A vida depois de… virar o garçom mais querido de Brasília
Cícero Rodrigues trabalhou durante 38 anos no Beirute. Agora, ele percorre Ceilândia sobre uma Kombi vendendo quitutes nordestinos
atualizado
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Na zona rural de Nova Floresta, na Paraíba, Cícero Rodrigues dos Santos fez de tudo um pouco: foi dono de bar, vendedor de frutas e mascate. Já na capital da República, fez história e se tornou o garçom mais antigo e querido do Beirute – onde trabalhou por 38 anos.
Hoje, aos 67 anos, o paraibano aposentado, que recebeu título de cidadão honorário de Brasília dado pela Câmara Legislativa, em 2008, percorre Ceilândia sobre uma Kombi para vender quitutes famosos de sua terra natal. “Não aguento ficar dentro de casa com a boca fechada. A vida é feita de amizades e na rua sempre conheço uma figura nova.”
Por onde passa, Cícero faz clientela. O carisma responsável por sua fama no Beirute permanece. Mas agora em novo endereço e bairro. De domingo a domingo, das 9h às 13h, ele para seu carro no estacionamento do Supercei. Nas segundas, quartas, sextas e sábados, das 15h às 21h, o veículo é estrategicamente posicionado próximo ao Supermercado Guarapari. Os dois endereços ficam no P Norte. “E tem gente que me para no meio do caminho, na estrada mesmo”, comentou com sorriso no rosto.
Rapadura, biscoito mil folhas, peta (o famoso biscoito de polvilho)… A Kombi carrega todas essas delícias famosas no Nordeste. Os produtos típicos permitem que Cícero colecione novas amizades e recorde as memórias do estado onde nasceu e do tempo que passou no Beirute. “Nunca pensei que tinha tanto ‘paraíba’ aqui”, brincou.
Trajetória na capital
Quando tinha 28 anos, ainda vivendo no semiárido de Nova Floresta (PB), um amigo fez o convite que mudou sua vida. Entre as cartas trocadas com o conterrâneo estava uma oferta de emprego: trabalhar no tradicional boteco do Plano Piloto. A função que exerceria, no entanto, só descobriu quando fincou as raízes nordestinas na capital federal.
Em 25 de março de 1977, Cícero iniciou sua jornada no Beirute como faxineiro. Somente três anos mais tarde colocou o paletó vinho – um dos símbolos do local – e passou a servir os tão aclamados kibeirutes. Em quase quatro décadas de serviço, o garçom conheceu políticos, conviveu com roqueiros como Renato Russo e Cássia Eller, e atendeu o criador da cidade que o acolheu: Oscar Niemeyer. “Tem mais nomes, mas eles escapam da memória.”
Dar adeus ao bar não foi fácil. Graças à labuta nas duas unidades do comércio – Cícero foi transferido para a unidade na Asa Norte, em 2007, com a missão de “levar a multidão” para o espaço recém-inaugurado –, ele conseguiu construir a casa própria no bairro do Pôr do Sol (Ceilândia) ao lado da esposa, a paraibana Gilza Ferreira da Silva, 62. O esforço também permitiu ao casal criar os quatros filhos e matriculá-los em faculdades da capital.
Os problemas na coluna começaram a pesar e o paraibano resolveu se despedir do endereço mais boêmio do DF em 2015. Após 11 dias de homenagens, com as duas casas lotadas, Cícero encerrou um dos capítulos de sua vida. “Veio cliente de tudo que é lugar. Gente dos Estados Unidos, de São Paulo, do Rio de Janeiro…”, recordou-se.
Nos últimos meses em que esteve com o paletó vinho, Cícero viu a oferta da Kombi pela janela do ônibus enquanto voltava para casa, depois de um dia de expediente. Ele, então, teve a ideia de comprá-la e usá-la durante aposentadoria em um novo ofício. Pegou parte das economias, cerca de R$ 14 mil, e investiu na empreitada. A tentativa frustrada de prestar serviços de frete se transformou no comércio sobre rodas.
Recentemente, Cícero abraçou um novo desafio: criou um perfil no Facebook. “No ‘Zap’, eu já tinha o jeito, mas no Facebook estou ralando”, revelou em meio às gargalhadas. Seja no Beirute, nas ruas de Ceilândia ou na internet, o paraibano deseja apenas uma coisa: manter e encontrar o maior número de amizades que puder. O coração dele é igual à Kombi que dirige: cabe muita gente, cabe sempre mais um.