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A vida depois de… Vencer o vício em cocaína

Levou oito anos, algumas amizades, a infância das filhas e o equivalente a um apartamento para que o jornalista Jorge Eduardo Antunes saísse do vício em cocaína. Hoje, usa sua história para ajudar e inspirar outras pessoas com problemas semelhantes

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Felipe Menezes / Metrópoles
Jorge Eduardo Antunes
1 de 1 Jorge Eduardo Antunes - Foto: Felipe Menezes / Metrópoles

A sala onde Jorge Eduardo Antunes, hoje com 51 anos, trabalha, no Setor Hoteleiro Norte, não tem muita coisa. Uma mesa cheia de papéis – que jornalista não teria? – um banheiro no fundo, uma bancada com algumas revistas e jornais empilhados, duas janelonas. Nas paredes brancas, uma única folha de papel presa num prego, onde se lê: “O homem é o que pensa. Se você insistir em pensar no mal, na dor, na doença, você os atrairá para si. Pense na saúde, na alegria, na prosperidade, e sua vida tomará novo rumo”. O trecho é de uma página do livro “Minutos de Sabedoria”. De fato, há quase 13 anos sua vida tomou novo rumo. Esta é a história de como ele venceu a cocaína.

Mas não espere o enredo clássico de um jovem “entregue ao mundo das drogas”. Ele não vem de um lar partido, não teve traumas nem exemplos tortos em casa, não andou com “gente errada”.

Passou ileso a infância, a adolescência e os primeiros anos da vida adulta. A chave virou na faculdade. Na época, ele tinha uns 20 e poucos anos e sonhava com uma carreira de repórter, mas trabalhava de caixa em um banco. “Aquilo me incomodava demais. Comecei a fumar maconha todos os dias antes de ir trabalhar e chegava no banco chapado”. Numa autoavaliação, ele acha que essa foi a primeira barreira a cair. Teve contato com a cocaína uma vez nessa época, mas detestou a experiência. Deixou para lá e logo largou também os baseados.

Corte seco para seis anos depois. Jorge já tinha trocado o banco por uma redação de jornal. Nos jornais, sexta-feira é dia de “pescoção” — trabalhar até altas horas para adiantar as edições do fim de semana. Mas era uma sexta sem pescoção, uns amigos do trabalho o convidaram para uma boate. A fase era difícil, mulher e bebê em casa, ele queria comemorar a alforria. Topou a noitada.

Homem sente muito o primeiro filho. No primeiro ano o bebê demanda muita atenção e a mulher fica ali por conta de cuidar desses primeiros passos, de educar, e o homem precisa se engajar nisso. Coisa que eu não fiz. Consequentemente, comecei a me portar como uma criança também.

Jorge Eduardo Antunes

Aquela sexta passou a se repetir em todas as outras. A cocaína o transformou em super-herói. O jovem inseguro sumia assim que ela aparecia. “Eu era a alegria do pescoção. Quando todo mundo estava tenso, eu estava planejando como a gente ia usar droga no banheiro”. O vício chegou a lhe custar R$ 400 por mês. Isso em 1995. Se fosse hoje, o valor passaria dos R$ 1,8 mil.

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Me sentia o Superman, voando pela cidade do Rio de Janeiro, poderoso.

Jorge Eduardo Antunes

Jorge Eduardo passou a trocar os dias (e noites) com mulher e filha pela droga. Claro que sua mentira não duraria muito tempo. Questionado pela esposa, abriu o jogo. Disse que usava cocaína — jamais admitiria ser viciado — e, não bastasse, pediu para se drogar em casa. Sua mãe, na época com 72 anos, entrou em depressão. “Ela me perguntava o que ela tinha errado nessa vida”, lembra. Das festas, a cocaína foi parar na sua casa. Não na frente da filha. Se saísse, tinha que chegar antes do amanhecer. Nos bares, não podia ter mulher na mesa. Foi a maneira que a mulher encontrou para, à sua maneira, manter algum senso de controle. Sob pena de ficar sem a cocaína, ele topou.

Controle sobre a situação era o que Jorge jurava que tinha. Dizia aos amigos e à mulher que “parava quando quisesse”. Tinha tanta certeza que apostou que ficaria um ano sem usar cocaína. “Fiquei. Mas fiquei, na verdade, 365 dias contando quantos dias faltavam para eu usar de novo. Eu não estava há um mês sem a droga. Na verdade, faltavam 11 meses para eu poder usar de novo”. Quando voltou, fez jus ao tempo de abstinência. Usava todos os dias. O dinheiro foi rareando.

Para sustentar o vício, passou a agir como uma espécie de avião de luxo do tráfico. Incitava os amigos a fazer festinhas para poder distribuir cocaína. Os traficantes entregavam a mercadoria no trabalho mesmo, em maletas, sem muita cerimônia. Ele dividia a droga em casa, roubava dos amigos, embalava novamente as porções e repassava a droga a eles mais cara do que o combinado.

Eu era o gerente da agência ‘brancária’, como a gente brincava.

