metropoles.com

A vida depois de… sair das ruas e se tornar um rapper

Ele nasceu, cresceu e morou nas ruas por boa parte de sua vida, até o dia em que o rap nacional o resgatou.

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Michael Melo/Metrópoles
Michael Melo/Metrópoles
1 de 1 Michael Melo/Metrópoles - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Um sorriso gigante no rosto, uma humildade quase palpável e muita vontade de contar sua história de superação cheia de reviravoltas – nem sempre tão positivas. Assim o rapper brasiliense Neemias MC recebeu a equipe de reportagem, no Espaço Moinho de Vento – Centro de Formação e Cultura da Família Hip Hop, em Santa Maria.

Aos 14 meses, Neemias foi abandonado na Rodoviária de Brasília por sua mãe biológica. Antes de ser deixado, teve seus olhos queimados por cigarro, numa tentativa de deixá-lo cego. “Meu olho é seco, sabe? Acho que ela fez isso pra conseguir me colocar pra pedir esmola depois, mas não deu muito certo”, relata, entre uma pingada e outra de colírio.

Um casal de moradores de rua adotou Neemias. A família também vivia nos arredores da Rodoviária de Brasília. Ainda bem novo, ele ajudava os pais adotivos a pedir dinheiro, entre um carro e outro parado no sinal vermelho. “Era também uma família cheia de desigualdade social. O preconceito que a gente sofria era muito grande. Preto, pobre e sem casa.”

Michael Melo/Metrópoles

A felicidade não veio com a nova família. O garoto sofria abusos psicológicos e físicos de sua mãe adotiva. “Ela me falava que ninguém gostava de mim, que eu era filho de chocadeira e era um sem futuro, seria um ninguém”, disse.

Minha mãe adotiva me queimava bastante de cigarro, me batia com a mangueira do fogão, me batia forte mesmo. Dai eu fugi

Neemias MC

Aos 10 anos, ele resolveu viver sozinho. Se juntou com alguns colegas de rua e fugiu. Sua casa? Brasília inteira. “Tem que ficar circulando, né? Não pode ficar parado num lugar só, porque os cana te pega, te bate, te tira dali e te humilha”, diz.

Era época de festividades de fim de ano e também de “higienização pública”, como Neemias define. Isso significa tirar os moradores de rua de onde estão e os “esconder” em cantos periféricos do Distrito Federal. “Ninguém quer assustar os turistas”.

Nessa ocasião, ele foi levado para o abrigo Centro de Recepção e Triagem (CRT). Ali morou por anos. Neemias explicou que ali não existia cultura nem lazer. Faltava água, comida e educação. Lá, ele começou a usar drogas. “Era cola que a gente cheirava na época. Não era crack e essas coisas não”, explicou. Saía do abrigo, roubava para comer e voltava. Foi ali que ele começou sua vida no crime. “Eram pequenos furtos, mas mesmo assim…”

Mesmo com a precariedade, surgiu uma chance de mudar de vida. Na sala do Centro de Recepção, ele foi apresentado ao rap nacional. O professor Rangel MC visitava o abrigo para ministrar oficinas criativas, que despertavam nas crianças uma necessidade de usar a arte para expressar a ira. Neemias até ia, mas deitava-se no sofá da sala e observada a oficina entre uma cheirada e outra de cola. “Ficava ali só deitado observando mesmo. Não participava de nada não, mas eu gostava de assistir.”

 

 

Um dia ninguém apareceu para a aula, a não ser Neemias. Ele ouviu naquela tarde o questionamento que deu rumo à sua vida: “Sabia que você pode transformar sua história em música? Você pode se expressar, criar poesias e transformar sua raiva em arte”, questionou Rangel MC. Neemias decidiu tentar e descobriu ter talento. Ira, decepção e alegria viraram rima.

Seus versos fizeram sucesso. Ele começou a deixar o abrigo, mas não para usar drogas, como antes. Agora saía para fazer shows, participar de eventos e ministrar oficina de rimas e poesia. Aos 18 anos era hora de deixar o abrigo, mas o que fazer sem formação e sem rumo?

O rapper começou a trabalhar em uma marcenaria como assistente. Teve ajuda de dois funcionários do abrigo, que ficaram encantados com sua mudança de vida e o ajudaram financeiramente, tirando de seus próprios bolsos, a começar uma carreira na música.

Michael Melo/Metrópoles

Aquele menino de rua, abandonado aos 14 meses, agora tinha casa e profissão. Conheceu o Núcleo de Formação Popular Família Hip-Hop, em um debate sobre os preconceitos raciais na periferia brasiliense. Passou também a ministrar oficinas nos abrigos de crianças abandonadas, numa tentativa de resgatar outros jovens.

“O rap que eu acredito é o rap protesto. O rap me resgatou. Hoje é muito louco, eu canto onde eu ia pedir esmola, tá ligado? Isso é muito emocionante pra mim”, diz.

Sua carreira como MC começou aos 18 anos. Aos 22, lhe proporcionou uma outra surpresa: o encontro com a poetiza Bebeth Cris, com quem hoje está casado. Pai da pequena Diana, o casal agora espera um menino. “Olha que louco, minha filha se chama Diana por causa da princesa Diana, isso é muito louco”, comentou aos risos.

Hoje somos uma família, sou pai, tenho um lar. Família preta, pobre, periférica e de resistência.

Neemias MC
5 imagens
1 de 5

Michael Melo/Metrópoles
2 de 5

Michael Melo/Metrópoles
3 de 5

Michael Melo/Metrópoles
4 de 5

Michael Melo/Metrópoles
5 de 5

Michael Melo/Metrópoles

 

Hoje, aos 24 anos, o artista luta para que ele não seja uma exceção à regra. Quer se tornar um exemplo que ajude outros moradores de rua a usarem suas histórias de uma forma positiva. “Tem muito mais gente lutando comigo, somos fortes”, comenta.

O rapper afastou-se da família adotiva e nunca mais manteve contato. Recentemente, descobriu que suas irmãs biológicas moram a 15 minutos de distância de sua casa, mas não quiseram lhe conhecer.

Há tempos, ele tentou contato com a mãe, mas também desistiu. “O boato que corre é que ela não quer me ver, aí eu desisti. Não vou mais tentar nenhum contato com elas. Queria conhecer minha irmã, mas vida que segue”. Neemias jamais usou o nome e o sobrenome que estão em seu RG, pois prefere ser quem ele mesmo inventou.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comVida & Estilo

Você quer ficar por dentro das notícias de vida & estilo e receber notificações em tempo real?