisaram no Youtube e viram vários vídeos curtos compartilhados por pessoas, que também estavam no local, mas não sabiam o que estava acontecendo ali — achavam tratar-se de um drogado, bêbado ou só maluco mesmo. Por isso, resolveram subir as imagens da câmera de Daniel e o sucesso estava garantido.
Com um total de — até a postagem dessa reportagem — 765.256 de visualizações, o vídeo pode parecer não ser viral para os dias de hoje, mas na época foi considerado um dos mais assistidos no canal. “O boom foi muito grande e muito rápido. Em um dia tinham 10 mil visualizações, no outro 20 mil e por ai vai. Acho que foi assim: Brasília toda assistiu e ai pararam as visualizações”, comenta, sempre rindo.
A verdade é que o ator acabou se tornando um herói para a senhora que precisava de ajuda com seu carro. Não fosse por ele, era o fim da vida automobilística daquele Fox. Como consequência, até hoje Leônidas é lembrado pelo surf nas águas da capital. “Essa virada de ano estava em um restaurante, conheci um cara e conversei com ele algumas vezes durante a noite. Depois de algum tempo, ele vira para mim e fala: ‘É você? Meu herói, Leônidas’. Fico impressionado como essa história ainda rende”, confessa o ator.
Quem está sempre atrás do surfista são os donos da lanchonete em que estavam. Vira e mexe ligam para o “herói” falando: “Olha, tá chuvoso e feio aqui, bom para um segundo vídeo, hein?”. A ideia de filmar a parte dois da saga nunca foi descartada, mas ele acredita que só faria se fosse tudo espontâneo novamente. “Para ser herói de novo, vou precisar de uma nova missão aquática”, diz. Contrariando as expectativas: nenhuma doença foi adquirida depois da aventura.
Leônidas diz que se tivesse acontecido hoje em dia, teria adaptado o vídeo para viralizar em pleno 2016 e se encaixar a cada formato de cada rede social. “Teria transformado em três partes menores. Ninguém vai parar para assistir nove minutos. Mudaria a forma como postaríamos”, ele imagina. Para encerrar história, sete anos depois, ele deixa dois conselhos. Primeiro: não há idade para brincadeira, “Se diverta e dê risada sempre que se sentir vontade”, resume. O segundo? “Alô, senhor governador? Vamos dar um jeito naquela boca e lobo, né?”.