Jorge Eduardo Antunes

Deu ruim
Em 1998, foi demitido. Na época, era editor do caderno de economia. Ele tinha cometido um erro grave editando uma das matérias, já andava agressivo, jogando papéis para cima nas reuniões de pauta, não era exatamente uma candura de pessoa. As portas se fecharam no Rio, mas outra se abriu em Brasília, por meio de um amigo, também jornalista. Sem muita opção, arrumou as malas, pegou a família – na época já eram duas filhas – e veio para a capital recomeçar a jornada.

A ideia era andar na linha. “Já estava duro no Rio de Janeiro, cheguei aqui envergonhado e queria estabelecer uma certa racionalidade. Já com uma certa cobrança minha mesmo de que, com duas filhas, não dava para bancar o playboy”, conta. “Mas a droga acha o viciado e chegou o meu aniversário. Quando você está na droga, não quer festa com bolo e guaraná”.

Voltou para a cocaína aos poucos. Aqui, a droga era mais cara – não é tão simples assim subir em um morro qualquer e negociar com um traficante –, mas também é mais pura. Sem os amigos de “festinhas” do Rio, ficou introspectivo. Sentava em uma mesa de metal num posto no Setor Gráfico com um litro de uísque e alguns amigos. A cada 20 minutos, ia ao banheiro cheirar.

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Da porta do banheiro para fora, apontava o dedo para os “drogados” e bandidos e dizia que era um absurdo o que eles faziam “Ninguém devia deixar um cara desses cheirar pó, é um viciado”. Virou o que ele mesmo chama de um “líder sindical dos drogados do bem”, acima da razão.

A primeira virada veio num carnaval no Rio com a família. Era domingo, dia de desfile das escolas de samba, ele não queria mesmo se conter. Chegou na casa da mãe agressivo, gritava, dizia que ia matar a mulher. Não matou, mas, num ato de fúria, deixou sua blusa em pedaços – ele guarda o pano estropiado até hoje, como lembrança. A mãe e a filha assistiram toda a cena de terror.

“Naquele momento eu vi que não existia nenhuma vantagem em ser quem eu era. Eu tinha ultrapassado o meu próprio limite, violado a minha própria moral”, lembra.

Pediu ajuda justamente a quem tinha machucado mais, a mulher. “Você não vai aguentar, né?! Vai me abandonar.” A resposta veio doída: “Não. Vou com você até o final. Pena que vai ser logo”.

Aquilo não bateu nada bem. “Vou deixar essa mulher aí… Vou deixar essas filhas aí…”, pensava. Até que um dia, foi ao Rio buscar as filhas que estavam de férias na cidade. Na despedida, convidou uns amigos e comprou cocaína. Nenhum deles compartilhou da sua fissura. Antes de voltar para casa, se viu com um monte de droga, sozinho. “Meus amigos ficaram preocupados, eu me senti horrível”.

Última vez
Ele não sabe explicar porque exatamente, mas foi a última vez que usou cocaína. Era 28 de julho de 2003. Quem sai do vício não esquece uma data assim. Este ano, serão 13 anos sóbrio, mais que os oito que ficou na cocaína. “Eu perdi o equivalente a um apartamento em droga. Mas o maior prejuízo não é o financeiro, é o humano”, diz.

Felipe Menezes/Metrópoles

 

Sem o viés da cocaína, o mundo ficou mais nítido de repente. Viu, por exemplo, que tinha uma filha de 3 anos, com a qual, cegado pela droga, mal tinha convivido. “Você acorda para a vida”, ele diz. “Eu percebi, por exemplo, que tinha um sofá vermelho em casa. E falei ‘por que diabos eu tenho um sofá vermelho?’”, ri. A vida ganhou novas cores – ou finalmente ganhou cores.

A relação em casa, com a família, foi o que mais mudou. “Passamos a ser família”. Família nos almoços de domingo, na hora de assumir a roupa suja e a louça empilhada. Quando as filhas completaram 11 anos, abriu o jogo para elas. O episódio da briga com a mãe, naquele carnaval do Rio, a mais velha apagou da memória. “Isso está guardado em algum lugar da memória dela, não sei como. Eu só espero que quando sair, saia com compreensão”, torce.

Hoje, através dos grupos de apoio dos quais é coordenador para dependentes e os chamados codependentes, pessoas que, embora não sejam viciadas, acabam afetadas pelo vício do familiar ou amigo – como uma mãe que ele conheceu que sequer vestia pijamas, com medo de que o filho ligasse a qualquer momento pedindo ajuda – ele estende a mão a pessoas que, como ele, se perderam em algum lugar entre o “vou experimentar” e o “paro quando quiser”.

Não melhorei assustadoramente como ser humano. Na droga, você não é nada. Sem ela, é você mesmo, com suas coisas boas e ruins. Mas comecei a ver que existem outros problemas como os meus. Eu poderia ter me fechado em casa e pensado ‘acabou, estou curado’. Mas escolhi outro caminho.

Jorge Eduardo Antunes

Aquela página do “Minutos de Sabedoria” pendurada na parede do escritório continua assim: “Afirme sempre que é feliz, que as dores passam, que a saúde se consolida cada vez mais, e a felicidade baterá à sua porta”. A felicidade lhe foi cara todos aqueles anos. Mas hoje ele não a deixa escapar.

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